Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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outro início

quarta-feira 13 de dezembro de 2023

andere   Anfang  

As “contribuições” perguntam em uma via que é inicialmente aberta pela transição ao OUTRO INÍCIO, para o interior do qual o pensamento ocidental agora se volta. Essa via lança a transição no espaço aberto da história e a fundamenta como uma estada talvez muito longa, em cuja realização o OUTRO INÍCIO do pensamento permanece sempre apenas o pressentido, mas já de qualquer modo decidido. Com isto, apesar de já falarem e mesmo de só falarem da essência do seer, isto é, do “acontecimento apropriador”, as “Contribuições” ainda não conseguem juntar a junção livre e fugidia da verdade do seer a partir dele mesmo. Se isso algum dia tiver lugar, então essa essência do seer determinará em seu estremecimento o conjunto articulado da obra pensante ela mesma. Esse estremecimento se fortalece, então, em nome do poder da ternura liberada característica de uma intimidade daquela deização do deus dos deuses, a partir da qual acontece apropriadoramente a destinação do ser-aí para o seer, como para a fundação da verdade que é concernente ao seer. GA65MAC: 1

Mesmo aqui, porém, como em um exercício preparatório, precisamos tentar aquele dizer pensante da filosofia que advém de um OUTRO INÍCIO. Quanto a ele vale o seguinte: esse dizer nem descreve nem explica, nem anuncia nem instrui; não se tem aqui o dizer ante o que tem para ser dito, mas o dizer é ele mesmo como a essenciação do seer. Esse dizer reúne o seer em uma primeira ressonância de sua essência e só soa mesmo a partir dessa essência. GA65MAC: 1

O tempo dos “sistemas” passou. O tempo da construção da figura essencial do ente a partir da verdade do seer ainda não chegou. Entrementes, a filosofia precisa ter empreendido algo essencial em meio à transição para o OUTRO INÍCIO: o projeto, isto é, a abertura fundante do campo de jogo tempo-espacial da verdade do seer. Como podemos realizar essa tarefa única? Permanecemos aqui sem precursores e sem uma base de sustentação. Meras variações do que se teve até aqui, por mais que aconteçam com a ajuda das maiores misturas possíveis de modos de pensar historicamente conhecidos, não nos fazem sair do lugar. E todo e qualquer tipo de escolástica de visões de mundo se encontra completamente fora da filosofia porque só podem persistir sobre a base da negação da dignidade de questão do seer. A filosofia tem a sua própria dignidade não dedutível e incalculável na dignificação do que é digno de questão. Todas as decisões sobre seu agir são tomadas a partir da preservação dessa dignidade e enquanto preservações dessa dignidade. No entanto, no reino do que há de mais digno de questão, o agir só pode ser um questionar único. Se em algum de seus tempos encobertos a filosofia tem de se decidir, com a clareza de seu saber, por sua essência, então isso tem de se dar na transição para o OUTRO INÍCIO. GA65MAC: 1

O OUTRO INÍCIO do pensamento é assim denominado não porque possua uma forma diversa da que possuia qualquer outra filosofia até aqui, mas porque precisa ser o unicamente outro a partir da ligação com o início unicamente uno e primeiro. A partir dessa articulação mútua de um início com o outro já está também determinado o modo da meditação pensante característico da transição. O pensamento inserido na transição empreende o projeto fundante da verdade do seer como uma meditação histórica. A história não é aí o objeto e a circunscrição de uma consideração, mas aquilo que o questionar pensante primeiramente desperta e obtém como o sítio de suas decisões. O pensamento no interior da transição coloca o primeiro movimento de essenciação do seer da verdade e o porvir mais extremo da verdade do seer em discussão e dá voz, em meio a essa discussão, à essência até aqui inquestionada do seer. No saber do pensamento inserido na transição, o primeiro início permanece decisivo como primeiro e é, entretanto, superado como início. Para esse pensamento, a reverência mais clara em relação ao primeiro início, que abre, além disso, pela primeira vez, o seu caráter único, precisa caminhar lado a lado com a ausência de um olhar para trás – uma ausência inerente à virada de outro questionar e dizer. GA65MAC: 1

Por vezes, aqueles fundadores do abismo precisam ser consumidos no fogo do que se guarda, para que o ser-aí venha a ser possível para o homem e, assim, seja salva a constância em meio ao ente, para que o ente mesmo experimente a restauração no aberto da contenda entre terra e mundo. Consequentemente, o ente é voltado para o interior de sua constância por meio do ocaso dos fundadores da verdade do seer. Tal movimento é exigido pelo próprio seer mesmo. Ele precisa dos que experimentam o ocaso; e, onde quer que um ente apareça, o seer já sempre se a-propriou desses fundadores que perecem em meio ao acontecimento, já sempre os atribuiu a si mesmo. Essa é a essenciação do seer mesmo: nós a denominamos o acontecimento apropriador. A riqueza da ligação volteante do seer com o ser-aí que lhe é entregue apropriadoramente é imensurável. A plenitude do acontecimento da apropriação é incalculável. E somente algo muito diminuto pode ser dito aqui “sobre o acontecimento apropriador” nesse pensar inicial. O que é dito é questionado e pensado em uma “conexão de jogo” do primeiro e do OUTRO INÍCIO a partir da “ressonância” do seer; ele é questionado e pensado em meio à indigência do abandono do ser para o “salto” em direção ao interior do seer. Esse “salto” tem por fim promover a “fundação” da verdade do seer como a preparação dos “que estão por vir” e “do último deus”. Esse dizer pensante é uma diretiva. Essa diretiva indica o livre abrigo da verdade do seer em meio ao ente como algo necessário, sem ser, contudo, uma ordem. Tal pensamento jamais pode ser transformado em uma doutrina: ele se subtrai completamente ao acaso da opinião  . Além do mais, ele só dá uma diretiva aos poucos e ao seu saber, quando o que importa é o resgate dos homens da barafunda do não-ente, lançando-os para o interior da maleabilidade à junção característica de uma criação reservada dos sítios que são determinados para o passar ao largo do último deus. Mas se o acontecimento apropriador perfaz a essenciação do seer, o quão perto está, então, o perigo de que ele recuse e precise recusar o acontecimento da apropriação porque o homem perdeu a força para o ser-aí, uma vez que a violência desencadeada do desvario em meio ao gigantesco o dominou sob a aparência da “magnitude”. No entanto, se o acontecimento apropriador se tornar recusa e denegação, isso significa apenas a retração do seer e o abandono do ente ao não-ente? Ou será que a denegação (o caráter de não do seer) pode se tornar no mais extremo o mais distante acontecimento da apropriação, posto que o homem conceba esse acontecimento apropriador e o horror do pudor o recoloque na tonalidade afetiva fundamental da retenção e, com isto, já o exponha para o ser-aí? GA65MAC: 2

A partir de um simples toque do pensar essencial, o acontecimento da verdade do seer precisa ser transposto do primeiro para o OUTRO INÍCIO, para que, em consonância, ressoe a canção totalmente diversa do seer. E é por isto que a história está aqui realmente por toda parte: a história que se recusa ao historiológico, porque não deixa emergir o passado, mas se mostra em tudo o arrojar-se para além no que está por vir. GA65MAC: 2

A ressonância do seer como a ressonância da recusa. A conexão de jogo da pergunta sobre o seer. A conexão de jogo é inicialmente conexão de jogo do primeiro início, para que este coloque em jogo o OUTRO INÍCIO e cresça a partir dessa alternância no jogo a preparação do salto. O salto no seer. O salto projeta o abismo do esfacelamento e assim pela primeira vez a necessidade da fundação do ser-aí destinado a partir do seer. A fundação da verdade como a fundação da verdade do seer (o ser-aí). GA65MAC: 3

Para os poucos que de tempos em tempos perguntam uma vez mais, isto é, que colocam em decisão de maneira renovada a essência da verdade. Para os raros, que trazem consigo a mais elevada coragem para a solidão, a fim de pensar a nobreza do seer e falar de sua unicidade. O pensar no OUTRO INÍCIO é originariamente histórico de uma maneira única: o dispor autoconjuntivo sobre a essenciação do seer. Um projeto da essenciação do seer como o acontecimento apropriador precisa ser ousado porque não conhecemos a missão de nossa história. Que possamos experimentar de um modo fundamental a essenciação desse desconhecido em seu ocultar-se. Precisamos querer, porém, desdobrar esse saber, segundo o qual o desconhecido que nos é dado como tarefa deixa a vontade na solidão e, assim, obriga a existência do ser-aí à mais elevada retenção em relação ao que se oculta. GA65MAC: 5

Sobretudo no OUTRO INÍCIO é preciso que – em consequência da pergunta acerca da verdade do seer – seja logo levado a termo o salto para o interior do “entre”. O “entre” do ser-aí supera o chorismos; não na medida em que ele constrói uma ponte entre o seer (a entidade) e o ente como margens por assim dizer presentes, mas na medida em que ele transforma o seer e o ente ao mesmo tempo em sua coetaneidade. O salto no entre conquista pela primeira vez por meio do salto o ser-aí e não ocupa um suporte já pronto. GA65MAC: 5

A tonalidade afetiva fundamental do pensar no OUTRO INÍCIO oscila nas tonalidades afetivas, que à distância só se deixam nomear como o espanto – a retenção – o pressentimento – o pudor. A ligação interna entre elas só é experimentada em meio ao pensar integral das junções particulares, nas quais a fundação da verdade do seer e da essenciação da verdade precisa juntar. Para a unidade dessas tonalidades afetivas falta a palavra, e, contudo, seria necessário encontrar a palavra, a fim de evitar a fácil incompreensão em jogo em se supor que tudo estivesse colocado aqui em função de uma fraqueza covarde. É assim que o “heroísmo” barulhento deve julgar. GA65MAC: 5

A retenção, a tonalidade afetiva prévia da prontidão para a recusa como doação. Na retenção vigora, sem afastar nenhuma viagem de volta, o dirigir-se para o privar-se hesitante como a essenciação do seer. A retenção é o meio para o espanto e o pudor. Esses caracterizam apenas de maneira mais expressa aquilo que onginariamente lhe pertence. Ela determina o estilo do pensar inicial no OUTRO INÍCIO. GA65MAC: 5

No primeiro início: a ad-miração. No OUTRO INÍCIO: o pre-ssentimento. Tudo seria mal compreendido e estaria fadado ao fracasso, se quiséssemos preparar a tonalidade afetiva fundamental com o auxílio de uma decomposição e mesmo de uma “definição”, liberando-a de seu poder afinador. Só porque o que é coberto pela expressão “tonalidade afetiva” foi mantido afastado por meio da “psicologia”, só porque a busca pela “vivência” precisaria arrastar ainda hoje com maior razão para o âmbito do equívoco tudo aquilo que é dito sobre a tonalidade afetiva sem uma meditação sobre ela: é somente por isso é que precisa ser dito “sobre” a tonalidade afetiva sempre uma vez mais uma palavra indicadora. GA65MAC: 6

A questão é que a tonalidade afetiva fundamental afina o ser-aí e, com isto, o pensar como projeto da verdade do seer na palavra e no conceito. A tonalidade afetiva é a pulverização do estremecimento do seer como acontecimento apropriador no ser-aí. Pulverização: não como um mero desaparecimento e extinção, mas, ao contrário: como guarda da chama no sentido da clareira do aí de acordo com a plena abertura do fosso abismal do seer. A tonalidade afetiva fundamental do OUTRO INÍCIO quase não tem como ser jamais nomeada por meio de um nome; e isto se mantém até mesmo na transição para ele. A pluralidade de nomes, porém, não nega a simplicidade dessa tonalidade afetiva fundamental e só mostra em meio ao inconcebível todo o seu caráter simples. A tonalidade afetiva fundamental se chama para nós: o espanto, a retenção, o pudor, o pressentimento, o abrir-se para o pressentimento. GA65MAC: 6

Toda e qualquer denominação da tonalidade afetiva fundamental por meio de uma única palavra fixa-se sobre uma opiniáo equivocada. Toda e qualquer palavra é sempre retirada do que é legado pela tradição. O fato de a tonalidade afetiva fundamental do OUTRO INÍCIO precisar ser dotada de muitos nomes não contesta sua simplicidade, mas confirma sua riqueza e sua estranheza. Toda e qualquer meditação sobre essa tonalidade afetiva fundamental é constantemente apenas uma lenta equipagem com vistas ao insight afinador da tonalidade afetiva fundamental, que precisa permanecer fundamentalmente um a-caso. A equipagem com vistas a tal a-caso só consiste naturalmente, de acordo com a essência da tonalidade afetiva, na ação pensante transitória; e essa ação precisa crescer a partir do saber propriamente dito (do resguardo da verdade do seer). Mas se o seer se essencia como a recusa e se essa recusa mesma deve vigorar em sua clareira e ser conservada como recusa, então a prontidão para a recusa só pode subsistir como abdicação. A abdicação não é aqui, contudo, o mero não querer ter e o deixar de lado, mas ela acontece como a forma mais elevada da posse, cuja elevação encontra a decisão na franqueza do entusiasmo pela doação do insondável pelo pensar, isto é, pela doação da recusa. Nessa decisão, o aberto da transição é retido e fundado – o em-meio-a abissal do entre em relação ao não-mais do primeiro início e de sua história e ao ainda-não do preenchimento do OUTRO INÍCIO. Nessa decisão, toda guarda do ser-aí precisa fincar pé, na medida em que o homem como fundador do ser-aí precisa se tornar o guardião do silêncio do passar ao largo do último deus. Essa decisão, porém, enquanto pressentindo, é apenas a sobriedade da força de sofrimento do criador, aqui daquele que projeta a verdade do seer, que abre o silêncio para a violência essencial do ente, a partir da qual o seer (como acontecimento apropriador) torna-se apreensível. GA65MAC: 6

O acontecimento apropriador se sobrepõe apropriadoramente ao deus no homem, na medida em que ele se apropria do homem para o deus. Essa apropriação sobre-apropriada em meio ao acontecimento é o acontecimento apropriador, no qual a verdade do seer é fundada como ser-aí (o homem transformado, voltado para a decisão do ser-aí e ser-se-ausentando) e a história toma o seu OUTRO INÍCIO a partir do seer. A verdade do seer, porém, como abertura do encobrir-se é ao mesmo tempo voltada para a decisão quanto à distância e à proximidade dos deuses e, assim, a prontidão para o passar ao largo do último deus. GA65MAC: 7

Se o OUTRO INÍCIO ainda estiver se preparando, então isso se acha velado como uma grande mudança, e tanto mais velado, quanto maior for o acontecimento. O erro existe naturalmente, como se uma transformação essencial, que a tudo fundamentalmente captura, também fosse imediatamente sabida e concebida em geral por todos e transcorresse na esfera pública. Só poucos se encontram sempre na claridade desse raio. A maioria tem aquela “felicidade” de se encontrar em meio a algo presente à vista e, assim, empreender o que lhe é próprio na medida em que persegue a utilidade para um todo. GA65MAC: 8

No OUTRO INÍCIO pensa-se de antemão aquele totalmente outro, que foi denominado o âmbito da decisão, no qual se conquista ou se perde o seer histórico propriamente dito dos povos. Esse ser – a historicidade – não é nunca o mesmo em toda e qualquer era. Ele se encontra agora diante de uma mudança essencial, na medida em que ele tem como tarefa fundar aquele âmbito da decisão, aquele nexo do acontecimento apropriador, graças ao qual um ente histórico humano traz a si mesmo pela primeira vez para si mesmo. A fundação desse âmbito exige uma renúncia que é o contrário da tarefa de si. Ela só pode ser levada a termo a partir da coragem do a-bismo. Esse âmbito, se é que tal caracterização é em geral suficiente, é o ser-aí, aquele espaço intermediário, que, fundando pela primeira vez a si mesmo, confronta e defronta o homem e o deus um em relação ao outro, tornando-os próprios um ao outro. O que se abre na fundação do ser-aí é o acontecimento apropriador. Com isto, não se tem em vista um “em face de”, algo intuível e uma “ideia”, mas o acenar de lá pra cá e o manter-se na mobilidade para cá no aberto do aí, que é justamente o ponto de virada clareador e encobridor nesta viragem. Essa viragem só conquista sua verdade, na medida em que ela é contestada enquanto contenda entre mundo e terra e, assim, em que o verdadeiro é coberto no ente. Só a história, que se funda no ser-aí, tem a garantia de uma copertinência à verdade do ser. GA65MAC: 8

O seer se essencia como acontecimento apropriador. A essenciação tem o meio e a amplitude na viragem. A exportação resolutora de contenda e réplica. A essenciação é garantida e abrigada na verdade. A verdade acontece como o encobrimento clareador. A estrutura fundamental desse acontecimento é o tempo-espaço que emerge dele. O tempo-espaço é o que desponta para as mensurações da abertura do fosso abissal do seer. O tempo-espaço é, enquanto junção da verdade, originariamente o sítio instantâneo do acontecimento apropriador. O sítio instantâneo essencia-se a partir desse acontecimento como a contenda de terra e mundo. A contestação da contenda é o ser-aí. O ser-aí acontece nos modos do abrigo da verdade a partir da garantia do acontecimento apropriador clareado e velado. O abrigo da verdade deixa que o verdadeiro se abra e se dissimule como o ente. O ente se encontra pela primeira vez assim no seer. O ente é. O seer se essencia. O seer (como acontecimento apropriador) precisa do ente, para que ele, o seer, se essencie. O ente pode “ser” ainda no abandono do ser, sob cujo domínio a tangibilidade e a utilidade imediata, assim como a funcionalidade de todo e qualquer tipo (tudo precisa servir ao povo, por exemplo) constituem obviamente o que é sendo e o que não é. A autonomia aparente do ente em face do seer, como se este fosse apenas um suplemento do pensamento “abstrato” representacional, porém, não é nenhum primado, mas apenas o sinal do privilégio em relação à decadência que cega. Esse ente “real e efetivo” é concebido a partir da verdade do seer como o não-ente sob o domínio da inessência da aparência, cuja origem permanece aí encoberta. O ser-aí como a fundação da contestação da contenda em meio ao que é aberto por ela é cristalizado humanamente e sustentado na insistência que suporta o aí e que pertence ao acontecimento apropriador. O pensar do seer como acontecimento apropriador é o pensar inicial, que prepara como confrontação com o primeiro início o OUTRO INÍCIO. O primeiro início pensa o seer como presentidade a partir da presentação, que apresenta o primeiro reluzir de uma essenciação do seer. GA65MAC: 10

A questão é que, na medida em que e logo que a filosofia se reencontra em sua essência inicial (no OUTRO INÍCIO) e a questão acerca da verdade do seer se torna o meio fundante, desentranha-se o elemento abissal da filosofia, que precisa retornar ao inicial, para trazer ao espaço livre de sua meditação a abertura do fosso abismai e o para-além-de-si, o estranho e constantemente inabitual. GA65MAC: 14

A tonalidade afetiva do primeiro início é a ad-miração quanto ao fato de que o ente é, de que o homem mesmo sendo é, como sendo, naquilo que ele não é. A tonalidade afetiva fundamental do OUTRO INÍCIO é o es-panto. O espanto em meio ao abandono do ser e a retenção que se funda em tal espanto como algo criador. GA65MAC: 17

Na meditação e por meio dela acontece necessariamente o sempre-ainda-outro, que é importante propriamente preparar, mas que não encontraria os sítios do acontecimento apropriador, se não fosse uma clareira para o velado. A filosofia como automeditação da maneira indicada só é executável como pensar inicial do OUTRO INÍCIO. Essa automeditação deixou todo “subjetivismo” para trás, mesmo aquele que se esconde da maneira mais perigosa possível no culto à “personalidade”. Onde esse culto é estabelecido e, de maneira correspondente, onde é estabelecido na arte o “gênio”, tudo se movimenta, apesar dos asseguramentos em contrário, na via do pensamento do “eu” e da consciência moderna. Quer se compreenda a pessoalidade como a unidade “espírito-alma-corpo”, quer se inverta essa mistureba e só se estabeleça em primeiro lugar à guisa de afirmação o corpo, tudo isto não altera nada na confusão aqui dominante do pensar, que se desvia de toda e qualquer pergunta. O “espírito” é considerado sempre neste caso como “razão”, como a faculdade do poder-dizer-eu. Aqui, até mesmo Kant   já se encontrava para além desse liberalismo biológico. Kant viu: a pessoa é mais do que o “eu”; ela está fundada na autolegislação. Naturalmente, isto também permaneceu platonismo. E as pessoas querem fundamentar, por exemplo, o dizer-eu biologicamente? Se não, então essa inversão é de qualquer modo apenas uma brincadeira, o que ela também continua sendo mesmo sem isto, porque aqui permanece inquestionadamente pressuposta a metafísica velada de “corpo” e “sensibilidade”, “alma” e “espírito”. GA65MAC: 19

O início é a captura antecipativa que funda a si mesma; fundando-se no fundamento por ele sondado de maneira fundacional; capturando antecipativamente como fundando e, por isto, como inultrapassável. Porque todo e qualquer inicio é inultrapassável, ele precisa ser incessantemente retomado, ele precisa ser estabelecido em meio à confrontação na unicidade de sua inicialidade e, com isto, de sua antecipação incontornável. Essa confrontação, então, é originária, caso ela mesma seja inicial; e isto, contudo, necessariamente como OUTRO INÍCIO. GA65MAC: 20

Por que o pensar a partir do início? Por que uma retomada mais originária do primeiro início? Por que a meditação sobre a sua história? Por que a confrontação com o seu fim? Porque o OUTRO INÍCIO (a partir da verdade do ser) se tornou necessário? Por que, afinal, em geral início?. GA65MAC: 23

O pensar inicial como confrontação entre o primeiro início que precisa ser antes de tudo reconquistado e o OUTRO INÍCIO a ser desdobrado é por essa razão necessário; nessa necessidade, além disso, impõe-se a meditação mais ampla e mais aguda, impedindo toda fuga diante de decisões e saídas. GA65MAC: 23

O pensar inicial é: 1) Deixar viger o seer a partir do dizer silenciador da palavra conceptiva no ente. (Construir nessa montanha). 2) A prontidão dessa construção por meio da preparação do OUTRO INÍCIO. 3) Alçar o OUTRO INÍCIO como confrontação com o primeiro em sua repetição mais originária. 4) Em si sigético, na mais expressa meditação precisamente silenciador. GA65MAC: 23

O OUTRO INÍCIO precisa ser provocado completamente a partir do seer como acontecimento apropriador e a partir da essenciação de sua verdade e de sua história. O pensar inicial desloca seu questionamento acerca da verdade do seer para um ponto muito lá atrás no primeiro início como a origem da filosofia. Com isto, ele cria para si a garantia para chegar em seu OUTRO INÍCIO vindo de muito longe e para encontrar na herança dominada a sua mais elevada constância futura e, com isto, para retornar a si mesmo em uma necessidade modificada (em face do primeiro início). GA65MAC: 23

No âmbito do OUTRO INÍCIO não há nem “ontologia”, nem em geral “metafísica”. Nenhuma “ontologia”, porque a questão diretriz não é mais normatizante e constituidora de regiões. Nenhuma “metafísica”, porque não se partiu em geral do ente enquanto presente à vista ou de um objeto sabido (idealismo) e se avançou primeiramente em direção a um outro. As duas são ainda nomes transitórios, para introduzir em geral um entendimento. GA65MAC: 23

O pensar inicial no OUTRO INÍCIO tem um rigor de um tipo diverso: a liberdade da junção de suas juntas livres. Aqui se junta o um com o outro a partir do caráter dominante do pertencimento questionador à conclamação. GA65MAC: 28

Em contrapartida, se perguntarmos sobre o seer, então o ponto de partida não se dará aqui a partir do ente, isto é, a partir a cada vez desse ou daquele ente, também não a partir do ente enquanto tal na totalidade, mas realizará o salto para o interior da verdade (clareira e encobrimento) do seer mesmo. Aqui se experimenta e se inquire ao mesmo tempo esse elemento que de antemão se essencia (e que reside abscondito mesmo na questão diretriz), a abertura para a essenciação enquanto tal, isto é, a verdade. Aqui se questiona concomitantemente a questão prévia acerca da verdade. E, na medida em que o seer é experimentado como o fundamento do ente, a questão assim formulada acerca da essenciação do seer é a questão fundamental. Da questão diretriz para a questão fundamental nunca há um caminho contínuo imediato, dotado de um mesmo sentido, que aplique uma vez mais ainda a questão diretriz (ao seer), mas apenas um salto, isto é, a necessidade de um OUTRO INÍCIO. Com certeza, em contrapartida, por meio da superação desdobradora da formulação da questão diretriz e de suas respostas enquanto tais, precisa ser criada uma transição, que prepara o OUTRO INÍCIO e o torna em geral visível e intuível. É a essa preparação da transição que serve Ser e tempo  , isto é, a obra já se encontra propriamente na questão fundamental, sem desdobrar essa questão de maneira pura a partir de si inicialmente. GA65MAC: 34

A meditação sobre o caminho: 1) O que é um pensar inicial. 2) Como é que o OUTRO INÍCIO se realiza como silenciamento. O “acontecimento apropriador” seria o título correto para a “obra”, que aqui não pode ser senão preparada; e, por isto, é preciso colocar como título, ao invés disso: Contribuições à filosofia. A “obra”: a construção que se desenvolve no voltar-se para o fundamento preponderante. GA65MAC: 35

O silenciamento é a legalidade sensata do silenciar (sigan). O silenciamento é a “lógica” da filosofia, na medida em que ela questiona a partir do OUTRO INÍCIO a questão fundamental. Ela busca a verdade da essenciação do seer e essa verdade é o velamento que ressoa e nos fornece um aceno (o mistério) para o acontecimento apropriador (a renúncia hesitante). GA65MAC: 37

Se a “decisão” contra o “sistema” se apruma, então temos aqui a transição da Modernidade para o OUTRO INÍCIO. Na medida em que o “sistema” contém a caracterização essencial da entidade moderna do ente (a representidade) e em que a decisão, porém, visa ao ser pelo ente, não apenas à entidade a partir do ente, então de certa maneira a de-cisão é “mais sistemática” do que todo e qualquer sistema, isto é, uma determinação originária do ente enquanto tal a partir da essência do seer. Neste caso, não é apenas a “construção de sistemas”, mas também o pensar “sistemático” que se encontra ainda facilmente fundado sobre uma interpretação assegurada do ente em face da tarefa do questionamento acerca da verdade do seer, do pensar da de-cisão. De início, porém, pensamos a “decisão” como uma ocorrência no interior de um ou-ou. E é aconselhável preparar a interpretação da decisão nos termos da história do ser por meio de uma referência a “decisões”, que emergem daquela de-cisão como necessidades históricas. GA65MAC: 43

[As decisões] Sobre se o homem quer permanecer “sujeito” ou se ele funda o ser-aí – Sobre se com o sujeito o “animal” enquanto a “substância” e o “racional” enquanto a “cultura” devem permanecer duradouramente ou se a verdade do seer (ver abaixo) encontra no ser-aí um sítio deveniente – Sobre se o ente toma o ser como o seu “elemento maximamente genérico” e, com isso, o entrega à e soterra na ontologia ou se o seer em sua unicidade ganha voz e atravessa de maneira afinadora o ente enquanto algo singular. Sobre se a verdade como correção se degenera na certeza da re-presentação e na segurança do cálculo e da vivência ou se a essência inicialmente infundada da aletheia   encontra um fundamento como a clareira do encobrir-se – Sobre se o ente enquanto o que há de mais óbvio solidifica tudo o que é médio, pequeno e mediano em meio à sua transformação em algo racional ou se o que há de mais questionável constitui a solidez integral do seer – Sobre se a arte é uma instituição vivencial ou se ela é o pôr em obra da verdade. Sobre se a história é degradada e transformada em arsenal das confirmações e das antecipações ou se ela desponta como a cordilheira das montanhas estranhas e inescaláveis – Sobre se a natureza é rebaixada a uma região de espoliação pelo cálculo e pelo erigir e se transforma, assim, em ocasião de “vivência” ou se ela suporta como a terra que se cerra o aberto do mundo sem imagem. Sobre se a desdeização do ente na cristianização da cultura festeja seus triunfos ou se a indigência da indecidibilidade sobre a proximidade e a distância dos deuses prepara um espaço de decisão – Sobre se o homem ousa   o seer e, com isso, o ocaso ou se ele se satisfaz com o ente – Sobre se o homem em geral ainda ousa a decisão ou se ele se entrega a ausência de toda decisão, que sugere a época como estado da “mais elevada” “atividade”. Todas essas decisões, que são ao que parece muitas e diversas, se reúnem em uma e única: saber se o seer se retrai definitivamente ou se essa retração se torna enquanto recusa a primeira verdade e o OUTRO INÍCIO da história. GA65MAC: 44

O que significa aqui decisão? Ela determina sua essência a partir da essência da transição da Modernidade para o seu outro. Ela determina por meio daí a sua essência ou a transição é apenas o aceno para o interior de sua essência? As “decisões” surgem porque um OUTRO INÍCIO precisa ser? E esse OUTRO INÍCIO precisa ser, porque a essência do próprio seer é de-cisão e doa pela primeira vez nesse desdobramento essencial a sua verdade na história do homem? É necessário aqui talvez dizer até mesmo de maneira pormenorizada aquilo que não se tem em vista com a expressão acerca da verdade do seer. GA65MAC: 44

A ressonância do seer como recusa no abandono do ser do ente – isso já diz que aqui não deve ser descrito, explicado ou colocado em ordem algo presente à vista. O peso do pensamento é diverso no OUTRO INÍCIO da filosofia: o re-pensar daquilo que acontece apropriadoramente como o próprio acontecimento apropriador, trazendo o seer para a verdade de sua essenciação. Como, porém, no OUTRO INÍCIO, o seer se torna acontecimento apropriador, a ressonância do seer também precisa ser história, atravessar a história em um abalo essencial e poder dizer e saber ao mesmo tempo o instante dessa história. (Não são uma caracterização e uma descrição histórico-filosófica que se tem em vista aqui, mas um saber sobre a história a partir do instante e como o instante da primeira ressonância da verdade do próprio seer). E, de qualquer modo, o discurso soa como se só vigorasse a denominação do atual. O que é dito seria sobre a era da completa inquestionabilidade, que estende seu espaço de tempo subtemporalmente para além do atual de volta e muito para a frente. Nessa era, nada essencial – caso essa determinação em geral ainda tenha um sentido – é mais impossível ou inacessível. Tudo “é feito” e “se deixa fazer”, contanto que se tenha a “vontade” para tanto. O fato, porém, de ser precisamente essa “vontade”, que já estabeleceu e degradou de antemão aquilo que pode ser possível e, antes de tudo, necessário, já é de antemão desconhecido e deixado fora de toda e qualquer questão. Pois essa vontade, que faz tudo, se prescreveu de antemão a maquinação, aquela interpretação do ente como o re-presentável e re-presentado. Re-presentável significa por um lado: acessível no visar e no calcular; e significa, então: passível de ser trazido à tona na pro-dução e na execução. Tudo isso, porém, pensado a partir do fundamento: o ente enquanto tal é o re-presentado, e apenas o representado é ente. O que estabelece aparentemente uma resistência e um limite para a maquinação é, para ela, apenas a matéria prima para o trabalho ulterior e o impulso para o progresso, a ocasião para a extensão e a ampliação. No interior da maquinação, não há nada digno de questão, algo tal que pudesse ser honrado enquanto tal e honrado sozinho, e, com isso, iluminado e elevado ao nível da verdade. GA65MAC: 51

Abandono do ser: o fato de o seer abandonar o ente, entregando-o a si mesmo e deixando-o se transformar no objeto da maquinação. Tudo isso não é simplesmente “decadência”, mas é a primeira história do próprio seer, a história do primeiro início e do que é dele derivado e do que fica assim necessariamente para trás. Mas mesmo esse ficar para trás não é nenhum mero “negativo”. Ao contrário, ele traz à tona em seu fim pela primeira vez o abandono do ser, contanto que seja formulada a partir do OUTRO INÍCIO a pergunta acerca da verdade do seer e, assim, se inicie o ir ao encontro do primeiro início. Nesse caso se mostra: que o ser abandona o ente; ou seja: o seer se encobre na manifestabilidade do ente. E o seer é ele mesmo essencialmente determinado enquanto esse encobrimento que se retrai. GA65MAC: 52

A mais aguda demonstração para essa essência velada do seer (para o encobrir-se na abertura do ente) não é apenas a degradação do seer e a sua transformação no que há de mais comum e mais vazio. A demonstração é conduzida através de toda a história da metafísica, para a qual justamente a entidade precisa se tornar o que há de mais conhecido e até mesmo o que há de mais certo no saber absoluto, se transformando, por fim, em Nietzsche  , em uma aparência necessária. Será que compreendemos essa grande doutrina do primeiro início e de sua história: a essência do seer como a recusa e como a mais elevada recusa na maior publicidade das maquinações e da “vivência”? Será que teremos futuramente o ouvido para o som da ressonância, que precisa ser levada a soar na preparação do OUTRO INÍCIO? GA65MAC: 52

A ressonância da verdade do seer e de sua essenciação mesma a partir da indigência do esquecimento do ser. O alçar essa indigência a partir de sua profundidade enquanto ausência de indigência. O esquecimento do ser não sabe nada sobre ela, ele pensa estar junto ao “ente”, junto ao “efetivamente real”, próximo da “vida” e seguro do “vivenciar”. Pois ele conhece apenas o ente. Todavia, desse modo, em tal presentação do ente, esse ente é abandonado pelo seer. O abandono do ser, porém, é o fundamento do esquecimento do ser. No entanto, o abandono do ser do ente traz para o ente a aparência de que esse ente mesmo seria, então, sem qualquer necessidade de um outro, apto para ser pego e utilizado. O abandono do seer, contudo, é o ser exposto e a proibição do acontecimento apropriador. É a partir do abandono do ser que a ressonância precisa soar e ter início com o desdobramento do esquecimento do ser, no qual o OUTRO INÍCIO ressoa e, assim, o seer. GA65MAC: 55

A copertinência das duas só é concebida a partir do retorno à sua mais ampla dissincronia e a partir da dissolução da aparência de sua mais extrema oposicionalidade. Se a meditação pensante (como questão acerca da verdade do seer e apenas como essa questão) alcança o saber acerca dessa copertinência, então o traço fundamental da história do primeiro início (a história da metafísica ocidental) já é concebido a partir do saber do OUTRO INÍCIO. Maquinação e vivência apontam formalmente para a concepção mais originária da fórmula para a questão diretriz do pensamento metafísico: entidade (ser) e pensamento (como con-ceber re-presentativo). GA65MAC: 61

O fato de ainda se transformar hoje e até mesmo uma vez mais a “antropologia” no ponto central da escolástica da visão de mundo mostra de maneira mais penetrante do que qualquer comprovação histórica as dependências para as quais as pessoas estão se preparando ainda uma vez, na medida em que elas se recolocam sobre o solo de Descartes  . Que visual a antropologia porta nesse caso, se um visual iluminista e moral  , se um psicológico e científico-natural, se um personalista e ligado às ciências humanas, se um visual cristão ou um politicamente marcado pelo elemento populista, é completamente indiferente: a questão justamente é saber se a Modernidade é aí concebida como um fim e um OUTRO INÍCIO ou se as pessoas se cristalizaram na eternização de uma decadência que perdura desde Platão  , o que só se pode de qualquer modo empreender, caso elas se convençam de sua ignorância enquanto superação da tradição. GA65MAC: 69

O niilismo no sentido de Nietzsche significa: que todas as metas desapareceram. Nietzsche tem em vista aqui as metas que crescem em si e que transformam o homem (para onde?). O pensar em “metas” (o há muito tempo mal interpretado telos   dos gregos) pressupõe a idea   e o “idealismo”. Por isto, apesar de sua essencialidade, essa interpretação “idealista” e moral do niilismo permanece provisória. Se tivermos em vista o OUTRO INÍCIO, o niilismo precisa ser concebido de maneira mais fundamental como a consequência essencial do abandono do ser. Como é, porém, que esse abandono do seer pode chegar a ganhar o espaço do conhecimento e a se decidir, se já aquilo que Nietzsche experimentou e pensou integralmente pela primeira vez como niilismo permaneceu até agora inconcebido e, antes de tudo, não nos coagiu à meditação? Tomou-se conhecimento da “teoria” nietzschiana sobre o “niilismo” como uma psicologia da cultura interessante, mas antes disso as pessoas fizeram o sinal da cruz diante de sua verdade, isto é, elas mantiveram aberta ou tacitamente essa verdade afastada do corpo como algo diabólico. Pois é assim que se encontra formulada a reflexão elucidativa: aonde é que chegaríamos se isso fosse verdadeiro e viesse a se tornar verdadeiro? E não se pressente que justamente essa reflexão ou a atitude que a sustenta e o comportamento em relação ao ente é que constituem o niilismo propriamente dito: não se quer admitir a ausência de metas. E, por isso, se tem uma vez mais “metas”, ainda que essas metas não apontem senão para o fato de que o que pode ser em todo caso um meio para o estabelecimento de metas e para a sua persecução é alçado à categoria de uma meta: o povo, por exemplo. E, por isso, justamente lá onde se acredita ter uma vez mais metas, lá onde se é uma vez mais “feliz”, lá onde se passa a tornar uniformemente acessível a todo o “povo” os “bens culturais” até aqui vedados à “maioria” (cinemas e viagens para banhos de mar), precisamente aí, nessa embriaguês “vivencial” barulhenta, é que está o maior de todos os niilismos, o fechar os olhos organizado ante a ausência de metas do homem, o desviar “sempre pronto a entrar em ação” diante de toda decisão que estabeleça uma meta, o medo diante de toda e qualquer região de decisão e de sua abertura. O medo diante do seer nunca foi tão grande quanto hoje. Prova: a instituição gigantesca para que o grito ofusque esse temor. A característica essencial do “niilismo” não depende de se igrejas e monastérios são destruídos e se homens são mortos aí ou se isso é reprimido e o “cristianismo” pode seguir o seu caminho, mas o decisivo é: se se sabe e se quer saber que precisamente essa tolerância do Cristianismo e o Cristianismo mesmo, que o discurso geral sobre a “providência” e o “senhor Deus”, por mais sincero que ele possa vir a ser para o particular, são apenas desvios e impasses no âmbito que não se quer reconhecer como o âmbito de decisão sobre o seer e o não seer e se deixar assim fazer valer. O niilismo de todos o mais fatídico consiste no fato de que podemos nos fazer passar por protetores do Cristianismo e até mesmo requisitar para nós com base em realizações sociais o caráter cristão de todos o mais cristão. Esse niilismo tem toda a sua periculosidade no fato de que ele se esconde completamente e se destaca agudamente e com razão daquilo que se poderia chamar o niilismo tosco (o bolchevismo). A questão é que a essência do niilismo é justamente tão abissal (porque ele desce e alcança a verdade do seer e a decisão sobre ela), que precisamente essas formas de todas as mais opostas podem e precisam lhe pertencer. E, por isso, pode parecer que, computado no todo e de maneira minuciosa, o niilismo seria insuperável. Se as duas formas opostas mais extremas do niilismo se combatem, em verdade, de maneira necessária do modo mais intenso possível, então essa luta conduz de um modo ou de outro para a vitória do niilismo, isto é, para uma solidificação renovada; e isso supostamente sob a figura, segundo a qual as pessoas proíbem a si mesmas de algum dia ainda achar que o niilismo ainda estaria em obra. GA65MAC: 72

Nisso reside ao mesmo tempo: a meditação assim configurada sobre a ciência ainda é a única meditação filosoficamente possível, contanto que a filosofia já se movimente na transição para o OUTRO INÍCIO. Todo e qualquer tipo de fundamentação científico-teórica (transcendental  ) se tornou tão impossível quanto uma “dotação de sentido”, que atribui à ciência presente à vista e, com isso, não alterável em sua consistência essencial, tanto quanto ao seu funcionamento, o estabelecimento de uma meta populista e política ou de alguma outra meta antropológica. Essas “fundamentações” se tornaram impossíveis, porque elas pressupõem necessariamente “a ciência” e, então, só são dotadas com um “fundamento” (que não é fundamento algum) e um sentido (para o qual falta a meditação). Por meio daí, “a ciência” e, com isso, a solidificação do abandono do ser empreendida por ela se tornaram, com maior razão, definitivas. Assim, toda e qualquer questão acerca da verdade do seer (toda filosofia) é alijada do âmbito do agir como desnecessária e como realizada sem necessidade. Mas precisamente esse alijamento da possibilidade (da possibilidade interna) de toda e qualquer meditação sobre o pensar enquanto pensar do seer, porque ele não possui a menor ideia do que ele mesmo faz, é impelido a mexer com maior razão com as formas de pensamento, os meios de pensamento e as regiões de pensamento da metafísica até aqui pegos sem escolha com vistas à produção de uma bebida “ligada à visão de mundo”, e a aprimorar a filosofia passada e a se comportar em tudo isso “de maneira revolvida”; revolvimento esse que (equivalendo a uma instituição de todos os lugares comuns possíveis) merece ser chamado simplesmente de “revolucionário” em comparação com a ausência de veneração insuperável em relação aos grandes pensadores. Veneração é naturalmente algo diferente de elogio e de deixar viger por “seu” tempo, caso alguém quisesse se reportar a algo desse gênero. GA65MAC: 73

Um deles concebe a ciência não como a instituição agora presente, mas como uma possibilidade determinada do desdobramento e da construção de um saber, cuja essência mesma só se vê enraizada em uma fundamentação mais originária da verdade do seer. Essa fundamentação realiza-se como primeira confrontação com o início do pensamento ocidental e vem a ser, ao mesmo tempo, o OUTRO INÍCIO da história ocidental. A meditação assim dirigida sobre a ciência retorna de maneira igualmente decidida para o sido, assim como ela antecipa de maneira ousada um porvir. Ela não se movimenta em parte alguma na discussão de algo presente e de sua fabricação imediata. Calculada a partir do presente, essa meditação sobre a ciência se perde no efetivamente irreal, o que de imediato significa também para todo o cálculo o impossível. GA65MAC: 75

24) A questão é que o grande deslocamento abismado só surge do saber essencial, que se encontra no OUTRO INÍCIO, nunca a partir da impotência e da mera perplexidade. O saber, porém, é a insistência na questionabilidade do seer, que guarda, assim, a sua dignidade única no fato de que ele só se doa de maneira bastante rara na recusa como o acontecimento apropriador velado do passar ao largo da decisão sobre a chegada e a fuga dos deuses no ente. Que homem por vir funda esse instante do passar ao largo para o início de uma outra “era”, quer dizer: uma outra história do seer? A dissolução e a junção das faculdades científicas de sustentação. As ciências dos espírito historiológicas transformam-se em ciências da imprensa. As ciências naturais transformam-se em ciência de máquinas. “Jornal” e “máquina” são visados no sentido essencial como modos em constante avanço da objetivação definitiva (que impele, no que concerne aos tempos modernos, para a consumação), que suga para si toda a materialidade do ente, só deixando esse ente mesmo se mostrar como o que dá ensejo à vivência. Por meio desse primado do procedimento na instituição e na preparação, os dois grupos de ciência se encontram em acordo com vistas ao essencial, isto é, o seu caráter de funcionamento. Esse “desenvolvimento” da ciência moderna em sua essência só é visível hoje para poucos e será recusado pela maioria como não estando presente. Ele também não se deixa comprovar por fatos, mas só tem como ser concebido a partir de um saber sobre a história do ser. Muitos “pesquisadores” ainda imaginarão a si mesmos como pertencendo às tradições comprovadas do século 19. Um número igualmente grande de outros pesquisadores, em ligação com seus objetos, ainda encontrarão novos enriquecimentos e novas satisfações em termos de conteúdos e talvez os façam valer ainda em termos doutrinários, mas tudo isso não demonstra nada contra o primado, no qual a instituição conjunta chamada “ciência” está inserida de maneira irrevogável. A ciência não apenas jamais terá condições de se libertar daí, mas ela nunca irá querer antes de tudo também a libertação, e, quanto mais ela progride, menos pode querer. Antes de tudo, porém, esse primado também não é, por exemplo, um fenômeno da universidade atual alemã, mas ele diz respeito a tudo aquilo que, em um lugar e em um momento quaisquer, futuramente, irá querer ainda ter concomitantemente voz. Se formas de instituição até aqui e anteriores ainda se mantiverem aí por um longo tempo, então elas ainda se tornarão algum dia apenas de maneira mais decidida aquilo que ocorreu por detrás de sua proteção aparente. GA65MAC: 76

A confrontação da necessidade do OUTRO INÍCIO a partir do posicionamento originário do primeiro início. GA65MAC: 81

A conexão de jogo da história do pensar do primeiro início não é, porém, nenhuma adução e nenhuma doação prévia historiológicas para um “novo” sistema, mas ela é em si a preparação essencial do OUTRO INÍCIO, preparação essa que impele à transformação. Por isso, talvez precisemos dirigir de maneira ainda mais inaparente e ainda mais decidida a meditação histórica sobre os pensadores da história do primeiro início e plantar por meio do diálogo questionador com a sua postura questionadora um questionamento, que se encontrava outrora expressamente enraizado em um OUTRO INÍCIO. Todavia, uma vez que essa meditação histórica, enquanto conexão de jogo dos inícios em si fundantes, que pertence de maneira a cada vez diversa ao abismo, emerge transitoriamente do OUTRO INÍCIO, mas, para conceber esse OUTRO INÍCIO, já se exige o salto, a meditação se encontra submetida por demais à incompreensão, que só se depara com considerações historiológicas sobre obras pensantes, cuja escolha se deixa guiar por uma predileção qualquer. Sobretudo a forma exterior dessas meditações históricas (preleções “filosófico-historiológicas”) não se distingue em nada daquilo que só representa ainda uma erudição ulterior a uma história concluída da filosofia. GA65MAC: 82

A apropriação originária do primeiro início (isto é, de sua história) significa o tomar pé no OUTRO INÍCIO. Esse tomar pé realiza-se na transição da questão diretriz (o que é o ente?, questão acerca da entidade, do ser) para a questão fundamental: o que é a verdade do seer? (ser e seer são o mesmo e, contudo, fundamentalmente diversos). Essa transição é historicamente concebida como a superação e, em verdade, como a primeira e pela primeira vez possível superação de toda “metafísica”. A “metafísica” se torna agora pela primeira vez cognoscível em sua essência, e, no pensar transitório, todo o discurso acerca da “metafísica” se torna ambíguo. A questão “o que é metafísica?”, formulada no âmbito da transição para o OUTRO INÍCIO, questiona a essência da “metafísica” já no sentido de uma primeira conquista da posição do campo prévio para a transição em direção ao cerne do OUTRO INÍCIO. Em outras palavras, ela questiona já a partir desse OUTRO INÍCIO. O que ela torna visível como determinação da “metafísica” já não é mais a metafísica, mas a sua superação. O que essa questão procura alcançar não é o esclarecimento, isto é, a manutenção fixa da representação até aqui para tanto necessária da “metafísica”, mas o impulso para a transição e, com isso, para o saber de que todo tipo de metafísica chegou ao fim e precisa ter chegado ao fim, se a filosofia deve conquistar o seu OUTRO INÍCIO. GA65MAC: 85

A metafísica enquanto o saber do “ser” do ente precisou chegar ao fim (ver Nietzsche), porque ela ainda não tinha jamais ousado perguntar sobre a verdade do próprio seer e, por isso, também tinha precisado permanecer em sua própria história em uma confusão e incerteza quanto ao seu fio condutor (do pensar). Justamente por isso, porém, o pensamento transitório não precisa cair na tentação de deixar aquilo que ele concebeu como fim e no fim simplesmente para trás, ao invés de trazer consigo esse atrás de si, ou seja, ao invés de concebê-lo agora pela primeira vez em sua essência e deixá-lo, transformado, se imiscuir no jogo da verdade do seer. O discurso acerca do fim da metafísica não pode nos induzir erroneamente a achar que a filosofia não teria mais nada a fazer com a “metafísica”. Ao contrário: a metafísica em sua impossibilidade essencial precisa entrar agora pela primeira vez em uma conexão de jogo com a filosofia e a filosofia mesma precisa ser assim jogada para além de si, em direção ao seu OUTRO INÍCIO. GA65MAC: 85

Caso deixemos de pensar essa tarefa do OUTRO INÍCIO (a questão acerca do “sentido” do seer na fórmula de Ser e tempo), então também fica claro que todas as tentativas, que reagem à metafísica, a qual é por toda parte idealista – mesmo como positivista são justamente re-ativas e, com isso, fundamentalmente dependentes da metafísica e, assim, elas mesmas são uma metafísica. Todos os biologismos e naturalismos, que expõem a “natureza” e o não racional como o elemento de sustentação, do qual tudo advém, como a vida total, na qual tudo borbulha, como o noturno em contraposição à luz etc., permanecem inteiramente no solo da metafísica e precisam dela, ainda que apenas para entrar em atrito com ela, a fim de que ainda estale e venha à tona uma faísca do que é passível de ser sabido e dito e do que é para esses “pensadores” passível de ser escrito. GA65MAC: 85

Esses são alguns caminhos, em si independentes e, entretanto, copertinentes, para jogar no saber sempre apenas uma única coisa: o fato de que a essenciação do seer carece da fundação da verdade do seer e de que essa fundação precisa se realizar como ser-aí, algo por meio do que todo idealismo e, com isso, a metafísica até aqui e a metafísica em geral são superadas como um desdobramento necessário do primeiro início, que ganha assim pela primeira vez de maneira nova a obscuridade, a fim de só ser concebido a partir do OUTRO INÍCIO enquanto tal. GA65MAC: 88

A transição para o OUTRO INÍCIO realiza uma cesura, que há muito não se dá mais entre direções da filosofia (idealismo – realismo etc.) ou mesmo entre posturas da “visão de mundo”. A transição cinde a emergência do seer e a fundação de sua verdade na existência de toda ocorrência e apreensão do ente. GA65MAC: 89

A transição para o OUTRO INÍCIO está decidida e, contudo, não sabemos para onde estamos indo, quando a verdade do seer se tornará o verdadeiro e a partir de onde a história enquanto história do seer tomará a sua via mais íngreme e mais curta. Como transitórios dessa transição, nós precisamos atravessar uma meditação essencial na própria filosofia, para que ela conquiste o início, a partir do qual ela, sem necessidade de nenhum apoio, poderá ser uma vez mais completamente ela mesma. GA65MAC: 89

Ora, mas o “não” (e o sim) não precisaria ter a sua figura essencial no ser-aí usado pelo seer? O não é o grande salto livre, no qual o aí é arrancado em meio a um salto no ser-aí. O salto livre, que “afirma” até mesmo aquilo de que ele salta, mas que também não tem nada nulo por si mesmo como salto. O salto livre mesmo assume pela primeira vez o ressaltar do salto, e, assim, o não ultrapassa aqui o sim. Esse não, porém, visto externamente, é a de-posição do OUTRO INÍCIO em relação ao primeiro, nunca “negação” no sentido usual da recusa e quiçá da degradação. Ao contrário, essa negação originária é do tipo daquela recusa, que renuncia para si a um continuar acompanhando a partir do saber e do reconhecimento da unicidade daquilo que, em seu fim, exige o OUTRO INÍCIO. GA65MAC: 90

Tal negação, naturalmente, não se satisfaz com o salto livre, que só deixa atrás de si, mas ela desdobra a si mesma, na medida em que ela libera o primeiro início e sua história inicial e na medida em que a liberação retrojeta para a posse do início, lá onde, retroagido, tudo também agora e futuramente ainda pre-pondera, o que aconteceu outrora em sua sequência e que se tomou o objeto do computo historiológico. Essa edificação do que prepondera no primeiro início é o sentido da “destruição” na transição para o OUTRO INÍCIO. GA65MAC: 90

O OUTRO INÍCIO experimenta a verdade do seer e pergunta sobre o seer da verdade, a fim de, assim, fundar pela primeira vez a essenciação do seer e deixar o ente eclodir como o verdadeiro daquela verdade originária. GA65MAC: 91

O OUTRO INÍCIO é o salto que transforma o seer em meio à sua verdade mais originária. O pensar ocidental na questão diretriz estabelece, de acordo com o seu início, o primado do ente ante o ser; o “a priori  ” é apenas o velamento do caráter ulterior do seer, velamento que precisa vigorar, na medida em que, no acesso imediatamente primeiro, acolhedor e reunidor ao ente, é aberto o seer. Assim, não pode causar espanto, mas precisa ser concebido expressamente como consequência o modo como, então, o ente mesmo se torna normativo para a entidade em uma determinada interpretação. Apesar de, sim, com base no primado da physis   e do physei ón  , porém, precisamente o thesei ón e o poioumenon se tornam aquilo que fornece agora para a interpretação apreendedora o elemento compreensível, determinando a compreensibilidade da própria entidade (como hyle  morphe  ). Por isto, encontra-se no pano de fundo e logo se impondo em Platão de maneira particular no primeiro plano a techne   como caráter fundamental do conhecimento, isto é, da ligação fundamental com o ente enquanto tal. Tudo isso não aponta para o fato de que, porém, mesmo a physis precisa ser interpretada a partir da correspondência com o poioumenon da poiesis  , de que a physis não é suficientemente capaz de exigir a sua verdade para além da parousia e aletheia mesmas, levando-a ao seu desdobramento? Isso, porém, é aquilo que o OUTRO INÍCIO quer realizar e precisa realizar: o salto para o interior da verdade do seer, de tal forma que esse seer mesmo funda o ser do homem e, em verdade, nem mesmo imediatamente, mas o ser do homem só como uma consequência do e como o estar-referido ao ser-aí. GA65MAC: 91

O primeiro início não é controlado, a verdade do seer, apesar de sua reluzência essencial, não é expressamente fundada, e isso significa: uma antecipação humana (do enunciado, da techne, da certeza) torna-se normativa para a interpretação da entidade do seer. Agora, porém, faz-se necessária a grande inversão, que está além de toda “transvaloração de todos os valores”, daquela inversão, na qual o ente não é fundado a partir do homem, mas o ser do homem a partir do seer. Isso, porém, carece de uma força superior do criar e questionar, e ao mesmo tempo da prontidão mais profunda para o sofrimento e para a resolução na totalidade de uma mudança completa das relações com o ente e com o seer. Agora, a ligação com o seer não pode mais permanecer em uma repetição que emerge de uma ligação com o ente (dianoein – noein  kategorein  ). Como, porém, aquela antecipação inicial lança o homem para fora e para dentro do ente a partir do comportamento da apreensão (noûs – ratio), de tal modo que graças a ela um ente supremo é pensado como arche  aitia   – causa – como algo incondicionado, as coisas se mostram como se não se tratasse de uma degradação do ser em meio à essência do homem. Aquela antecipação característica do primeiro início do pensar como fio condutor da interpretação do ente pode necessariamente ser concebida a partir do OUTRO INÍCIO como uma espécie de não dominação do ser-aí ainda não experimentável. GA65MAC: 91

No OUTRO INÍCIO, a verdade é reconhecida e fundada como verdade do seer e o seer mesmo enquanto seer da verdade, isto é, enquanto o acontecimento apropriador que retorna a si, ao qual pertence o fato de a abertura do fosso abissal ser alijada e, com isso, o a-bismo. GA65MAC: 91

O salto para o interior do OUTRO INÍCIO é o retomo ao primeiro início e vice-versa. Retorno ao primeiro início (a “re-tomada”), porém, não é nenhuma transposição para algo passado, como se esse passado pudesse se tornar uma vez mais “real e efetivo” no sentido habitual. O retorno ao primeiro início é antes e precisamente um distanciamento dele, a vinculação daquela posição distante, que é necessária, a fim de experimentar aquilo que se iniciou naquele início e como aquele início. Pois sem essa posição distante e somente a posição no OUTRO INÍCIO é uma posição suficiente nós permanecemos sempre próximos demais do início, e isso de uma maneira fatídica, na medida em que nós, por meio daquilo que se seguiu a ele, permanecemos ainda sempre refletidos e encobertos, razão pela qual nossa visão permanece presa obrigatoriamente ao e inculcada no campo de visão da questão tradicional: o que é o ente? Isto é, na metafísica de todo e qualquer tipo. GA65MAC: 91

Somente a posição distante em relação ao primeiro início torna possível experimentar o fato de que aí e, em verdade, necessariamente, a questão acerca da verdade (aletheia) permaneceu inquestionada e de que esse não acontecimento determinou de antemão o pensar ocidental em relação à “metafísica”. E só esse saber joga ao nosso encontro a necessidade de preparar o OUTRO INÍCIO e de experimentar no desdobramento dessa prontidão a indigência mais própria em sua plena claridade, o abandono do ser que, profundamente velado, é a contraparte daquele não acontecimento e que, por isto mesmo, não pode ser de maneira alguma explicado a partir de inconvenientes e de cochilos de hoje e ontem. GA65MAC: 91

Se essa indigência não tivesse a grandeza da pro-veniência a partir do primeiro início, de onde ela retiraria, então, a força para a imposição da prontidão para o OUTRO INÍCIO? E, por isto, a questão da verdade é o primeiro passo para o estar pronto. Essa questão da verdade, apenas uma figura essencial da questão do seer, mantém essa questão futuramente fora das regiões da “metafísica”. GA65MAC: 91

O OUTRO INÍCIO não é a direção contrária em relação ao primeiro início, mas se encontra como outro fora do contra e da comparabilidade imediata. Por isto, a confrontação também não é nenhuma adversariedade, nem no sentido da recusa tosca, nem sob o modo de uma suspensão do primeiro no outro. O OUTRO INÍCIO auxilia a partir de uma nova originariedade o primeiro início para a verdade de sua história e, com isso, para a sua alteridade inalienável mais própria, que só se torna frutífera no diálogo histórico dos pensadores. GA65MAC: 92

A confrontação do OUTRO INÍCIO com o primeiro nunca tem o sentido de comprovar a história até aqui da questão diretriz e, com isso, a “metafísica” como um “erro”. Com isso, a essência da verdade seria tão desconhecida quanto a essenciação do seer, que permanecem inesgotáveis, porque elas são o que há de mais único para todo e qualquer saber. Com certeza, porém, a confrontação mostra que, para a interpretação do ente até aqui, se perdeu a necessidade, uma vez que não se pode experimentar mais nenhuma indigência e impeli-la para a sua “verdade”, nem tampouco o modo como até mesmo a verdade de si mesma é deixada inquestionada. Pois, desde Platão, nunca se perguntou sobre a verdade da interpretação do “ser”. Ao contrário, a correção da representação e seu alijamento por meio da intuição foram apenas retransportados da representação do ente para a representação da “essência”; e isso se deu, por fim, na “fenomenologia” pré-hermenêutica. GA65MAC: 94

A transição para o OUTRO INÍCIO tem de preparar o saber em torno dessa determinação histórica. Pertence a isso a confrontação com o primeiro início e com sua história. Essa história encontra-se sob o domínio do platonismo. E o modo determinado por meio daí de tratamento da questão diretriz pode ser indicado por meio do título: ser e pensar. No entanto, para a correta compreensão desse título é preciso atentar para o seguinte: 1) Ser tem em vista aqui a entidade e não, como em Ser e tempo, o ser mesmo inquirido originariamente com vistas à sua verdade; entidade como o “geral” para o ente. 2) Pensar no sentido do re-presentar de algo no geral e esse como presentificação e, com isso, como indicação prévia da região, na qual o ente é concebido com vistas à presentidade constante, sem que o caráter de tempo dessa interpretação jamais seja reconhecido. Isso acontece tão pouco que mesmo depois que, por meio de Ser e tempo, a ousia é interpretada pela primeiríssima vez como presentidade constante e essa é concebida como sua temporalidade, se continua falando de atemporalidade da “presença” e de “eternidade”, e, em verdade, porque se insiste no conceito comum de tempo, que só é válido como quadro para o mutável e, com isso, de qualquer modo, não pode fazer mal algum ao que constantemente se presenta! Como noein, logos  , idein, pensar é aqui a razão enquanto o comportamento, a partir do qual e em cuja região, de maneira bastante infundada, a entidade é determinada. É preciso distinguir disso o “pensar” no sentido ulterior, que precisa ser ao mesmo tempo primeiro determinado, da realização do filosofar (cf o pensar inicial). Nesse aspecto, toda apreensão e determinação (conceito) da entidade e do seer é um pensar. Mas a questão decisiva continua sendo: em que âmbito da verdade se movimenta o desentranhamento da essência do ser? No fundo, mesmo aí onde, tal como na história da questão diretriz, a entidade é concebida a partir do noein, a verdade desse pensar não é o pensado enquanto tal, mas o tempo-espaço como essenciação da verdade, na qual todo re-presentar precisa se manter. GA65MAC: 100

Aqui a verdade se transforma na certeza que se desdobra em meio a uma confiança incondicionada no espírito e, assim, pela primeira vez, enquanto espírito em sua absolutidade. O ente é completamente transposto para o interior da objetualidade, que, não obstante, é ao mesmo tempo superada por meio do fato de que ela é “suspensa”; em contrapartida, a objetualidade se expande em direção ao eu que representa e em direção à ligação do representar do que se contrapõe e do representar da representação. A maquinação como o caráter fundamental da entidade ganha agora a figura da dialética sujeito-objeto, que coloca em jogo e coordena enquanto dialética absoluta todas as possibilidades de todos os âmbitos conhecidos do ente. Aqui, uma vez mais, o asseguramento integral em relação a toda a incerteza é buscado, o tomar pé definitivo na correção da certeza absoluta, e, sem saber, o arrefecer diante da verdade do seer. Nenhuma ponte conduz daqui para o OUTRO INÍCIO. Mas nós precisamos saber precisamente esse pensar do idealismo alemão, porque ele leva ao desdobramento extremo e incondicional o poder maquinacional da entidade (a condicionalidade do ego cogito   é elevada ao incondicionado) e o fim é preparado. GA65MAC: 104

Na transição para o OUTRO INÍCIO a partir do primeiro início, a meditação sobre a “ontologia” é necessária, a tal ponto que o pensamento da “ontologia fundamental” precisa ser inteiramente pensado. Pois nela a questão diretriz é pela primeira vez concebida e desdobrada enquanto questão, se tornando visível em relação ao seu fundamento e em sua estrutura. Uma mera rejeição da “ontologia”, sem uma superação a partir de sua origem, não realiza nada, mas coloca na melhor das hipóteses em perigo toda e qualquer vontade de pensar. Pois aquela rejeição (por exemplo, em Jaspers  ) toma um conceito muito questionável de pensamento como critério de medida – e encontra, então, o fato de que, por meio desse pensar, o “ser” – o que é visado é, em meio a uma grande confusão, o ente enquanto tal – não é alcançado, mas apenas acossado nos quadros e nas hastes do conceito. Por detrás dessa “crítica” notoriamente chã da “ontologia” (que fala por isso na maior confusão entre ser e ente), não há nada de efetivo para além da diferenciação que não é de maneira alguma questionada com vistas à sua origem entre conteúdo e forma, nem transposta “criticamente” para a “consciência” e para o sujeito e suas “vivências” “irracionais”, ou seja, temos aqui o kantismo rickertiano-laskiano, que Jaspers, por exemplo, nunca repeliu apesar de tudo. GA65MAC: 106

17) O que importa nessas reflexões não é uma história do platonismo no sentido de uma sequência de opiniões doutrinárias enquanto modulações da doutrina platônica, mas unicamente a história do tratamento das questões diretrizes sob o domínio essencial do platonismo, com a tarefa da conexão de jogo entre o primeiro e o OUTRO INÍCIO. Platonismo de acordo com isso é o conceito para aquela questão acerca do ser, que pergunta sobre a entidade do ente e coloca o ser assim concebido na ligação com o re-presentar (pensar). Ser epensar como o título para a história do pensar no interior do primeiro e do OUTRO INÍCIO. GA65MAC: 110

[A história do seer] Com o despontar da prontidão para a transição do fim do primeiro início para o interior do OUTRO INÍCIO, o homem não entra apenas, por exemplo, em um “período” que ainda não tinha se dado, mas ele entra antes em um âmbito completamente diverso da história. O fim do primeiro início ater-se-á ainda por um longo tempo à transição, sim, até mesmo ao OUTRO INÍCIO. GA65MAC: 116

A meditação “ontológico-fundamental” (fundamentação da ontologia como sua superação) é a transição do fim do primeiro início para o OUTRO INÍCIO. Essa transição, contudo, é ao mesmo tempo o ímpeto para o salto, por meio do qual apenas um início, e, sobretudo, o outro, pode, como constantemente ultrapassado pelo primeiro, se iniciar. Aqui, na transição, prepara-se a decisão mais originária e, por isso, mais histórica, aquele ou-ou, em relação ao qual não restam nenhum esconderijo e nenhuma região para o desvio; ou permanecemos presos ao fim e ao seu transcurso, o que significa ao mesmo tempo às modulações renovadas da “metafísica”, que vêm se tornando cada vez mais toscas, desprovidas de fundamento e de meta (o novo “biologismo” e coisas do gênero), ou iniciamos o OUTRO INÍCIO, ou seja, nos decidimos pela sua longa preparação. Agora, porém, uma vez que o início só acontece no salto, essa preparação também precisa já ser um saltar e, enquanto preparação, provir e se destacar por meio de um salto da confrontação (conexão de jogo) com o primeiro início e sua história. O totalmente outro do OUTRO INÍCIO em contraposição ao primeiro pode ser elucidado por meio de um dizer, que aparentemente só joga com uma inversão, enquanto na verdade tudo se modifica. GA65MAC: 117

No OUTRO INÍCIO, porém, o ente é de tal modo, para que ele suporte ao mesmo tempo a clareira na qual se encontra imerso, clareira essa que se essencia como clareira do encobrir-se, isto é, do seer como acontecimento apropriador. No OUTRO INÍCIO, todo ente é sacrificado pelo seer, e, a partir daí, o ente enquanto tal obtém pela primeira vez a sua verdade. O seer, contudo, se essencia como acontecimento apropriador, como os sítios instantâneos da decisão quanto à proximidade e à distância do último deus. Aqui, na habitualidade incontornável do ente, o seer é o que há de mais inabitual; e esse estranhamento do seer não é um modo de sua aparição, mas ele mesmo. A inabitualidade do seer corresponde no âmbito da fundação de sua verdade, isto é, no ser-aí, à unicidade da morte. O mais terrível júbilo precisa ser a morte de um deus. Só o homem “tem” a distinção de se encontrar diante da morte, porque o homem é insistentemente no seer: a morte, a mais elevada testemunha do seer. GA65MAC: 117

No OUTRO INÍCIO, é importante preparar o salto para o meio que abre o fosso da viragem do acontecimento apropriador, a fim de, assim, sabendo – perguntando –, preparar em meio a uma prontidão silenciosa o aí com vistas à sua fundação. GA65MAC: 118

Nada é aqui pressentido da incomparabilidade da posição fundamental no OUTRO INÍCIO. Que o salto, aqui como pergunta acerca da essência da verdade mesma, traz pela primeira vez o homem para o interior do campo de jogo do acometimento e da permanência de fora da chegada e da fuga dos deuses. O OUTRO INÍCIO não pode querer senão isso. Computado a partir do que se teve até aqui, isso significa a recusa a uma validade e a um emprego no sentido de uma “visão de mundo”, de uma “doutrina” e de um anúncio. GA65MAC: 119

Toda a abertura de um fosso abissal do seer já está, com isso, codecidida na direção de sua manifestabilidade e de seu encobrimento iniciais. E pode ser que o OUTRO INÍCIO também não consiga senão reter o acontecimento apropriador uma vez mais em uma reluzência única, abrigando-a como clareira, de maneira correspondente ao modo como no primeiro início apenas a physis – e essa só muito diafanamente e por um instante – chegou à reunião (logos). GA65MAC: 120

Toda mediação e salvação tíbias não fazem outra coisa senão aprisionar o ente ainda mais no abandono do ser e transformar o esquecimento do ser na única forma da verdade, a saber, da não verdade do seer. Como é que o pressentimento poderia ganhar aí ainda o menor espaço possível, de tal modo que a recusa se mostrasse como o primeiro envio mais elevado do seer, sim, como a sua própria essenciação inicial. Esse envio acontece apropriadoramente como a retração, que vincula ao silêncio, no qual a verdade segundo sua essência chega novamente à decisão sobre se ela pode ser fundada como a clareira para o encobrir-se. Esse encobrir-se é o desencobrimento da recusa, o deixar pertencer ao elemento estranho de um OUTRO INÍCIO. GA65MAC: 123

A partir da essência originária da verdade determina-se pela primeira vez o verdadeiro e, com isso, o ente; e, com efeito, de tal modo que agora não é mais o ente que é, mas o seer que emerge como que por um salto para o “ente”. Por isso, no OUTRO INÍCIO do pensar, o seer é experimentado como acontecimento apropriador; e isso de tal modo, com efeito, que essa experiência muda como um novo salto todas as referências ao “ente”. Desde então, o homem, isto é, o homem essencial e os poucos de seu tipo, precisa construir a partir do ser-aí a sua história, o que significa que, antes de tudo, é a partir do seer para o ente que ele precisa provocar efeitos no ente. Não apenas como até aqui, de tal modo que o seer se mostre como algo esquecido, mas incontornavelmente apenas pré-visado, mas de tal modo que o seer, sua verdade, suporte expressamente toda e qualquer ligação com o ente. Isso exige a retenção como tonalidade afetiva fundamental, que afina inteiramente aquela guarda no tempo-espaço para o passar ao largo do último deus. GA65MAC: 130

No OUTRO INÍCIO, não pode mais se tornar normativo para o seer um ente, um âmbito e uma região determinados, assim como o ente enquanto tal. Aqui, é preciso lançar o pensamento tão para fora, ou melhor, tão para o interior do aí, que a verdade do seer reluza originariamente. GA65MAC: 130

No OUTRO INÍCIO, porém, o ente nunca é o efetivo no sentido desse ente “atual”. Mesmo lá onde ele vem ao encontro constantemente, para o projeto originário da verdade do seer, esse ente é o que há de mais fugidio. GA65MAC: 136

Efetivo, isto é, essente, é o lembrado e é ainda o pronto. Lembrança e preparação abrem o campo de jogo temporal   do seer, para o qual o pensar precisa abjurar a “atualidade” como a única e primeira determinação até aqui. (Porque é aqui que reside o campo de decisão imediato sobre a verdade do seer, o salto para o OUTRO INÍCIO precisou ser tentado como Ser e tempo). Todavia, se gostaria ainda de deixar a partir da concepção habitual do tempo (desde Aristóteles   – Platão) o nyn em seu primado, deduzindo apenas a partir de sua modulação o passado e o futuro; e isso sobretudo porquanto a lembrança só pode ser lembrada a partir de e em recurso a algo atual e a algo atual em seu sido, e sobretudo porquanto algo futuro não tem senão a determinação de se tornar algo atual. GA65MAC: 136

No OUTRO INÍCIO, a própria essenciação do seer em sua completa estranheza em face do ente precisa ser alcançada como o elemento inicial. O ente mesmo não é mais o familiar, a partir do qual o seer só poderia ser destacado como um resto decantado, como se o seer fosse apenas a determinação maximamente universal ainda não concebida do ente de resto conhecido. No OUTRO INÍCIO consuma-se o mais extremo arrebatamento extasiante do “ente” como o supostamente normativo, por mais que ele continue ainda dominando todo pensamento. O seer não é aqui o gênero ulterior, não é a causa que se acrescenta, não é o elemento abrangente que se encontra por detrás ou acima do ente. Desse modo, o seer permanece aviltado e transformado em um adendo, cujo caráter de adendo não anula mais nenhuma ascensão em direção à “transcendência”. O seer é muito mais a essenciação a partir da qual e de volta à qual o ente, desvelado e abrigado, se torna pela primeira vez essente enquanto ente. A questão acerca da diferença entre ser e ente tem aqui um caráter completamente diverso do que no âmbito de questionamento da questão diretriz (da ontologia). O conceito de “diferença ontológica” apenas prepara enquanto transição da questão diretriz para a questão fundamental. GA65MAC: 137

O estremecimento da vibração na viragem, a apropriação do ser-aí pertinente-fundador-acolhedor para o aceno; essa essenciação do seer não é ela mesma o último deus. Ao contrário, a essenciação do seer funda o abrigo e, com isso, o resguardo criador do deus, que sempre apenas deiza inteiramente o seer em obra e sacrifício, em ato e pensamento. Portanto, o pensar enquanto pensar inicial do OUTRO INÍCIO também consegue chegar à longínqua proximidade do último deus. Ele chega até ela por meio da e em sua história de autofundação; mas isso nunca sob a figura de um resultado, de um modo de re-presentação a ser trazido à tona, que traz o deus para o abrigo. Todas as pretensões como essas, aparentemente supremas, são baixas e não passam de uma degradação do seer! GA65MAC: 142

Esta diferenciação foi realizada em primeiro lugar a partir da questão diretriz acerca da entidade e ficou presa aí. Mas mesmo no OUTRO INÍCIO essa diferenciação tem sua verdade, sim, agora pela primeira vez ela conquista essa verdade. Pois agora, quando não se tem mais a pergunta a partir do “pensar” acerca da entidade (não entidade e pensamento, mas “ser e tempo”, transitoriamente compreendido), agora a “diferenciação” denomina aquele âmbito do acontecimento apropriador da re-essenciação do ser na verdade, isto é, em seu abrigo, algo por meio do que o ente enquanto tal é voltado para o interior do aí. GA65MAC: 151

A realização do ser para a morte só é um dever para os pensadores do OUTRO INÍCIO, mas cada homem essencial entre os futuramente criadores pode saber disso. GA65MAC: 162

[ser-aí] Não aquilo que simplesmente poderia ser de antemão encontrado junto ao homem presente à vista, mas o fundamento necessitado a partir da experiência fundamental do seer como acontecimento apropriador, o fundamento da verdade do seer, por meio do qual (tanto quanto por meio de sua fundação) o homem é transformado fundamentalmente. Agora pela primeira vez a queda do animal rationale  , no qual nós estamos na iminência de recair uma vez mais de cabeça para baixo; e isso por toda parte onde nem o primeiro início e o seu fim, nem a necessidade do OUTRO INÍCIO são sabidos. A queda do “homem” até aqui só é possível a partir de uma verdade originária do seer. GA65MAC: 170

O ser-aí é a crise entre o primeiro e o OUTRO INÍCIO. Isso quer dizer: segundo o nome e a coisa mesma, ser-aí significa, na história do primeiro início (isto é, na história conjunta da metafísica), algo essencialmente diverso do que no OUTRO INÍCIO. GA65MAC: 173

Na metafísica, “ser-aí” (existência) é o nome para designar o modo como o ente é efetivamente essente. Assim, ele tem em vista o mesmo que o ser presente à vista, interpretado mais originariamente em um passo determinadamente dirigido: presentidade. Essa caracterização do ente pode ser até mesmo repensada com vistas à denominação do primeiro início, com vistas à physis e à aletheia que a determina. Com isso, o nome ser-aí recebe completamente o conteúdo autêntico do primeiro início: emergindo a partir de si desveladamente se essenciar (aí). Atravessa toda a história da metafísica, porém, o hábito não casual de transpor o nome para o modo da realidade efetiva do ente para esse ente mesmo, visando com o ser-aí ao “ser-aí”, ao próprio ente presente à vista completamente real e efetivo. Ser-aí é, assim, apenas a boa tradução alemã de existentia  , o emergir a partir de si e se encontrar fora de si do ente, presentar-se a partir de si (em meio ao esquecimento crescente da aletheia). De maneira corrente, “ser-aí” não significa nada além disso. E pode-se falar de acordo com isso do ser-aí coisal, animal, humano, temporal. Completamente diferente disso é o significado e a coisa em jogo na palavra ser-aí no pensar do OUTRO INÍCIO, tão diverso que não há nenhuma transição mediadora daquele primeiro uso para o outro. GA65MAC: 173

O ser-aí no sentido do OUTRO INÍCIO, que pergunta sobre a verdade do seer, nunca tem como ser alcançado como o caráter do ente que vem ao encontro e se mostra como presente à vista; mas também não como o caráter do ente, que deixa tal ente se tornar um objeto e se encontrar em relações com ele; o ser-aí também não é nenhum caráter do homem, como se por assim dizer só o nome que se estendia a todo ente fosse restrito ao papel de designação para o ser presente à vista do homem. Não obstante, o ser-aí e o homem se encontram em uma ligação essencial, na medida em que o ser-aí significa o fundamento da possibilidade do ser humano futuro e o homem é futuramente, na medida em que ele assume ser o aí, contanto que ele se conceba como o guardião da verdade do seer, guarda essa que está indicada como o “cuidado”. “Fundamento da possibilidade” é ainda dito metafisicamente, mas é pensado a partir do pertencimento insistente e abissal. GA65MAC: 173

O ser-aí no sentido do OUTRO INÍCIO é o que nos é ainda completamente estranho, aquilo que nós nunca encontramos previamente dado, que só podemos ressaltar no salto para o interior da fundação da abertura do que se encobre, daquela clareira do seer, na qual o homem futuro precisa se colocar, para mantê-la aberta. GA65MAC: 173

Fundante significa, porém, ao mesmo tempo histórico em nossa e para a nossa história por vir, cuja indigência mais íntima (abandono do ser) e cuja necessidade daí emergente (questão fundamental) se juntam de modo fugidio. Essa junção fugidia, como uma preparação que se junta fugidiamente dos sítios instantâneos da mais extrema decisão, é a lei do procedimento pensante no OUTRO INÍCIO, diferentemente do sistema no fim da história do primeiro início. GA65MAC: 190

O projeto não de “explicar”, mas sim de transfigurar em seu fundamento e abismo, tresloucando o ser do homem nessa direção, ou seja, no ser-aí e mostrando para ele o OUTRO INÍCIO de sua história. GA65MAC: 203

A necessidade da indigência. Do quê? Do seer mesmo, que precisa abrir livremente o espaço para que o seu primeiro início venha à tona por meio do OUTRO INÍCIO e, assim, para que ele possa superar esse primeiro início. GA65MAC: 204

A certeza, porém, enquanto certeza do eu, aguça a interpretação do homem enquanto animal racional. A consequência desse processo é a “personalidade”, da qual muitos ainda hoje acreditam e gostariam de fazer crer, que ela seria a superação da egocidade, lá onde ela só pode ser de qualquer modo o seu encobrimento. O que significa isso, porém, o fato de, ainda em Descartes, se tentar justificar a própria certeza como lumen naturale   a partir do ente supremo como creatum do creator? Que forma assume esse nexo mais tarde? Em Kant como doutrina dos postulados! No Idealismo Alemão como a absolutidade do eu e da consciência! Tudo isso é apenas com base no transcendental de formas posteriores, estabelecidas mais profundamente, do curso de pensamento cartesiano: ego  , ens finitum, causatum ab ente infininito. Por esta via, a humanização de início pré-determinada do ser e de sua verdade (eu – certeza racional) é alçada ao nível do absoluto e, assim, aparentemente superada de maneira própria; e, contudo, tudo isso é o contrário de uma superação, a saber, o enredamento mais profundo no esquecimento do ser. E até mesmo aquele tempo, que surge depois da metade do século XIX, não tem nem mesmo um saber sobre esse empenho da metafísica, mas mergulha na técnica da “teoria da ciência” e se reporta aí, não completamente sem razão, a Platão. O Neokantismo, que também afirma a filosofia da “vida” e da “existência”, porque os dois, por exemplo, Dilthey   da mesma maneira que Jaspers, permanecem sem nenhuma ideia daquilo que propriamente aconteceu na metafísica ocidental e que precisa se preparar como a necessidade do OUTRO INÍCIO. GA65MAC: 212

[A questão acerca da verdade como meditação histórica] O que se tem em vista aqui não é o relato historiológico sobre as opiniões e doutrinas, que foram apresentadas com vistas ao “conceito” da verdade. No OUTRO INÍCIO, a filosofia é em essência histórica, e, nesse aspecto, precisa se dar, então, um tipo mais originário de lembrança da história do primeiro início. A questão é que movimentos fundamentais da essência da verdade e de suas condições de interpretação suportaram e suportarão a história ocidental. As duas posições fundamentais distintas nessa história são caracterizadas por Platão e Nietzsche. E, com efeito, Platão (cf Interpretação da alegoria da caverna) como aquele pensador, junto ao qual ainda se torna clara uma derradeira reluzência da aletheia na transição para a verdade do enunciado (cf também Aristóteles, Metaflsica Theta IV). E Nietzsche, junto ao qual se reúne a tradição ocidental na variante moderna e antes de tudo positivista do século XIX e junto ao qual ao mesmo tempo a “verdade” é trazida para a posição oposta e, com isso, para a copertinência com a arte – as duas como modos fundamentais da vontade de poder como a essência do ente (essentia  ), cuja existentia é denomina como o eterno retorno do mesmo. GA65MAC: 232

O tempo-espaço como essenciação da verdade (essenciação do fundamento abissal) só ganha o saber na realização do OUTRO INÍCIO. Antes disso, porém, ele permanece, e, com efeito, necessariamente, velado sob a figura da denominação conjunta inconcebida, mas habitual de “espaço” e “tempo”. De onde provém o primado do vazio de espaço e tempo, de sua extensão imediatamente re-presentada, de sua quantificação e calculabilidade? Tudo remonta à experiência fundamental grega da ousia. Para que espaço e tempo sejam imediatamente re-presentados, sim, até mesmo aquilo que se impõe na physis como o assim re-presentável (cf no tempo, por conseguinte, o primado do nyn). Com a presentidade também se estabelece peras  , periechon. Este ponto de partida e sua interpretação permanecem, eles não experimentam nenhum retorno a algo mais originário, que só seria possível a partir da questão acerca da verdade do ser, em contrapartida, em Aristóteles, pou, pote – categorias, determinações da entidade, ousia! GA65MAC: 239

A “permanência de fora” do fundamento, sua abissalidade, é afinada a partir da autorrenúncia hesitante, temporalizando e espacializando, arrebatando de maneira extasiante e fascinante ao mesmo tempo. Na inserção espacial se funda e se dá o sítio do instante. O tempo-espaço como a unidade da temporalização e da espacialização originárias é originariamente ele mesmo o sítio instantâneo, assim como esse sítio é a tempo-espacialidade essencial a-bissal da abertura do encobrimento, isto é, do aí. De onde, portanto, se dá a cisão em temporalização e espacialização? A partir do arrebatamento extasiante e do fascinante, que se requisitam de maneira fundamentalmente diversa, ou seja, a partir da unidade da renúncia hesitante. De onde se dá a cisão em arrebatamento extasiante e em arrebatamento fascinante? A partir da renúncia hesitante, e essa se revelando no reacenar como a essência inicial do acontecimento apropriador, de maneira inicial no OUTRO INÍCIO. Essa essência do seer única e singular, e, com isso, suficiente para a essência mais íntima do seer; também a physis é única e singular. GA65MAC: 242

O tempo-espaço nessa essência originária ainda não tem nada em si do “tempo” e do “espaço”, que habitualmente se conhece, e, contudo, ele contém o desdobramento em direção a eles em si, e, com efeito, em uma riqueza maior do que a que pôde vir à tona até aqui por meio da matematização de espaço e tempo. Como é se sai de tempo-espaço para “espaço e tempo”? Formulada assim, a questão ainda é muito plurissignificativa e pode ser facilmente mal interpretada. O que precisa ser distinto de antemão é: 1) A história que essencialmente foi de topos   e kronos no interior da interpretação do ente como physis com base na aletheia não desdobrada; 2) O desdobramento de espaço e tempo a partir do tempo-espaço expressa e originariamente concebido enquanto a partir do abismo do fundamento no interior do pensar do OUTRO INÍCIO; 3) O apoderamento do tempo-espaço como essenciação da verdade no interior da fundação por vir do ser-aí através do abrigo da verdade do acontecimento apropriador no ente que se reconfigura por meio daí; 4) A clarificação propriamente dita, a dissolução ou o afastamento das dificuldades, que envolveram desde sempre na história do pensamento até aqui aquilo que se conhece como espaço e tempo; por exemplo, a questão acerca da “realidade efetiva” do espaço e do tempo; acerca de sua “infinitude”, acerca de sua relação com as “coisas”. Todas essas questões permanecem não apenas sem respostas, mas de início inquestionáveis, enquanto espaço e tempo não forem concebidos a partir do tempo-espaço, isto é, enquanto a questão acerca da essência da verdade não for questionada desde o fundamento como a questão prévia à questão fundamental da filosofia (como se essencia o seer?). GA65MAC: 242

O último deus não é o fim, mas o OUTRO INÍCIO de possibilidades imensuráveis de nossa história. Em virtude dele, a história até aqui não deve se findar, mas precisa ser trazida ao seu fim. Nós precisamos criar um espaço para que a transfiguração de suas posições fundamentais essenciais entre na transição e na prontidão. GA65MAC: 256

A maior proximidade do último deus acontece apropriadoramente, quando o acontecimento apropriador ganha a recusa como a autorrenúncia hesitante da elevação. Isso é algo essencialmente diverso da mera ausência. Recusa como pertencente ao acontecimento apropriador só se deixa experimentar a partir da essência mais originária do seer, no modo como ele reluz no pensar do OUTRO INÍCIO. GA65MAC: 256

Provindo de uma posição em relação ao ente determinada pela “metafísica”, nós só poderemos saber de modo difícil e lento o outro, segundo o qual o deus ainda não aparece nem na “vivência” “pessoal” nem na “vivência” “massificada”, mas unicamente no “espaço” abissal do próprio seer. Todos os “cultos” e “igrejas” e coisas como essas em geral até aqui não têm como se tornar a preparação essencial do dar-se um com o outro do homem e de deus no meio do seer. Pois a verdade do seer mesma precisa ser primeiro fundada e, para isso que é entregue, toda criação precisa tomar um OUTRO INÍCIO. GA65MAC: 256

A meta-física é a justificação da “física” do ente por meio da fuga constante diante do seer. A “meta-física” é o impasse não admitido em relação ao seer e o fundamento do abandono final do ser do ente. A diferenciação do ente e do ser é deslocada para o caráter inofensivo de uma diferença apenas representada (de uma diferença “lógica”), se é que efetivamente essa diferença mesma ganha o espaço do saber enquanto tal, o que, considerado rigorosamente, fica e precisa ficar de fora, uma vez que o pensar metafísico só se mantém de fato na diferença, mas de tal modo que, de certa maneira, o ser mesmo se mostra como um tipo de ente. Somente a transição para o OUTRO INÍCIO, a primeira superação da metafísica, em meio a uma retenção necessariamente transitória de seu nome, eleva essa diferença ao nível do saber e a coloca, com isso, pela primeira vez na questão: não em uma questão arbitrária qualquer, mas na questão acerca do que há de mais digno de questão. Por mais extrinsecamente que a diferença enquanto “diferença ontológica” venha a ser introduzida, e por mais que ela seja introduzida de saída completamente no sentido do pensar representacional, o estabelecimento da meditação junto a essa diferença é a tal ponto necessário. Pois nessa diferenciação “ontológica” aparentemente precária e inofensiva, isto é, nessa diferenciação “ontológica” que suporta a ontologia, a riqueza originária e o perigo de todos os perigos do ser humano, da fundação de sua essência e da destruição de sua essência, se tornam visíveis. Essa diferenciação é o encobrimento superficial do espaço da mais elevada ousadia pensante, que permanece reservada ao homem. GA65MAC: 258

A história do pensar metafísico e do pensar da história do ser acontece apropriadoramente sobretudo em suas diversas eras segundo potências diversas do primado do ser diante do ente, do ente diante do ser, da confusão dos dois, da extinção de cada primado na era da compreensibilidade calculável de tudo. Nós sabemos o futuro da história do ser, nós sabemos que, se ela quiser permanecer história, o seer mesmo precisará se apropriar do pensar em meio ao acontecimento. Mas ninguém conhece a figura do ente vindouro. Só uma coisa é certa: que todo e qualquer re-pensar do seer e toda criação a partir da verdade do seer, sem a assistência já protetora do ente, jamais pôde produzir outras forças de questionamento e de dizer, de jogo e de sustentação, diversas das que foram produzidas pela história da metafísica. Pois esses outros precisam inserir ainda em nome do que lhes é mais próprio o diálogo questionador com o primeiro início, que emergiu em uma clara profundidade, e sua história no pensar. Equipando-se com esse diálogo, eles precisam se tornar, juntamente com os mais solitários do primeiro pensar, os ainda mais solitários do abismo, que não apenas suporta no OUTRO INÍCIO todos os fundamentos, mas também os sopra. Para aqueles que simplesmente vierem depois, o que se mantém objeto de uma erudição e de uma pesquisa historiológicas e que, por fim, se mostra ainda meramente como instrução escolar, a história do pensar metafísico em suas “obras”, precisa se tornar primeiro história, na qual cada coisa é reunida em sua unicidade e irradia como uma visão luminosa do pensar uma verdade do seer em seu espaço não mensurado próprio. Como uma grandeza do ser-aí pensante é requisitada aí pelo próprio seer, cuja figura nós quase não pressentimos a partir da existência poética de Hölderlin   e a partir da viandança horrível de Nietzsche; como no espaço do pensar da história do ser só há ainda essa grandeza, razão pela qual mesmo o discurso sobre a grandeza permanece pequeno demais, a preparação de tal pensar precisa reunir toda inexorabilidade e se movimentar nas mais claras distinções. Pois somente tais distinções garantem a coragem para a insistência no âmbito do impulso do que há de mais questionável, que é usado pelos deuses e esquecido pelo homem, e que nós denominamos o seer. GA65MAC: 259

A diferença na questão acerca do ser pode ser retida formalmente por dois títulos; o primeiro diz: ser e pensar, o outro: ser e tempo. No primeiro título, o ser é compreendido como a entidade do ente; no outro, como o ser, cuja verdade é inquirida. No primeiro, “pensar” significa o fio condutor, ao longo do qual o ente é interrogado com vistas à sua entidade: o enunciar representativo. No outro, “tempo” designa a primeira indicação da essência da verdade no sentido da clareira aberta de acordo com o arrebatamento extasiante do campo de jogo, no qual o seer se oculta e, se ocultando, se doa pela primeira vez expressamente em sua verdade. Em sua relação, por conseguinte, os dois títulos não podem ser interpretados de maneira alguma de tal modo que não seria necessário senão substituir no segundo o “pensar” que aparece no primeiro pelo “tempo”, como se a mesma questão acerca da entidade do ente devesse a partir de então, ao invés de ser levada a termo a partir do fio condutor da representação enunciativa, ser realizada a partir do fio condutor do tempo, sendo que o “tempo”, então, continuaria sendo pensado imediatamente segundo o seu conceito usual. Ao contrário, o “papel” do pensar e aquele do “tempo” são a cada vez papéis fundamentalmente diversos; sua determinação dá ao “e” nos dois títulos uma inequivocidade a cada vez própria. Ao mesmo tempo, porém, por meio da questão acerca do ser no sentido do título “ser e tempo”, é criada uma possibilidade de conceber mais originariamente, isto é, em termos da história do ser, a história da questão do ser no sentido do título “ser e pensar”, e de tornar visível pela primeira vez a verdade do ser, necessariamente inquestionada no interior da metafísica, no caráter temporal do ser por meio da referência à vigência da presentação e da constância na essência da physis, da idea e da ousia. Essa referência é tanto mais decisiva em termos da história do ser, uma vez que, na história ulterior da questão do ser, o caráter temporal da entidade é cada vez mais velado, de tal modo que a tentativa de unir o ser (e a atemporalidade das categorias e dos valores) com o “tempo”, indiferentemente de como isso possa vir a se dar, se depara imediatamente com uma resistência, que tem sua força naturalmente apenas na cegueira do não querer questionar. Como o caráter “temporal” do próprio ser, com base na não concepção da questão acerca da verdade (do “sentido”) do seer, permanece completamente estranho, as pessoas se salvam por meio da equiparação do ser com o ser-aí, que, então, uma vez que ele designa de algum modo o ser humano, é compreensível em sua “temporalidade”. Assim, porém, tudo se evade da via da questão do ser e se comprova ao mesmo tempo que um título por si, caso faltem o empenho e o saber interpretá-lo ao menos em sua intenção, não consegue nada. Todavia, esse saber nunca pode ser comunicado e difundido como os conhecimentos de algo presente à vista. Já na transição devem seguir aqueles que trazem esse saber uns para os outros, na medida em que eles, pressentindo as decisões, se aproximam uns dos outros e, contudo, não se encontram. Pois ele precisa dos particulares dispersos, para deixar amadurecer a decisão. Mas esses particulares trazem consigo ainda o sido da história do ser velado, aquele desvio, tal como poderia se mostrar, que a metafísica precisou pegar pelo ente, a fím de não atingir o ser e, assim, chegar a um fim, que é forte o suficiente para a indigência em relação ao OUTRO INÍCIO, o qual auxilia imediatamente a voltar para o cerne da originariedade do primeiro início e que transforma o passado no que não foi perdido. GA65MAC: 259

O desprendimento da filosofia dos enredamentos na fundamentação da ciência, na interpretação cultural, na servidão à visão de mundo, na metafísica como a sua própria essência primeira que se degrada em inessência é apenas a consequência do OUTRO INÍCIO e só pode ser dominado verdadeiramente como tal consequência. O OUTRO INÍCIO é a assunção mais originária da essência velada da filosofia, que emerge ela mesma da essência do seer e, de acordo com a respectiva pureza   da origem, permanece próximo da essência da decisão do pensar “do” seer. GA65MAC: 259

A filosofia no OUTRO INÍCIO pergunta sob o modo do questionamento da verdade do seer. Olhando a partir da esfera de visão da diferenciação que se tornou expressa entre ser e ente e computando a partir de uma comparação historiológica com a metafísica e seu modo de sair do ente, o questionar no OUTRO INÍCIO (o pensar da história do seer) poderia aparecer como uma simples inversão, o que significa aqui o mesmo que uma tosca inversão. Mas precisamente o pensar da história do seer sabe em relação à mera inversão que, nela, a mais tenaz e mais fatídica escravidão se faz valer; que ela não supera nada, mas que, na inversão, é apenas o inverso que chega pela primeira vez ao poder, de tal modo que se cria para ele a fixação e a completude até aqui faltantes. GA65MAC: 259

A negação do ser aos “deuses” só significa de início que o ser não se encontra “acima” dos deuses; mas também que esses não se encontram “acima” do ser. Com certeza, porém, “os deuses” necessitam do seer, com cuja sentença já é pensada a essência “do” seer. “Os deuses” precisam do seer não como a sua propriedade, na qual eles mesmos encontram um apoio. “Os deuses” precisam do seer, a fim de pertencerem por meio do seer, que não lhes pertence, efetivamente a si mesmos. O seer é o que é usado pelos deuses; ele é sua indigência, e o caráter indigente do seer nomeia a sua essenciação, o que é exigido pelos “deuses”, mas que não é nunca causável e condicionável. O fato de “os deuses” precisarem do seer lança eles mesmos no abismo (a liberdade) e exprime o fracasso de toda e qualquer fundamentação e demonstração. E por mais obscuro que possa permanecer o caráter indigente do seer para o pensar, ele fornece de qualquer modo o primeiro ponto de apoio, para pensar “os deuses” como aqueles que precisam do seer. Nós levamos a termo, com isso, os primeiros passos na história do seer, de tal modo que o pensar da história do seer desponta, assim, pela primeira vez e todo empenho por se dispor a obrigar o dito nesse começo a alcançar uma compreensibilidade habitual se revela como vão e, antes de tudo, contra o modo de ser desse pensamento. Se, porém, o seer é o caráter indigente do deus, por mais que o seer mesmo só encontre no re-pensar a sua verdade e por mais que esse pensar seja a filosofia (no OUTRO INÍCIO), então “os deuses” precisam do pensar da história do seer, isto é, da filosofia. Todavia, “os deuses” não carecem da filosofia como se eles mesmos precisassem filosofar e o fizessem em virtude de sua deização, mas é preciso que a filosofia se dê, se é que “os deuses” devem ganhar uma vez mais o espaço da decisão e se é que a história deve alcançar o fundamento de sua essência. A partir dos deuses determina-se o pensar da história do seer como aquele pensar do seer que concebe o abismo da indigência do seer como o primeiro e nunca busca no divino mesmo como o supostamente mais essente a essência do seer. O pensar da história do seer encontra-se fora de toda e qualquer teologia e também não conhece, porém, nenhum ateísmo no sentido de uma “visão de mundo” ou de uma doutrina configurada de outro modo qualquer. GA65MAC: 259

Se, então, aqui, na preparação do OUTRO INÍCIO, a essência da filosofia é retida como questionamento acerca do ser (na ambiguidade: questão acerca do ser do ente e questão acerca da verdade do seer), tal como ela precisa ser retida, precisamente porque o questionamento do primeiro início acerca do ser chegou, com efeito, ao seu fim e, assim, não ao seu início, a denominação do filosofar enquanto pensar também precisa ser mantida. Isso, porém, ainda não decide de maneira alguma se o fio condutor do pensar (1) também seria agora o pensar (2), se em geral aqui algo do gênero de um fio condutor, tal como no tratamento da questão diretriz, entraria em jogo. Agora, na transição para o OUTRO INÍCIO, a questão acerca do ser se transforma efetivamente na questão acerca da verdade do seer, de tal modo que essa verdade enquanto essência da verdade pertence à essenciação do seer. A escolha do fio condutor torna-se supérflua, sim, é desde o início impossível. O ser não é considerado mais agora como a entidade do ente, como o adendo representado a partir do ente, que se expõe ao mesmo tempo como o a priori do ente (do que se presenta). Ao contrário, o seer se essencia agora de antemão em sua verdade. Isso inclui o fato de que, então, o pensar (1) também é determinado exclusivamente e antes de tudo a partir da essência do seer e não, por exemplo, tal como desde Platão, como a representação purificada do ente a partir do ente. A a-preensão do ser não é determinada a partir da concepção da entidade no sentido do koinon   e da idea, mas a partir da essenciação do próprio seer. Esse precisa ser ressaltado de maneira originariamente inicial, a fim de decidir por assim dizer por si mesmo qual precisa “ser” a essência do pensar (1) e do pensador. Essa “necessidade” múltipla anuncia uma necessidade originariamente própria de uma indigência, que só pode pertencer ela mesma à essência do seer. GA65MAC: 265

A questão é que nós estamos de qualquer modo há muito tempo e de maneira muito firme presos à tradição, para que de saída, onde quer que se venha a denominar “o pensar”, não tivéssemos em vista no mínimo concomitantemente ao ouvir esse nome a representação de algo em geral e, com isso, a representação de uma unidade de elementos diferentes especificamente subordinados. Ao contrário, quando o pensar é concebido como o pensar do ser: o ser é considerado como o que há de mais universal entre tudo. Toda e qualquer pergunta acerca do ser se encontra sob essa aparência da questão acerca do que há de mais universal, do qual nós só nos apoderamos por meio da concepção de suas particularidades e de suas ligações. Tomar esse elemento maximamente universal não significa, então, outra coisa senão deixá-lo em sua indeterminação e em seu vazio, estabelecendo a indeterminação como a sua única determinação, isto é, representando ele mesmo de maneira imediata. Então, por meio do conceito habitual do pensar (o conceito “lógico) é decidido previamente de novo sobre a essência do seer, no que, igualmente, a essência é visada de antemão como o elemento objetivo de uma representação. Mas também precisamos ainda nos libertar disso, a fim de deixarmos completamente para o próprio seer o poder afinador-determinante na caracterização da essência do pensar (re-pensar). Aquela interpretação grega do ón he ón como hen  , aquele primado até aqui obscuro, que o uno e a unidade tiveram por toda parte no pensamento do ser, não pode ser naturalmente deduzido da lógica e do papel de fio condutor do logos como enunciado porque esse primado pressupõe, sim, uma determinada interpretação do ón (hypokeimenon  ). Visto de maneira mais profunda, aquela unidade é apenas o primeiro plano visto a partir da representação reunidora (legein) da presentação enquanto tal, na qual já se reuniu o ente justamente em seu quid   e em seu fato-de-que. A presentidade pode ser concebida como reunião e, assim, compreendida como unidade e ela precisa também ser compreendida assim junto ao primado do logos. A própria unidade não é, contudo, por si mesma uma determinação essencial originária do ser do ente. Os pensadores originários se deparam, no entanto, necessariamente com ela porque, para eles e para o seu início, a verdade do ser precisa permanecer velada e porque é importante, para apreender em geral o ser, reter a presentação como o elemento primeiro e mais imediato de sua irrupção; por isso, o hen, mas sempre e ao mesmo tempo em ligação com os muitos como o que vem à tona, como o que emerge (vindo a ser) e como o que se evade e se dissipa (se essenciando aqui e se ausentando na presentidade mesma: Anaximandro  , Heráclito  , Parmênides  ). A partir do OUTRO INÍCIO, aquela determinação inabalada e nunca questionada do ser (unidade) precisa ainda se tornar algo questionável, e, então, remeter de volta a unidade ao “tempo” (o tempo abissal do tempo-espaço). Então, porém, também se mostra que, com o primado da presentidade (presente), na qual a unidade é fundada, algo se decidiu, que nesse elemento maximamente autoevidente a decisão mais espantosa se encontra velada, que esse caráter de decisão pertence até mesmo à essenciação do seer e fornece o aceno para a respectiva unicidade e para a historicidade mais originária do seer mesmo. GA65MAC: 265

O re-pensar do seer, a denominação de sua essência, não é outra coisa senão a ousadia de auxiliar o lançar-se para além dos deuses em direção ao seer e deixar pronta para o homem a verdade do verdadeiro. Com essa “definição” do pensar por meio daquilo que ele “pensa” realiza-se a completa saída de toda interpretação “lógica” do pensar. Pois esse é um dos maiores preconceitos da filosofia ocidental: achar que o pensar precisaria ser determinado “logicamente”, isto é, com vistas ao enunciado (a explicação “psicológica” do pensar é de fato apenas um adendo à explicação “lógica” e pressupõe essa explicação; e isso mesmo lá onde ela visa a poder substituir a explicação lógica; a noção do “psicológico” se encontra aqui no lugar de biológico-antropológico). Um reverso daquele preconceito, porém, se dá quando se é acometido em meio à recusa da interpretação “lógica” do pensar (isto é, da ligação com o ser; cf “O que é metafísica?”) pela angústia, ou melhor, pelo temor de que isso colocaria em risco o rigor e a seriedade do pensar e entregaria tudo ao sentimento e ao seu “juízo”. Quem diz, afinal, e quem foi que demonstrou algum dia que o pensar logicamente visado seria o pensar “rigoroso”? Isso só é válido, se é que é em geral válido, sob o pressuposto de que a interpretação lógica do ser poderia ser a única interpretação possível; o que, porém, com maior razão, é um preconceito. Com vistas à essência do seer, precisamente a “lógica” talvez seja o procedimento menos rigoroso e sério para a determinação da essência e apenas uma ilusão, que possui naturalmente uma essência ainda mais profunda do que a “ilusão dialética”, que Kant tornou visível no âmbito da objetivação possível do ente na totalidade. A “lógica” mesma, no que concerne à fundação da essência da verdade do seer, é uma ilusão, mas a mais necessária ilusão, que a história do seer até agora conheceu. A essência da própria “lógica”, que atingiu sua figura suprema na metafísica de Hegel  , só se deixa conceber a partir do OUTRO INÍCIO do pensar do seer. A abissalidade desse pensamento, porém, também deixa o assim chamado rigor da argúcia lógica (como forma do encontro da verdade, não apenas da expressão do que foi encontrado) vir à tona como uma brincadeira que não se apodera de si mesma, a qual, então, também poderia se degradar e se constituir como uma erudição filosófica, na qual qualquer um, dotado com uma argúcia qualquer, pode se movimentar de um lado para o outro, sem jamais ser tocado pelo seer e sem nunca pressentir o sentido da questão acerca do seer. Mas o repensar do seer também é, então, correspondentemente raro e talvez só nos seja concedido no passo tosco de uma preparação sua, se a ousadia desse salto abissal puder ser chamada de um favor. GA65MAC: 265

No fundo, porém, o destacar da “diferença ontológica” é apenas um testemunho do fato de que a tentativa da questão do ser mais originária precisa ser ao mesmo tempo uma apropriação mais originária da história da metafísica. Unir essas duas coisas ou ter as duas já fundamentalmente reunidas: o iniciar no completamente outro e a fidelidade, que essencialmente ultrapassa toda adução histonológica criativa até aqui, em relação à história do primeiro início, a qual se mostra ao mesmo tempo como um domínio e uma afirmação igualmente decididos do que se exclui, isso é para o hábito da historiologia e da sistemática tão estranho, que elas não chegam nem mesmo a ter uma vaga ideia de que algo assim pudesse ser requisitado. (Que outra coisa, porém, quer a “destruição fenomenológica”?) Por isso, também paira, então, a “diferença ontológica” no indeterminado. Tudo se dá como se ela já tivesse se tornado consciente ao menos em Platão, onde ela só é de qualquer modo levada a termo e por assim dizer utilizada. Em Kant, ela é consciente no conceito do “transcendental” e, contudo, ao mesmo tempo não consciente, porque a entidade é concebida por um lado como objetualidade, e, por outro, porque essa interpretação da entidade coloca de lado precisamente toda questão do ser. As coisas, porém, se mostram uma vez mais de tal modo que “a diferença ontológica” parece ser algo “novo”, o que ela não pode ser e não quer ser. Com ela denomina-se apenas aquilo que suporta toda a história da filosofia e que nunca pôde ser como esse elemento sustentador para ela .enquanto metafísica, o que precisava ser perguntado e, por isso, também o que precisava ser denominado. Ela é algo transitório na transição do fim da metafísica para o OUTRO INÍCIO. GA65MAC: 266

O fato, porém, de essa diferenciação poder ser denominada como a estrutura de campo da metafísica ocidental e o fato de ela precisar ser denominada sob essa forma indeterminada têm sua razão de ser na história inicial do próprio seer. Na physis encontra-se implicado o fato de que, para a representação maximamente universal (pensar), o ser é o que mais se presenta de maneira mais constante e, enquanto um tal ente que se presenta, o fato de que ele é o vazio da atualidade mesma. Na medida em que o pensamento se embrenhou no domínio da “lógica”, esse elemento atual de tudo o que se presenta (do presente à vista) se transforma no que há de mais universal, e, apesar da rejeição de Aristóteles, que afirma que ele não seria um genos, no “que há de mais genérico”. Se levarmos em consideração essa proveniência histórica da diferença ontológica a partir da própria história do ser, então o saber dessa proveniência já impõe uma distância prévia em relação ao pertencimento à verdade do ser, a experiência de que nós, sustentados pela “diferença ontológica” em todo ser do homem enquanto ligação com o ente, permanecemos expostos ao poder do seer por meio daí de maneira mais essencial do que em toda e qualquer ligação ainda “próxima da vida” com qualquer coisa “real e efetiva”. E isso, o ter sido inteiramente afinado do homem pelo próprio seer, precisa ser levado à experiência por meio da denominação da “diferença ontológica”; a saber, caso a questão do ser mesma tenha de ser desperta enquanto questão. Por outro lado, porém, com vistas à superação da metafísica (a conexão de jogo histórica do primeiro e do OUTRO INÍCIO), é preciso que tenha ficado clara a “diferença ontológica” em seu pertencimento ao ser-aí; visto a partir daí, ela nos volta para uma, sim, para a “estrutura fundamental” do próprio ser-aí. GA65MAC: 266

A plena essenciação do seer na verdade do acontecimento apropriador nos deixa reconhecer que o seer e apenas o seer é e que o ente não é. Com esse saber acerca do seer, o pensar alcança pela primeira vez o rastro do OUTRO INÍCIO na transição a partir da metafísica. Para esta é válido dizer: o ente é e o não-ente “é” também e o seer é o ente maximamente essente. GA65MAC: 267

O que é feito agora da diferenciação entre ente e seer? Agora, nós a compreendemos como o primeiro plano metafisicamente concebido e, com isso, já mal interpretado de uma de-cisão, que é o seer mesmo (cf acima n. 2). Essa diferenciação não pode mais ser lida a partir do ente e em prosseguimento em direção à generalização isoladora de seu ser. Por isto, ela também não pode ser justificada, por exemplo, pelo aceno para o fato de que “nós” (quem?) precisamos compreender o ser, para que possamos experimentar um ente enquanto tal. Isso é, com efeito, correto, e o aceno para tanto pode servir a qualquer momento como uma primeira indicação do ser e da diferenciabilidade entre ente e seer, mas: o que resulta daqui, o que aqui já é pressuposto, o pensar metafísico da entidade, não pode subsistir enquanto o rasgo fundamental, no qual se deixariam conceber em termos da história do seer, em conformidade com o ser-aí, a essência do seer e de sua verdade em sua essenciação. Apesar disso, a transição não tem como ser preparada de outro modo senão pelo fato de que, nela, a coragem para o antigo (em termos do primeiro início) se faz valer e, assim, se busca de saída impelir esse antigo mesmo para além de si: o ente, o ser, o “sentido” (verdade) do ser (cf Ser e tempo). Desde o início, contudo, em meio a essa repetição mais originária, é preciso saber que ela exige uma completa transformação do homem no ser-aí e já alcançou por um salto tal transformação, uma vez que a verdade do seer, que deve se abrir, não trará outra coisa senão a essenciação mais originária do próprio seer. E isso significa: que tudo é transformado e que as veredas que ainda conduziam justamente ao seer precisam ser interrompidas, porque outro tempo-espaço é aberto por meio do seer, que torna necessária uma nova edificação e fundação do ente. Em parte alguma no ente, somente uma vez no seer, se volta em direção ao homem e aos deuses, a cada vez de maneira diversa, como uma tempestade, a suavidade do terrível na intimidade de todos os seres. É somente no seer que se essencia como a mais profunda abertura de seu fosso abissal o possível, de tal modo que é sob a forma do possível que o ser precisa ser pensado em primeiro lugar no pensar do OUTRO INÍCIO. (A metafísica, contudo, torna o “real e efetivo” enquanto ente ponto de partida e meta da determinação do ser). GA65MAC: 267

O pensar no OUTRO INÍCIO não conhece a explicação do ser por meio do ente e não sabe nada sobre o condicionamento do ente por meio do seer; condicionamento esse que sempre também coisifica o seer junto ao ente, a fim de emprestar-lhe, então, de qualquer modo uma vez mais, sob a forma do “ideal  ” e dos “valores” (agathon   é o começo), uma elevação. Com certeza, então, segundo a forma e de acordo com um longo hábito de representação através da metafísica e apoiado pela linguagem cunhada a partir dela e pela sua fixação significativa, todo e qualquer discurso acerca do seer pode ser mal interpretado em meio à relação corrente da condição para o condicionado. Não temos como ir ao encontro imediatamente desse perigo; sim, ele precisa ser assumido como um dote da metafísica, cuja história, então, não pode ser afastada, se no projeto originário do seer a essência da história entra pela primeira vez em jogo. GA65MAC: 268

No primeiro início, uma vez que a physis se iluminou na aletheia e como ela, o es-panto era a tonalidade afetiva fundamental. O OUTRO INÍCIO, o início do pensar da história do seer, é a-finado e previamente determinado pelo deslocamento. Esse abre o ser-aí para a indigência da falta de indigência, em cuja proteção se esconde o abandono do ser do ente. GA65MAC: 269

A questão acerca da origem da obra de arte não se remete a uma constatação atemporalmente válida da essência da obra de arte, constatação essa que poderia servir ao mesmo tempo como fio condutor para a explicação historiologicamente retrospectiva da história da arte. A questão se encontra na mais íntima conexão com a tarefa da superação da estética, o que significa, ao mesmo tempo, de uma concepção do ente como objetivamente representável. A superação da estética, por sua vez, se revela como necessária a partir da confrontação histórica com a metafísica enquanto tal. Essa metafísica contém a posição ocidental fundamental em relação ao ente e, com isso, também o fundamento em relação à essência até aqui da arte ocidental e de suas obras. A superação da metafísica significa a liberação do primado da questão acerca da verdade do ser diante de toda e qualquer explicação “ideal”, “causal”, “transcendental” e “dialética” do ente. A superação da metafísica, contudo, não é nenhuma rejeição da filosofia até aqui, mas o salto para o interior de seu primeiro início, sem querer renová-lo, o que se manteria historiologicamente irreal e historicamente impossível. Apesar disso, a meditação sobre o primeiro início (a partir da coerção à preparação do OUTRO INÍCIO) conduz a uma distinção do pensar inicial (grego), que favorece a incompreensão, segundo a qual com esse retorno dever-se-ia almejar uma espécie de “classicismo” na filosofia. Em verdade, porém, por meio do questionamento “reiterado”, isto é, estabelecido de maneira mais originária, abre-se a distância solitária do primeiro início em relação a tudo que lhe segue historicamente. Com efeito, o OUTRO INÍCIO se encontra por completo em uma ligação necessária e interior, apesar de velada, com o primeiro início, ligação essa que, ao mesmo tempo, inclui a completa cisão entre os dois de acordo com o seu caráter originário. É por isso que precisamente lá onde o pensamento preparatório alcança mais diretamente a esfera da origem do OUTRO INÍCIO, desponta a aparência de que o primeiro início seria apenas renovado e de que o OUTRO INÍCIO seria simplesmente uma interpretação historiologicamente aprimorada dele. GA65MAC: 277