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Zimmerman (1982:203-204) – o jogo cósmico de revelação/velação

segunda-feira 30 de setembro de 2024, por Cardoso de Castro

Pelo fato de o jogo cósmico de revelação/velação ter se tornado cada vez mais oculto para a humanidade, houve diferenças importantes nos mundos antigo, medieval e moderno. Heidegger está dizendo em sua linguagem ontológica o que outras pessoas vêm dizendo há muito tempo: o homem moderno tornou-se arrogante e egocêntrico; portanto, se esqueceu de que tem certas obrigações para com o universo que lhe deu origem. Para Platão, “Ser” significava presença permanente: ideia, eidos, o reino imutável das formas que transcendia o reino do devir. Para Aristóteles, “Ser” significava estar presente em uma permanência relativa, como emergência dinâmica do não ocultamento: physis. Deus, a instância mais elevada da atividade de autoatualização, transcende o mundo da mudança, mas atrai todos os entes para imitar a autoperfeição divina. Para o homem medieval, “Ser” significava estar presente como uma criatura na grande cadeia do Ser, cujo ápice era Deus. A presença absolutamente permanente de Deus (Ser Supremo) garantia a presença contingente de suas criaturas. Para o homem moderno, “Ser” significa ser representável como um objeto para o sujeito racional. Somente o homem moderno vive sem qualquer senso do transcendente. Heidegger interpreta a história da filosofia para mostrar como ela reflete o crescente desaparecimento do transcendente na civilização ocidental.

A distinção entre o Ser e os entes, entre a presença como tal (transcendência) e os entes que estão presentes, era vagamente aparente para alguns dos primeiros pensadores gregos. Heidegger afirma que o vislumbre de Heráclito   do Ser dos entes é a fonte oculta do destino do Ocidente. (GA7  :VA, III, 23/76) Esse vislumbre pode ser re-experimentado indiretamente se interpretarmos a doutrina do logos de Heráclito   de uma determinada maneira. Como mencionado anteriormente, Heidegger aponta que logos é o radical da palavra legein, que significa “reunir” e “abrigar”, embora geralmente seja traduzida como “dizer” e “falar”. Abrigar algo significa deixá-lo ser, dar-lhe um lugar. Assim, legein pode se referir à atividade humana de fundar um mundo no qual os entes possam se manifestar. Essa reunião e ordenação humana funciona melhor quando está em sintonia com o logos cósmico, a reunião primordial que governa o universo.

Como o logos permite que esteja diante de nós o que está diante de nós como tal, ele revela o que está presente em sua presença. Mas revelação é Aletheia. Ela e o logos são o mesmo. Legein permite que aletheia, o não velamento como tal, esteja diante de nós…. Toda revelação libera o que está presente do velamento. A revelação precisa de velamento. A A-letheia repousa no lethe, extraindo dele e colocando diante de nós o que permanece depositado no lethe. O Logos é em si mesmo e, ao mesmo tempo, revelador e velador. Ele é aletheia. A revelação precisa do velamento. (GA7  :VA, III, 16-17/71)

Embora Heráclito   tenha visto que revelar/velar são intrínsecos à manifestação das coisas (GA7  :VA, III, 76-77/120-121), e embora ele estivesse próximo da “dobra” (distinção entre Ser e entes), Heidegger afirma que seu predecessor grego nunca expressou nada disso explicitamente. Heráclito   frequentemente interpretava a interação entre velamento e não velamento como um tipo de ente; de fato, a instância suprema do ente. Heráclito   (logos), Parmênides (moira), Anaximandro   (ehreon), Platão (eidos) e Aristóteles (energeia, ousia) tentam expressar o Mesmo: “a unidade do Unificador”. (Hw  , 432/56; VA, III, 36-37/86-87)


Ver online : Michael Zimmerman


ZIMMERMAN, Michael E. Eclipse of the Self. Athens: Ohio University Press, 1982