Página inicial > Fenomenologia > McNeill (1999:42-43) – prohairesis

McNeill (1999:42-43) – prohairesis

quarta-feira 9 de outubro de 2024, por Cardoso de Castro

[…] a relação entre a escolha prévia (prohairesis), a deliberação (bouleuesthai) e a aisthesis prática merece mais atenção. Pois a premissa principal do silogismo prático, o fim específico escolhido, é de fato subserviente a algum outro fim ou bem. Isso implica que qualquer fim particular da praxis é, em si mesmo, apenas um meio para algum outro fim (como Aristóteles observa, tanto a escolha quanto a deliberação na esfera da ação estão preocupadas não com os fins, mas apenas com os meios (ton pros la tele: Ética a Nicômaco, 1111 b4ss.) — uma ordem de implicação que pareceria regredir ad infinitum se não houvesse algum fim supremo ou último (EN, 1094 a19f.). Como Aristóteles observa no Livro I, “uma coisa escolhida sempre [aei] como um fim e nunca como um meio é chamada de absolutamente final ou completa [haplos de teleion]” (EN, 1097 a34). [1].

Aristóteles aponta que, enquanto uma prohairesis é uma escolha que se relaciona com o desdobramento imediato de uma situação de tal forma a ser mantida em aberto em seu caráter futural (ela tem, ao mesmo tempo — o momento da ação — já foi escolhida e ainda é mantida aberta à modificação via deliberação: EN, 1139 b6f), há escolhas ou compromissos mais primários que são relativamente fixos (como a profissão de alguém: EN, 1112 b12f.) e podem ser considerados fins em si mesmos (por exemplo, promover a saúde na medida em que se é médico). Mas mesmo esses fins estão, em princípio, abertos a mudanças e deliberações (se, por exemplo, o médico perder seu emprego). Além disso, sua contingência é indicada pelo fato de que, como fins particulares, eles também podem ser vistos como meios para algum outro fim (por exemplo, ganhar dinheiro) e, portanto, não são o fim último ou verdadeiramente primário de uma existência particular. Qual é, então, o fim último ou o bem supremo (telos haplos, ariston) para nós, seres humanos (pros hemas)? De acordo com Aristóteles, o bem humano é o ergon, a ação e a atividade (energeia) da alma em sua excelência ou virtude (arete) mais apropriada, que será mostrada como sendo a do noûs (EN, 1097 b21ff). O fim último de uma existência particular é a própria existência como tal, naquilo que lhe é mais próprio como origem da praxis, isto é, em sua própria finitude. Pois toda cadeia de deliberação retorna a si mesmo no final, isto é, ao seu próprio ser como uma arche da praxis. Levamos nosso raciocínio de volta ao eschaton, ao seu fim último (1112 b19), que é o início da ação (proton en tei genesei: 1112 b24); paramos (pauetai) de perguntar como agir quando trouxemos a origem da ação de volta a nós mesmos e à parte dominante de nós mesmos (1113 a5).

No entanto, como, se de fato, a praxis como um fim em si mesmo, como um fim incondicional, está presente na phronesis? É algo para o qual nos orientamos antecipadamente no logos de uma projeção ou prohairesis mais primária — o resultado, talvez, de uma reflexão filosófica, teórica ou técnico-calculativa anterior sobre a natureza do bem? Se esse fosse o caso, a praxis não poderia ser um fim em si mesma, distinta da poiesis, como Aristóteles argumenta, mas se tornaria subserviente a um fim extrínseco, inscrevendo-se, assim, dentro do esquema meio-fim da deliberação calculativa característica da techne?[[Essa ameaça à praxis foi amplamente discutida por Robert Bernasconi, “The Fate of the Distinction between Praxis and Poiesis”, em Heidegger in Question (New Jersey: Humanities, 1993), 2-24. Veja também seu ensaio “Technology and the Ethics of Praxis”. Mais recentemente, essa questão foi colocada em um contexto mais amplo por Dana R. Villa em Arendt   and Heidegger: The Fate of the Political.] Esse fim é então acessível na, ou por meio da, aisthesis prática que revela a existência momentânea do phronimos na situação particular?


Ver online : William McNeill


MCNEILL, William. The Glance of the Eye. Heidegger, Aristotle, and the Ends of Theory. New York: SUNY, 1999


[1Na leitura de Heidegger, a prioridade ontológica daquilo que ‘sempre’ (aei) é como é, se mostrará decisiva na decisão da prioridade da theorein e da sophia sobre a phronesis