Página inicial > Fenomenologia > Gaboriau (1962:44-45) – logos

Gaboriau (1962:44-45) – logos

quinta-feira 17 de outubro de 2024, por Cardoso de Castro

Além de Hegel  , Heidegger leva sua inspiração de volta à filosofia grega primitiva. A existência do homem, que vimos determinar tudo, agora se encontra como “ek-existência”, colocada, alojada em um todo que a transborda e que é chamado de “ser” (Sein, fato de ser, ato de ser). Situado como tal, além de todas as determinações, o ser, no entanto, se expõe no que é como seu repositório: esse cantão do universo do céu e da terra. Como o “pastor do ser”, o homem cuidará de si mesmo, tendo o cuidado de “deixar as coisas serem” ou de deixar as “coisas” fazerem seu trabalho, — na medida em que elas não são mais apenas “instrumentos” (Zeuge), mas “coisas” (Dinge) a serem deixadas para pastar. A partir da própria linguagem (Heidegger novamente usa derivações etimológicas), a “coisa” é definida como a morada do ser (“das Haus des Seins”), onde o homem habita: como “coleta”, “colheita”, “reunião” do ser. Uma colheita, confiada ao homem: quem a realizará? A fenomenologia revela aqui sua face metafísica renovada: ela ainda é, de fato, a descoberta do λόγος; a “verdade” — aletheia — ainda é precisamente esse deixar-ser (quase esse deixar-fazer) das coisas, que bastará expor ou “dizer” [1]. Pois, de acordo com as [47] derivações greco-germânicas, a palavra traça o caminho para o pensamento: “λόγος”, “legein”, que significam “palavra” e “dizer”, sugerem a cadeia em cascata de ideias até a fonte: “legen” (deitar, colocar), “lesen” (ler, reunir, escolher), “sammeln” (coletar), “versammeln” (reunir, coletar). A pessoa que diz coisas (Dinge), se estiver dizendo a verdade, é um “poeta” (Dichter), o verdadeiro poeta, cujo tipo é Hölderlin  . Poeta e pensador, “Dichter” e “Denker  ”, andam de mãos dadas: o papel do pensador é, portanto, muito mais que “filosofar”.

Quanto à definição de “ser”, podemos dizer apenas o seguinte: “é ele mesmo” (es ist es selbst). A analogia do destino ou do acaso, da distribuição (Moïra em grego), nos ajuda a compreender algo do mistério. O “ser” é como o destino histórico ou despacho (geschichtliches Geschick) da humanidade ocidental, que tanto se revela quanto se oculta: ele começa a se ocultar com a filosofia grega clássica; somente hoje estamos tentando redescobri-lo. Mas, mais uma vez, o pensamento não é mais “filosofia”, é “pensamento adorador” (andenkendes Denken, — alusão, creio, a Andacht), uma espécie de novo misticismo.


Ver online : Florent Gaboriau


GABORIAU, Florent. L’Entrée en métaphysique: orientations. Bruxelas: Casterman, 1962


[1Ler é colher: ex-primir o suco, intoxicar-se com o verdadeiro. O ek-sistente, ele mesmo surgido e presente (Dasein) tem essa propriedade de ser-no-mundo aquele que colhe e recolhe o fruto, colhe, ceifa, reúne ou intelige. Assim, comentamos livremente sobre uma perspectiva heideggeriana. Falar é “amarrar” o feixe, expressar a coisa, segurá-la, depositá-la, fazer o ser que o Dasein abrigará em si mesmo, para si mesmo, habitar nele. O homem tem essa faculdade de fazer-aparecer, graças à sua fala, de fazer ek-sister em si mesmo, em suma, de projetar: ele tem essa “liberdade” da qual entendemos que ele pode se embebedar precisamente, se a tomar como absolutamente criativa do ser como tal