Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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cultura

quarta-feira 13 de dezembro de 2023

Kultur  

“Cultura” [Kultur], no sentido de cultivo [Pflege] e realização [Verwirklichung  ] de “valores” [Wert  ] e isto uma vez mais como “meta” [Ziel] ou como “meio” [Mittel  ] da humanidade [Menschentum  ] populista ou nacional ou humana, ou ainda como “expressão” [Ausdruck  ] da vida [Leben  ] popular, pressupõe a cada vez a concepção do ser como maquinação [Auffassung   des Seins als Machenschaft  ] (produtibilidade representada [vorgestellte Hergestelltheit]) e é constituída apenas com base no domínio do homem como sujeito [Subjektum]; o pensamento valorativo [Wertgedanke] é a manifestação mais extrínseca do ser como objetualidade [Gegenständlichkeit  ] (a “crítica” à “CULTURA” enquanto tal realizada em Ser e tempo   [SZ] funda-se na determinação essencial da historicidade [Wesensbestimmung   der Geschichtlichkeit  ], na distinção entre história e historiologia [Unterscheidung   von Geschichte und Historie], na interpretação da verdade como re-solução do ser-aí enquanto ser-no-mundo [Auslegung   der Wahrheit   als Entschlossenheit   des Da-seins als In-der-Welt  -seins]). O domínio da consciência CULTURAl [Herrschaft des Kulturbewußtseins] e, de acordo com ele, o domínio da política CULTURAl [Kulturpolitik] empreendem uma consolidação crescente da Modernidade [Neuzeit  ] na direção do esquecimento do ser [Seinsvergessenheit  ] por ela posto em ação; não uma determinada configuração e degeneração da CULTURA e da consciência CULTURAl, mas a “CULTURA” enquanto tal é o desenraizamento do homem [Entwurzelung   des Menschen] e significa o desatamento de sua essência, de todo modo infundada, da história [Geschichte]; esta rejeição da “CULTURA” não é nenhuma “intercessão” em favor do estado de “natureza” [»Natur  «-zustand]; a distinção entre “natureza” [Natur] e “CULTURA” se torna muito mais caduca por meio dessa rejeição, uma vez que a CULTURA sempre pressupõe a natureza [physei òn e poioumenon, prakton – ο modelo aristotélico]. A exclusão da história [Aussperrung aus der Geschichte], contudo, não pode ser superada imediatamente por meio da “política”, porque a política, por sua vez, tomada completamente por uma pretensão total de domínio, significa apenas a virada da CULTURA para a essência maquinacional técnico-historiológica consumada do homem moderno.
[…]
A “CULTURA” possui metafisicamente a mesma essência que a “técnica” [Technik  ]. A CULTURA é a técnica da historiologia [Kultur ist die Technik der Historie], o modo como o cálculo historiológico dos valores [historische Wert-rechnen  ] e a criação de bens [Güter-schaffen  ] se instaura e, com isto, se propaga o esquecimento do ser [Seinsvergessenheit]. [GA66  :168-169; tr. Casanova  :148-149]


O modelo de relação de nosso hoje com o passado [Vergangenheit  ] é algo que se pode verificar nas ciências históricas do espírito [Geisteswissenschaft]. Elas apresentam-se a si mesmas como meio em que a experiência histórica [geschichtliche Erfahrung  ] da vida passada se faz acessível e estabelecem, além disso, como se deve objetualizar [Vergegenständlichung] o passado de maneira teórico-científica. Elas caracterizam o passado histórico [geschichtliche Vergangenheit] em sua aparência, uma aparência de concepção bem determinada, e apresentam-no como se, em determinados aspectos, estivesse gravado na “consciência de formação” [Bildungsbewusstsein] (um como da interpretação pública [öffentlichen Ausgelegtheit  ]) e como se constituísse um patrimônio disponível. O passado e a vida passada passam a ser domínio objetual da ciência.

Nestas ciências, de antemão, considera-se o ser-aí passado [vergangenes Dasein  ] como isto ou aquilo? Com que caráter objetual apresenta-se o ser-aí para as ciências? Nos mais diversos estudos e análises concretas de arte, literatura, religião, costumes, sociedade, ciência e economia as quais valem de antemão para a caracterização decisiva, o aparecimento enquanto “expressão” [Ausdruck], isto é, objetivações do subjetivo [Objektivationen von Subjektivem], de uma vida CULTURAl [Kulturlebens] (alma CULTURAl [Kulturseele]) que pressiona e tende a tomar forma nelas [Anotação de Heidegger a este parágrafo: “O conjunto é por demais psicológico; melhor colocar também à vista os modos de ser temporal  , do ser-em e a ontologia dominante”.].

A uniformidade [Einheitlichkeit  ] predominante com que uma vida [Leben] possa alcançar expressão de certa CULTURA, e na qual se mantém e envelhece, é o que se costuma chamar de estilo peculiar de determinada CULTURA. O fato de que não se questione mais pelo caráter ontológico daquilo que as criações CULTURAis são expressão, torna manifesto como o interesse   compreensivo tem por finalidade as formas de expressão enquanto tais no como de seu ser expressivo [Ausdrucksein]. A última e única determinação de ser é: a CULTURA é um organismo, vida autônoma e independente (desenvolvimento, florescimento, decadência). [GA63  :36; tr. Kirchner:43]


Um quarto fenômeno [da Idade Moderna] se manifesta no fato de que o operar humano se interpreta e realiza como CULTURA. Assim, pois, a CULTURA é a realização efetiva dos supremos valores por meio do cuidado dos bens mais elevados do homem. A essência da CULTURA implica que, em sua qualidade de cuidado, esta cuide, por sua vez, de si mesma, convertendo-se em uma política CULTURAl. [DZW  ]
Nessa direção de decisão [Entscheidungsrichtung], não é característica a tecnicização [Technisierung] da "CULTURA" e a imposição da "visão de mundo" [Weltanschauung], mas sim o fato de a "CULTURA" e de a "visão de mundo" se tornarem meios da técnica de luta [Mitteln der Kampftechnik] para uma vontade [Wille  ], que não quer mais nenhuma meta [Ziel]; pois conservação do povo [Erhaltung des Volkes] não é nunca uma meta possível, mas apenas condição [Bedingung] do estabelecimento de uma meta. Se a condição, porém, se transforma em algo incondicionado, então ganha o poder o não querer da meta, o seccionamento de toda meditação [Besinnung  ] que venha a emergir da origem. Desaparece, então, completamente a possibilidade do conhecimento de que "CULTURA" e "visão de mundo" são já estacas de uma ordem do mundo [Weltordnung], que deve ser supostamente superada. "Cultura" e "visão de mundo" não perdem o seu caráter por meio do fato de elas serem colocadas a serviço da política; quer elas sejam consideradas como valores "em si" ou como valores "para" o povo, a cada vez a meditação, se é que ela é efetivamente uma tal meditação, está firmemente encravada no não querer as metas originárias, isto é, a verdade do seer [Seyn  ], na qual se decide pela primeira vez sobre a possibilidade e a necessidade de "CULTURA" e "visão de mundo". GA65MAC: 45

A entrada do homem na história do ser [Seinsgeschichte] é incalculável e independente de todo progresso [Fortschritt  ] ou derrota [Niedergang] da "CULTURA", uma vez que a própria "CULTURA" significa a fixação do abandono do ser [Seinsverlassenheit] do ente e uma vez que o crescente enredamento da essência humana [Menschenwesen] em seu "antropologismo" impele ou mesmo pressiona o homem [Mensch] ainda uma vez de volta para o desconhecimento cristão de toda verdade do seer [Wahrheit des Seyns]. GA65MAC: 116

A metafísica, porém, torna o ser sendo [Die Metaphysik   aber macht   das Sein seiend  ], isto é, ela o transforma em ente [Seiende], porque ela posiciona o ser enquanto "ideia" [Idee  ] como meta para o ente e anexa por assim dizer uma vez mais a "CULTURA" ao estabelecimento dessa meta. GA65MAC: 267