Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Agamben (2015:159-160) – Absoluto [Absolutum]

sexta-feira 11 de outubro de 2024

Heidegger, no curso de 1930-1931 sobre a Fenomenologia do espírito [GA32  ], para sublinhar o caráter de movimento do Absoluto, distinguia no saber absoluto um elemento absolvente e definia como “absolvição infinita” a essência do Absoluto.

Vários anos mais tarde, retomando essas observações de Heidegger no domínio da fenomenologia religiosa, Henry Corbin reformulou a distinção em termos mais explícitos. “O absolutum”, escreve ele, “pressupõe um absolvens, que o absolve do não-ser do encobrimento.” É esse absolvens que funda, de um ponto de vista religioso, a necessidade e a legitimidade da angelogia. “O Anjo é o absconditum que se absolve de seu encobrimento. Aí se mostra a necessidade do Anjo, porque pretender prescindir do Anjo significa confundir o absolvente (absolvens) com o absolvido (absolutum).” Nessa confusão consiste propriamente, segundo Corbin, o erro da metafísica (seja na forma hegeliana, seja sobretudo na forma da teologia cristã ortodoxa): “Por isso, sob a cobertura da aspiração ao absoluto, esconde-se a idolatria metafísica. Esta não consiste em erigir o relativo em absoluto, mas em erigir o absoluto em absolvente”.

Na verdade, o pensamento hegeliano do Absoluto não está em contradição com tal formulação. Também para Hegel  , o Absoluto, como participio passado, tem necessidade de uma absolvição, que o leve a ser só no fim aquilo que é verdadeiramente. A absolvição consiste em “pôr a cisão no absoluto como sua aparência [Erscheinung]”, no reconhecer o fenômeno do Absoluto. A diferença entre as duas posições poderia ser a seguinte: enquanto em Hegel   a proposição especulativa seria, desse ponto de vista, “o absoluto é absolvente”, para Corbin ela soaria ao contrário: “O absolvente é o absoluto”. Em ambos os casos, é decisivo que, no saber absoluto, o absolvido já não está escondido em suas figuras, e o fenômeno está cumprido (está salvo, segundo a intenção do ta phainomena sozein platônico). Entramos aqui em uma região em que necessariamente Deus e Anjo se confundem, em que, portanto, a teologia deveria resolver-se na angeologia, e a angeologia, na teologia. Nesse ponto, as perguntas decisivas são estas: O que se passa com o fenômeno (com o Anjo, com o absolvente)? O que se passa com o absoluto (com Deus)?

Quanto à primeira pergunta: no ponto em que a revelação do absoluto se cumpre, o fenômeno se mostra já não como fenômeno, como figura realizada (isto é, já não figura de…).

Quanto à segunda: no ponto em que o Absconditum — tendo sido absolvido, reconduzido a *se — esgotou suas figuras, ele se mostra como sem figura. Só pensando em conjunto os dois lados (o Sem Figura e a Figura Completa), em sua recíproca apropriação, temos o si mesmo, a visão facial de Deus. Enquanto se permanecer em um só dos dois aspectos, todo cumprimento fica excluído, e não se faz senão repetir uma das figuras do fundamento negativo da tradição metafísica: no primeiro caso, o fenômeno subsiste como a aparência absoluta do niilismo; no segundo, o Sem Figura fica escondido no ofuscamento místico.

[AGAMBEN  , Giorgio. A potência do pensamento. Ensaios e conferências. Tr. Antônio Guerreiro. Belo Horizonte: Autêntica, 2015]


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