Se o nosso interesse exclusivo se dirige para o “mundo da vida”, temos <141> de perguntar: está, então, o mundo da vida, como tema científico universal, exposto já pela epoché relativa à ciência objetiva? [1] Já temos, com isso, temas [112] para asserções científicas universalmente válidas, asserções sobre fatos passíveis de serem estabelecidos cientificamente? Temos o mundo da vida como um campo universal, a definir de antemão, de tais fatos estabelecíveis? Ele é o mundo espaço-temporal das coisas, tal como as experienciamos na nossa vida pré e extracientífica, e que sabemos como experienciáveis para além das já experienciadas. Temos um horizonte de mundo como horizonte da experiência possível das coisas. Coisas: são pedras, animais, plantas, também homens e configurações humanas; mas tudo existe relativamente ao sujeito, muito embora normalmente, na nossa experiência e no círculo social daqueles que estão ligados a nós em comunidade de vida, cheguemos a fatos “seguros”, em algum domínio por si mesmo, isto é, sem que se note perturbação por algum desacordo mas, eventualmente, também, onde a prática conduz a isso, por meio de um conhecimento propositado, isto é, com a meta de uma verdade segura para os nossos fins. Mas se nos deslocamos para um círculo de relações estranho, para os negros no Congo, para os camponeses chineses etc., então confrontamo-nos com o fato de que as suas verdades, os fatos para eles estabelecidos, universalmente confirmados e a confirmar, não são de todo os nossos. Se estabelecermos, <142> porém, a meta de uma verdade acerca dos objetos incondicionalmente válida para todos os sujeitos, partindo daquilo em que os europeus normais, hindus normais, chineses etc., apesar de toda a relatividade, estão de acordo — daquilo que torna identificáveis, para eles e para nós, embora em interpretações diversas, os objetos comuns do mundo da vida, como a figura espacial, movimento, qualidades sensíveis e semelhantes —, chegamos, então, ao caminho da ciência objetiva. Com a definição da meta desta objetividade (da única “verdade em si”), pomos uma espécie de hipóteses com as quais é ultrapassado o puro mundo da vida. Evitamos esta “ultrapassagem” do puro mundo da vida pela primeira epoché (em relação às ciências objetivas), e agora estamos em dificuldades para saber a que mais aqui se pode recorrer como cientificamente estabelecível de uma vez por todas e para toda a gente.
A dificuldade desaparece, contudo, assim que refletimos sobre o fato de que este mundo da vida, em todas as suas relatividades, tem a sua estrutura geral. Essa estrutura geral, a que todo ente relativo está vinculado, não é ela mesma relativa. Podemos observá-la na sua generalidade, e com o devido cuidado estabelecê-la igualmente como acessível de uma vez por todas e para todos. O mundo, como mundo da vida, tem já pré-cientificamente as “mesmas” estruturas que [113] as ciências objetivas, com a sua substrução (que, pela tradição dos séculos, se tornou uma obviedade) de um mundo existente “em si”, determinado em “verdades em si”, pressupõem como estruturas a priori, e que elas sistematicamente desdobram em ciências a priori, em ciências do logos, das normas metódicas universais a que se tem de vincular todo o conhecimento do mundo que é “em si objetivo”. Pré-cientificamente, o mundo é já mundo espaço-temporal; é certo que, em relação a esta espaço-temporalidade, não se fala de pontos matemáticos ideais, de retas ou planos “puros”, tampouco de continuidade matematicamente infinitesimal, da “exatidão” pertencente ao sentido do a priori geométrico. Os corpos que nos são bem conhecidos no mundo da vida são efetivos, mas não corpos no sentido da física. O mesmo se passa com a causalidade ou com a infinidade espaço-temporal. O categorial do mundo da vida <143> tem os mesmos nomes, mas não se preocupa, por assim dizer, com as idealizações teóricas e substruções hipotéticas do geômetra e do físico. Já o sabemos: os físicos, homens como os outros, vivendo no mundo da vida com o saber de si, no mundo dos interesses humanos, têm sob o título de física uma espécie particular de questões e (num sentido vasto) de propósitos práticos, dirigidos às coisas do mundo da vida, e as suas “teorias” são os resultados práticos disso. Assim como outros propósitos, os interesses práticos e a realização dos mesmos pertencem ao mundo da vida, pressupõem-no como solo e enriquecem-no pela sua ação, e, assim, também isto é válido para a ciência, como propósito e prática humanos. E a esta pertence, como se disse, todo o a priori objetivo no seu necessário estar remetido a um correspondente a priori do mundo da vida. Esse estar remetido é o de uma fundamentação de validade. Aquilo que a configuração de sentido e a validade de ser de nível superior do a priori matemático e de todo o a priori objetivo produzem é uma certa operação idealizadora, com base no a priori do mundo da vida. Este último teria, então, em primeiro lugar, na sua especificidade e pureza, de ser definido como tema científico e, subsequentemente, definida a tarefa sistemática, de como sobre esta base e em que modos de uma nova configuração de sentido é produzido o a priori objetivo como um resultado teórico mediato. Seria, então, necessária uma distinção sistemática entre as estruturas universais: a priori universal do mundo da vida e universal “objetivo” a priori e, então, também uma distinção entre as indagações universais acerca do modo como o a priori “objetivo” se funda no a priori “relativo ao sujeito” do mundo da vida ou, por exemplo, como tem a evidência matemática a sua fonte de sentido e de jure na evidência própria do mundo da vida.