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Harada (2009) – Objetivação - Objetivar

terça-feira 19 de novembro de 2024, por Cardoso de Castro

O que é objetivação, objetivar? A esse respeito responde Heidegger numa carta de 11.03.1964 endereçada aos participantes de um diálogo teológico sobre O problema de um pensar e falar não objetivantes na teologia, hoje: Objetivar "é fazer algo objeto, pô-lo como objeto e somente assim o representar. E o que significa objeto? Na Idade Média obiectum significava o que é lançado e mantido de encontro em face do aperceber, da imaginação, do julgar, desejar e mirar. Em contraste com isso, subiectum significava o hypokeimenon, o prejacente a partir de si (não o que é levado de encontro através de um representar), o presente, p. ex. as coisas. A significação das palavras subiectum e obiectum é em comparação com a significação usual hoje, justamente o inverso: subiectum é o para si (objetivamente) existente, obiectum, o apenas (subjetivamente) representado".

"Em consequência da transformação do conceito de subiectum por Descartes   (cfr. Holzwege  , pg. 98ss) também o conceito de objeto veio a transformar-se. Para Kant   objeto significa: o contra-posto existente da experiência das ciências naturais. Cada objeto é o contra-posto, mas nem todo contra-posto (p. ex. a coisa em si) é um possível objeto. O imperativo categórico, o ter que ser ético, o dever não são objetos da experiência das ciências naturais. Pelo fato de se pensar sobre eles, de no agir serem eles intencionados, eles não se tomam por isso objetivados."

"Quando p. ex. estamos sentados no jardim e nos regozijamos diante das rosas floridas, não fazemos da rosa um objeto, nem sequer um contraposto, i. é, um algo tematicamente representado. Quando, pois, na fala silente estou devotado ao rubro esplendor da rosa e sigo, pensando, o ser rubro da rosa, esse ser rubro não é nem objeto, nem coisa, nem um contra-posto, como rosa a florir. A rosa está no jardim, balança talvez ao sabor do vento. O ser rubro da rosa, porém, não está nem no jardim, nem pode balançar ao sabor do vento. Entrementes, eu o penso e dele falo, nisso em que eu o nomeio. Assim, se dá um pensar e falar, que, de nenhum modo, objetiva nem contra-põe".

"Eu posso considerar esta estátua de Apolo no museu em Olímpia, quiçá como um objeto das ciências naturais no seu representar. Posso calcular fisicamente o mármore em vista do seu peso; posso pesquisar o mármore em referência à sua propriedade química. Mas esse pensar e falar objetivantes não miram o Apolo, como ele se mostra na sua beleza e nela aparece, como a mira de Deus".

"Objetivar é fazer algo objeto, pô-lo, como objeto, e somente assim o representar". Algo é aqui ente, no sentido mais abrangente possível; indica todos os entes atuais e possíveis.

Fazer é exercer uma ação de efetuar, de efetivar, de tal sorte que ente se torne objeto. E colocá-lo, posicioná-lo como objeto. Assim o ente se põe de pé e se firma como objeto, e somente, como tal, se toma, de novo, presente, é representado, é apresentado. Aqui a palavra do texto original alemão é vorstellen. Vorstellen usualmente significa representar, apresentar. Literalmente, porém, diz: colocar em frente, na frente, diante de. E stellen é colocar, mas pode conotar ação de pôr alguém ou algo sob a coação de uma determinação. No uso corrente, objetivar pode significar também tomar objetivo, i. é, tornar real ou existente objetivamente, materializar ou efetivar, ou também ter por fim, pretender.

Diante dessas determinações acerca da objetivação, muitos de nós, tentaríamos entendê-las mais ou menos assim. Na realidade em si, diante, ao lado, ao redor de nós há coisas, produtos da natureza. Mas usando essas coisas dadas pela natureza, como materiais, o homem fabrica objetos, ou, também, as posiciona, transformando-as em objetos para determinados fins do interesse humano. Objetivar aqui significa, então, objetificação, fazer do ente objeto, para um determinado fim, meta ou objetivo, dado por homem. Essa nossa compreensão da objetivação, embora esteja incluída na explicação do texto, não diz bem, o que ele quer dizer com objetivação e seu objeto.

Segundo o texto, o termo objeto (obiectum) se dá em dois modos diferentes. A diferença no modo de ser do obiectum, também diferencia o que se deve entender por subiectum. O texto fala, pois da compreensão do obiectum e subiectum uma vez na Idade Média, e outra vez na nossa época Moderna.

a) Na Idade Média obiectum significava o que é lançado e mantido de encontro em face do aperceber, da imaginação, do julgar, desejar e mirar. Em contraste com isso subiectum significava o hypokeimenon, o prejacente a partir de si (não o que é levado de encontro através de um representar), o presente, p. ex. as coisas.

b) Na nossa época Moderna a objetivação se caracteriza, num sentido inverso ao da Idade Média, em significar subiectum como o para si (objetivamente) existente, e obiectum como o apenas (subjetivamente) representado. Esse modo de entender tanto subiectum como obiectum é consequência da transformação do conceito de subiectum operada por Descartes  . Na sequência dessa transformação "para Kant   objeto significa: o contra-posto existente da experiência das ciências naturais".


Ver online : Hermógenes Harada


HARADA, Hermógenes. Iniciação à Filosofia. Exercícios, ensaios e anotações de um principante amador. Teresópolis: Daimon, 2009