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Camus (2018) – o ataque atual contra a razão

sexta-feira 18 de outubro de 2024, por Cardoso de Castro

Mas talvez em nenhuma outra época, como na nossa, foi mais vivo o ataque contra a razão. Desde o grande grito de Zaratustra — “Por acaso, é a mais velha nobreza do mundo. Eu a reintegrei em todas as coisas quando disse que não queria nenhuma vontade eterna acima dela” —, desde a doença mortal de Kierkegaard   — “esse mal que confina com a morte sem mais nada depois dela” —, os temas significativos e supliciantes do pensamento absurdo se sucederam. Ou, pelo menos, e essa minúcia é fundamental, aqueles do pensamento irracional e religioso. De Jaspers   a Heidegger, de Kierkegaard   a Chestov, fenomenólogos à Scheler  , no plano lógico e no plano moral, toda uma família de espíritos, aparentados por sua nostalgia, opostos em seus métodos ou metas, se obstinaram em obstruir a estrada real da razão e em reencontrar os caminhos certos da verdade. Pressuponho, a essa altura, esses pensamentos conhecidos e vividos. Sejam quais forem ou tenham sido as suas ambições, todos partiram desse universo indizível em que “reinam a contradição, a antinomia, a angústia ou a impotência. E o que lhes é comum são justamente os temas que estivemos revelando até agora. Também para eles; é preciso dizer claramente que o mais importante são as conclusões a que se pode chegar com essas descobertas. A tal ponto, que será necessário examiná-las separadamente. No momento, porém, se trata apenas de suas descobertas e de suas experiências iniciais. Trata-se tão-somente de verificar a sua concordância. Se seria demasiada presunção examinar as suas filosofias, é possível e, em todo caso, suficiente fazer sentir o clima que lhes é comum.

Heidegger considera friamente a condição humana e anuncia que esta existência é humilhada. A única realidade é a “inquietação” em toda a escala dos seres. Para o homem perdido na mundo e seus divertimentos, essa inquietação é um medo breve e fugidio. Mas, quando esse medo toma consciência dele mesmo, se transforma em angústia, o clima permanente do homem lúcido “em que a existência se redescobre”. Esse professor de filosofia escreve sem nenhum tremor e na linguagem mais abstrata do mundo que “o caráter finito e limitado da existência humana é mais primordial que o próprio homem”. Interessa-se por Kant   mas é para reconhecer o caráter acanhado de sua “Razão pura”. É para concluir, nos termos das suas análises, que “o mundo nada mais consegue oferecer ao homem angustiado”. Essa inquietação a tal ponto lhe parece, na verdade, ultrapassar as categorias do raciocínio, que ele pensa unicamente nela e não fala de outra coisa. Enumera suas faces: de tédio, quando o homem comum procura nivelá-la com ele mesmo, e mitigá-la; de terror, quando o espírito contempla a morte. Ele também não separa a consciência do absurdo. A consciência da morte é o apelo da inquietação e “a existência recorre então a um apelo próprio por intermédio da consciência”. É a voz da própria angústia e convoca a existência “a retornar ela própria de sua perda no Se anônimo”. Também para ele não se deve dormir e é preciso velar até a consumação. Ele se segura nesse mundo absurdo, denuncia-lhe o caráter perecível. Procura seu caminho no meio dos escombros.


Ver online : Albert Camus


[CAMUS, Albert. Mito de Sísifo. Tr. Ari Roitman; Paulina Watch. Rio de Janeiro: Record, 2018 (ebook)]