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Boutot (1987:29-32) – A questão "o que é o ente?" (ti to on)
terça-feira 5 de setembro de 2023
BOUTOT , Alain. Heidegger et Platon . Paris:PUF, p. 29-32
Platão não é certamente o único a se interrogar, na Antiguidade, sobre o ser como tal e em geral. Encontra-se uma interrogação análoga em Aristóteles , no livro Z da Metafísica, mas em um contexto diferente posto que aí não é mais questão do não-ser, como no Sofista. Neste livro, Aristóteles põe com efeito uma questão fundamental que constitui, nos diz ele, “o objeto passado, presente e eterno de nosso embaraço e de nossa investigação: o que é o ente?” (Z 1, 1028b2). Esta questão não porta evidentemente como no Sofista sobre tal ou tal ente, mas sobre o ente enquanto ente, sobre a entidade do ente. É de resto o que indica Aristóteles ele mesmo que precisa em seguida, como o nota Heidegger (Heráclito GA 55 p.56): “ti to on, touto esti tis he ousia”, “o que é o ente?, quer dizer o que é a entidade [1]?” (Z 1, 1028b4).
Nas passagens do Sofista e da Metafísica aos quais vimos nos referir, e em muitos outros textos onde é questão do ser (Fédon 66a sq.), Platão e Aristóteles não utilizam, para designar o objeto da investigação e da especulação filosófica, o infinitivo do verbo ser: to einai, o ser, mas o particípio: to on, literalmente: o sendo ou o ente. Esta palavra aparentemente simples, to on, é em ralidade, como o sublinha Heidegger, profundamente ambígua. Como todo particípio, com efeito, ele pode ser entendido ou bem nominalmente (a que corresponde o alemão: das Seiende), ou bem verbalmente (em alemão: seiend). Tomado no primeiro sentido, to on, o ente, designa o que é, tal coisa particular, ou mesmo o conjunto das coisas que são. É a significação “ôntica” e por assim dizer banal da palavra. Tomado no segundo sentido, ao contrário, to on, o sendo não designa o que é, mas simplesmente o fato de ser ele mesmo. É o que se poderia denominar a significação “ontológica” da palavra. Heidegger revém frequentemente sobre esta equivocidade do to on grego que não é, nos diz ele, um particípio ao lado de outros particípios, mas ”o particípio que reúne em si todos os outros particípios possíveis” (Was heisst Denken?, p. 134). Lemos por exemplo no Einführung in die Metaphysik: “a palavra ’ente’ pode ser compreendida segundo dois pontos de vista, assim como o ’to on’ grego. O ente designa então o que é ente em cada caso… O ente designa em seguida o que faz por assim dizer que o que é nomeado assim seja um ente e não seja ao invés um não-ente, significa isto que no ente, se ele é um ente, constitui seu ser. Conforme esta dupla significação da palavra ’o ente’, o ’to on’ grego tem frequentemente o segundo sentido e não designa portanto o ente ele mesmo, o que é ente, mas o ’sendo’ (das ’Seiend’), a entidade (die Seiendheit), o ser-ente (das Seindsein), o ser (das Sein). Em revanche, para o ’ente’ no primeiro caso, entende-se todas as coisas sendo, ou cada uma delas, tudo que é relacionado a elas e não a sua entidade, à ousia. A primeira significação de to on é ta onta (entia), a segunda to einai (esse)” (GA 40, p.33). De uma maneira geral, segundo Heidegger, quando os pensadores se interrogam sobre o ente (to on), eles não têm em vista a significação nominal da palavra (ta onta), mas a princípio e antes de tudo sua significação verbal (to einai). É evidentemente verdadeiro para Aristóteles que, quando ele demanda: ti to on; o que é o ente?, não se interroga sobre o ente enquanto “números, linhas ou fogo”, mas sobre o ente enquanto sendo (on he on), sobre a entidade (ousia) do ente, quer dizer sobre isto que constitui, se se pode dizer, o “sendo”(das Seiend) no ente, sobre o ser do ente. Ti to on significa portanto no fundo para ele ti to einai: o que é o ser? Mas é também verdade para Platão : Em Platão , diz Heidegger, deve-se sempre entender “o ente” no sentido verbal: das Seiend, ao invés do sentido nominal: das Seiende. Razão pela qual Heidegger traduz a palavra on que figura na citação do Sofista que abre Ser e Tempo não por “das Seiende”, mas por “seiend”, “sendo” no sentido verbal: quando Platão demanda , no Sofista, o que on, “ente”, quer dizer, ele não se interroga sobre tal ou tal coisa-ente, nem mesmo sobre o conjunto das coisas-entes (ta onta), mas somente sobre o “sendo” ele mesmo (“das Seiend”), sobre o ser (“das Sein”).
Ver online : Alain Boutot
[1] "No sentido daquilo que constitui a existência de algo real; a essência" (HOUAISS)