Todo o sentido e todo o ser imagináveis, chamem-se imanentes ou transcendentes, fazem parte do domínio da subjetividade transcendental enquanto constituinte de todo o sentido e de todo o ser. Querer captar o universo do ser verdadeiro como algo que se encontra fora do universo da consciência, do conhecimento, da evidência possíveis, supor que o ser e a consciência se relacionam um ao outro de uma maneira puramente exterior, em virtude de uma lei rígida, é absurdo. Pertencem essencialmente um ao outro; e o que está essencialmente ligado é concretamente uno, é uno mo concreto único e absoluto da subjetividade transcendental. Se esta é o universo de sentido possível, algo que lhe fosse exterior seria um não-sentido. Mas mesmo todo o não-sentido é apenas um modo do sentido e o seu absurdo pode ser tornado evidente. Ora, tudo isto não vale somente para o ego empírico e para o que lhe é empiricamente acessível, pela sua própria constituição, como existindo para ele. Nem para a multiplicidade aberta de outros ego e das suas funções constitutivas, que existem para o ego empírico. Mais exatamente: se em mim, ego transcendental, outros ego são transcendentalmente constituídos, como de fato acontece, e se, a partir da intersubjetividade assim constituída em mim, se constitui um mundo objetivo, comum a todos, tudo o que antes dissemos não se aplica somente ao meu ego empírico, mas à intersubjetividade e ao mundo empíricos que, em mim, adquirem o seu sentido e valor. A explicitação «fenomenológica» de mim mesmo que efetuo no meu ego, a explicitação de todas as sínteses constitutivas deste ego e de todos os objetos para ele existentes, tomou — necessariamente — o aspecto metódico de uma explicitação a priori. Esta explicitação de si mesmo integra os fatos no universo correspondente das puras possibilidades (eidéticas). Não respeita ao meu ego empírico senão na medida em que este último é uma das puras possibilidades às quais chegamos quando nos «transformamos» livremente a nós mesmos pelo pensamento (pela imaginação). Enquanto eidética, vale para o universo dos meus possíveis, para o ego em geral, para o conjunto indeterminado das minhas possibilidades de «ser outro»; vale, por conseguinte, para toda a intersubjetividade possível que se refira numa variação correlativa a estas possibilidades, e portanto para o mundo inteiro enquanto nela constituído de uma maneira subjetiva. Uma verdadeira teoria do conhecimento não pode ter sentido senão como fenomenológica e transcendental. Em vez de buscar, de maneira absurda, ir da imanência imaginária para uma transcendência — que o não é menos — de não sei que «coisas em si» essencialmente incognoscíveis, a fenomenologia ocupa-se exclusivamente com elucidar sistematicamente a função do conhecimento, único meio de a tornar inteligível como operação intencional. Por esse meio, também o ser, real ou ideal, se torna inteligível; revela-se como «formação» da subjetividade transcendental, constituída precisamente pelas suas operações. Esta espécie de inteligibilidade é a mais alta forma da racionalidade. Todas as falsas interpretações do ser provêm da cegueira ingênua aos horizontes que determinam o sentido do ser e aos problemas correspondentes da elucidação da intencionalidade implícita. Libertos e captados estes horizontes, resulta uma fenomenologia universal, explicitação concreta e evidente do ego por si mesmo. Mais exatamente, é em primeiro lugar uma explicação de si mesmo, no sentido estrito do termo, que mostra de uma maneira sistemática como o ego se constitui a si mesmo como existência em si da sua própria essência; é, em segundo lugar, uma explicitação de si mesmo, no sentido lato do termo, que mostra como o ego constitui em si os «outros», a «objetividade» e, em geral, tudo o que para o ego — seja no eu seja no não-eu — possui um valor existencial.
Realizada desta maneira sistemática e concreta, a fenomenologia é, por isso mesmo, idealismo transcendental, ainda que num sentido fundamentalmente novo. Não o é no sentido de um idealismo psicológico que, a partir dos dados sensíveis desprovidos de sentido, quer deduzir um mundo pleno de sentido. Não é um idealismo kantiano que crê poder deixar aberta a possibilidade de um mundo de coisas em si, quanto mais não fosse a título de conceito-limite. E um idealismo que não é nada mais que uma explicitação do meu ego enquanto sujeito de conhecimentos possíveis. Uma explicitação consequente, realizada sob a forma de ciência egológica sistemática, tendo em conta todos os sentidos existenciais possíveis para mim, como ego. Este idealismo não é formado por um jogo de argumentos e não se opõe numa luta dialéctica a qualquer «realismo». É a explicitação do sentido de todo o tipo de ser que eu, o ego, posso imaginar; e, mais especialmente, do sentido da transcendência que a experiência realmente me dá: a da Natureza, da Cultura, do Mundo em geral; o que quer dizer: desvendar de maneira sistemática a própria intencionalidade constituinte. A prova deste idealismo é a própria fenomenologia.