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Aubenque (2022:106-107) – linguagem definida como símbolo
sexta-feira 1º de novembro de 2024
As passagens em que Aristóteles trata ex professo da linguagem não são as que mais aprendemos sobre a sua natureza. No início do De interpretatione, a linguagem é definida como símbolo (symbolon): “Os sons emitidos pela voz (ta en tei phonei) são os símbolos dos estados da alma (pathemata tes psykhes) e as palavras escritas, os símbolos das palavras emitidos pela voz”. O que está aqui em questão não é a relação da linguagem com o ser, mas somente a relação entre materialidade da palavra pronunciada ou escrita e o “estado da alma” ao qual ela corresponde, e notar-se-á que a relação entre a palavra falada e o estado da alma não difere daquilo que une a palavra escrita e a palavra falada: a escritura remete à palavra, que remete da mesma maneira a um “estado da alma”. A relação da linguagem falada — e, por mais forte razão, escrita — com o ser não é, portanto, imediata: ela passa necessariamente pelos pathemata tes psykhes, e são estes que exprimem imediatamente o ser, mas não da mesma maneira que a linguagem significa o pensamento: “Da mesma maneira que a escritura não é a mesma para todos os homens, as palavras faladas não são as mesmas, enquanto os estados da alma, cujas expressões são imediatamente os signos (semeia protos), são idênticos em todos, como são idênticas também as coisas cujos estados são as imagens”. [1] A diversidade de línguas obriga a admitir que a palavra e a escritura não são significantes por elas mesmas, enquanto os estados da alma são por eles mesmos semelhantes às coisas que lhes correspondem. Uma primeira distinção se impõe, portanto, entre as relações de semelhança, como as que existem entre o pensamento e as coisas, e as relações de significação (expressas aqui pelos termos, a bem dizer, obscuros de symbolon, e, acessoriamente, de semeion) tais quais elas se instituem entre linguagem e pensamento.
[AUBENQUE , Pierre. O problema do ser em Aristóteles: Ensaio sobre a problemática aristotélica. São Paulo: Paulus Editora, 2022]
Ver online : Pierre Aubenque
[1] Ibid., 16 a 5 ss. Resulta desse texto que os pathematas tes psykhes são ton pragmaton homoiomata. M. Heidegger vê nessa fórmula a origem da definição escolástica da verdade como adequação. Ele reconhece, no entanto, que essa asserção não é “nem um pouco proposta como definição expressa da essência da verdade” (Sein und Zeit, p. 214). Na realidade, a homoiomata é, sobretudo, oposta aqui ao symbolon, como uma relação imediata e natural a uma relação mediata e convencional.