Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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clareira

quarta-feira 13 de dezembro de 2023

Lichtung  

Chamamos essa essência de CLAREIRA (Lichtung), palavra única, mas ainda não pensada. No sentido de abrigar abrindo e clareando, a CLAREIRA é a essência originária que se vela na aletheia  . Este é o nome grego para dizer verdade, mas para os gregos significa desencobrimento e des-cobrimento. Na essência escondida da aletheia, physis   (natureza) e phaos (luz) trazem o fundo da unidade velada de sua essência. Deve-se observar que, embora sem possuir a menor ideia sobre o nexo essencial acima referido entre physis e phaos, a linguística moderna chegou a reconhecer que as palavras physis e phaos são a mesma palavra. Mas o conhecimento linguístico não é prova de nada. E isso porque não passa de apêndice e consequência de opiniões tecidas com base em nexos de essência assumidos de forma inconsciente e irrefletida. [GA55MSC:32]


O que essa palavra dá a pensar pode esclarecer-se através de um exemplo, mas somente desde que o pensemos suficientemente como tal. Uma CLAREIRA na floresta é o que é não em virtude do claro e do luminoso que nela podem brilhar durante o dia. A CLAREIRA também subsiste na noite. CLAREIRA diz: nesse lugar, a floresta é transitável.

O luminoso no significado de claro e o luminoso da CLAREIRA são distintos não apenas no tocante a coisa como também no que diz respeito à palavra. Luzir (Lichten) significa: liberar, tornar e deixar livre. Luzir pertence à leve (leicht  ). Tornar algo leve, aliviar significa colocar à parte os obstáculos, trazer para o desimpedido e livre. Levantar a âncora significa liberá-la do fundo do mar e alçá-la para o livre da água e do ar.

Vigência está remitida à CLAREIRA no sentido de propiciar o livre. A seguinte questão então se coloca: o que luz na vigência de uma tal CLAREIRA liberadora?

Não será essa fala de CLAREIRA mais uma metáfora derivada da CLAREIRA da floresta? A CLAREIRA é, contudo, algo já vigente na floresta vigente. Entendida como propiciar o livre para uma vigência e uma demora do vigente, a CLAREIRA não é nem algo vigente nem uma propriedade da vigência. Mas a CLAREIRA e aquilo que ela ilumina permanecem sendo o que o diz respeito ao pensamento tão logo ele se depara com a questão sobre qual o seu parentesco com a vigência como tal.

Pensar que e como a CLAREIRA propicia vigência, isso pertence à questão sobre a determinação da coisa (causa) do pensamento que, devendo corresponder a essa coisa (causa) e ao estado de coisas que lhe é próprio, vê-se na necessidade de uma transformação. Espaço e tempo mostram-se como esse estado de coisas já que desde sempre colocam-se para o pensamento em conexão com a vigência do vigente. Todavia, é somente a partir da CLAREIRA que o próprio do espaço e do tempo e de sua relação recíproca tornam-se determináveis para a vigência como tal. [Coisa do Pensamento]


Mas o que é que permanece impensado, tanto na questão da Filosofia como em seu método? A dialética especulativa é um modo como a questão da Filosofia chega a aparecer a partir de si mesma para si mesma, tornando-se assim presença. Um tal aparecer acontece necessariamente em uma certa claridade. Somente através dela pode mostrar-se aquilo que aparece, isto é, brilha. A claridade, por sua vez, porém, repousa numa dimensão de abertura e de liberdade que aqui e acolá, de vez em quando, pode clarear-se. A claridade acontece no aberto e aí luta com a sombra. Em toda parte, onde um ente se presenta em face de um outro que se presenta ou apenas se demora ao seu encontro; mas também ali, onde, como em Hegel  , um ente se reflete no outro especulativamente, ali também já impera abertura, já está em jogo o livre espaço.

Somente esta abertura garante também à marcha do pensamento especulativo sua passagem através daquilo que ela pensa.

Designamos esta abertura, que garante a possibilidade de um aparecer e de um mostrar-se, com a CLAREIRA (die Lichtung). A palavra alemã "Lichtung" é, sob o ponto de vista da história da língua, uma tradução do francês “Clairière”. Formou-se segundo o modelo das palavras mais antigas "Waldung" e "Feldung".

A CLAREIRA da floresta contrasta com a floresta cerrada; na linguagem mais antiga esta era dominada "Dickung"?

O substantivo "CLAREIRA" vem do verbo "clarear". O adjetivo "claro" ("licht") é a mesma palavra que "leicht". Clarear algo quer dizer: tornar algo leve, tornar algo livre e aberto, por exemplo, tornar a floresta, em determinado lugar, livre de árvores. A dimensão livre que assim surge é a CLAREIRA. O claro, no sentido de livre e aberto, não possui nada de comum, nem sob o ponto de vista linguístico, nem no atinente à coisa que é expressa, com o adjetivo "luminoso" que significa "claro".

Isto deve ser levado em consideração para se compreender a diferença entre Lichtung e Licht. Subsiste, contudo, a possibilidade de uma conexão real entre ambos. A luz pode, efetivamente, incidir na CLAREIRA, em sua dimensão aberta, suscitando aí o jogo entre o claro e o escuro. Nunca, porém, a luz primeiro cria a CLAREIRA; aquela, a luz, pressupõe esta, a CLAREIRA. A CLAREIRA, no entanto, o aberto, não está apenas livre para a claridade é a sombra, mas também para a voz que reboa e para o eco que se perde, para tudo que soa e ressoa e morre na distância. A CLAREIRA é o aberto para tudo que se presenta e ausenta.

Impõe-se ao pensamento a tarefa de atentar para a questão que aqui é designada como CLAREIRA. Ao fazer isto, não se extraem - como facilmente poderia parecer a um observador superficial - simples representações de puras palavras, por exemplo, "CLAREIRA". Trata-se muito antes, de atentar que a singularidade da questão que é nomeada, de maneira adequada à realidade, com o nome de "CLAREIRA". O que a palavra designa no contexto agora pensado, a livre dimensão do aberto, é, para usarmos uma palavra de Goethe  , um "fenômeno originário". Melhor diríamos: uma questão originária. Goethe observa (Máximas e Reflexões, n° 993): "Que não se invente procurar nada atrás dos fenômenos: estes mesmos são a doutrina". Isto quer dizer: o próprio fenômeno, no caso presente, a CLAREIRA, nos afronta com a tarefa de, questionando-o, dele aprender, isto é, deixar que nos diga algo.

De acordo com isto, o pensamento provavelmente não deverá temer levantar um dia a questão se a CLAREIRA, a livre dimensão do aberto, não é precisamente aquilo em que tanto o puro espaço como o tempo estático e tudo o que neles se presenta e ausenta possui o lugar que recolhe e protege. [MHeidegger 102]


A metafísica só conhece a CLAREIRA do Ser ou simplesmente como o viso (der Her-blick) que oferece, em seu "aspecto" (idea  ), o presente (das Auwesende) ou criticamente como o visado na pro-spectiva (Hinsicht  ) da representação categorial por parte da subjetividade. Isso quer dizer: a Verdade do Ser, como a própria CLAREIRA, permanente oculta à metafisica. Esse estar-oculto, porém, não é uma deficiência da metafísica mas o tesouro de sua riqueza, que lhe é recusado e sem embargo lhe é oferecido. A própria CLAREIRA é o Ser. É ela que, dentro do destino do Ser, outorga à metafisica a perspetiva (Anblick), a partir da qual o pre-sente afeta o homem que se lhe apresenta, de sorte que, na percepção (noein  ), o próprio homem pode atingir o Ser (thigein, Aristóteles  , Met. VIII, 10). É a perspetiva (Anblick) que suscita pro-specção (Hin-sicht). Aquela se entrega a essa, quando a percepção se tornou um propor-diante-de-se (Vor-sich-Herstellen  ) na perceptio da res cogitans  , como subietum da certitudo. [CartaH]
Toda e qualquer denominação da tonalidade afetiva fundamental por meio de uma única palavra fixa-se sobre uma opiniáo equivocada. Toda e qualquer palavra é sempre retirada do que é legado pela tradição. O fato de a tonalidade afetiva fundamental do outro início precisar ser dotada de muitos nomes não contesta sua simplicidade, mas confirma sua riqueza e sua estranheza. Toda e qualquer meditação sobre essa tonalidade afetiva fundamental é constantemente apenas uma lenta equipagem com vistas ao insight afinador da tonalidade afetiva fundamental, que precisa permanecer fundamentalmente um a-caso. A equipagem com vistas a tal a-caso só consiste naturalmente, de acordo com a essência da tonalidade afetiva, na ação pensante transitória; e essa ação precisa crescer a partir do saber propriamente dito (do resguardo da verdade do seer). Mas se o seer se essencia como a recusa e se essa recusa mesma deve vigorar em sua CLAREIRA e ser conservada como recusa, então a prontidão para a recusa só pode subsistir como abdicação. A abdicação não é aqui, contudo, o mero não querer ter e o deixar de lado, mas ela acontece como a forma mais elevada da posse, cuja elevação encontra a decisão na franqueza do entusiasmo pela doação do insondável pelo pensar, isto é, pela doação da recusa. Nessa decisão, o aberto da transição é retido e fundado – o em-meio-a abissal do entre em relação ao não-mais do primeiro início e de sua história e ao ainda-não do preenchimento do outro início. Nessa decisão, toda guarda do ser-aí precisa fincar pé, na medida em que o homem como fundador do ser-aí precisa se tornar o guardião do silêncio do passar ao largo do último deus. Essa decisão, porém, enquanto pressentindo, é apenas a sobriedade da força de sofrimento do criador, aqui daquele que projeta a verdade do seer, que abre o silêncio para a violência essencial do ente, a partir da qual o seer (como acontecimento apropriador) torna-se apreensível. [tr. Casanova  ; GA65  : 6]

Até que ponto o deus se encontra afastado de nós, aquele que nos nomeia fundadores e criadores, porque sua essência precisa de tais homens? Ele está tão afastado que nós não conseguimos decidir, se ele se movimenta em nossa direção ou se ele está se distanciando de nós. E repensar plenamente essa distância mesma em sua essenciação como o tempo-espaço da suprema decisão significa questionar acerca da verdade do seer, acerca do próprio acontecimento apropriador, do qual toda história futura provém, se é que ainda haverá história. Essa distância da indecidibilidade do mais externo e do primeiro é o iluminado para o encobrir-se, é a essenciação da própria verdade como a verdade do seer. Pois o que se encobre dessa CLAREIRA, a distância da indecidibilidade, não é nenhum mero vazio presente à vista e indiferente, mas a essenciação mesma do acontecimento apropriador como essência do acontecimento apropriador, como essência da renúncia hesitante, que se apropria do ser-aí em meio ao acontecimento como já copertinente, o deter-se do instante e dos sítios da primeira decisão. [tr. Casanova; GA65: 7]

Na meditação e por meio dela acontece necessariamente o sempre-ainda-outro, que é importante propriamente preparar, mas que não encontraria os sítios do acontecimento apropriador, se não fosse uma CLAREIRA para o velado. A filosofia como automeditação da maneira indicada só é executável como pensar inicial do outro início. Essa automeditação deixou todo “subjetivismo” para trás, mesmo aquele que se esconde da maneira mais perigosa possível no culto à “personalidade”. Onde esse culto é estabelecido e, de maneira correspondente, onde é estabelecido na arte o “gênio”, tudo se movimenta, apesar dos asseguramentos em contrário, na via do pensamento do “eu” e da consciência moderna. Quer se compreenda a pessoalidade como a unidade “espírito-alma-corpo”, quer se inverta essa mistureba e só se estabeleça em primeiro lugar à guisa de afirmação o corpo, tudo isto não altera nada na confusão aqui dominante do pensar, que se desvia de toda e qualquer pergunta. O “espírito” é considerado sempre neste caso como “razão”, como a faculdade do poder-dizer-eu. Aqui, até mesmo Kant   já se encontrava para além desse liberalismo biológico. Kant viu: a pessoa é mais do que o “eu”; ela está fundada na autolegislação. Naturalmente, isto também permaneceu platonismo. E as pessoas querem fundamentar, por exemplo, o dizer-eu biologicamente? Se não, então essa inversão é de qualquer modo apenas uma brincadeira, o que ela também continua sendo mesmo sem isto, porque aqui permanece inquestionadamente pressuposta a metafísica velada de “corpo” e “sensibilidade”, “alma” e “espírito”. [tr. Casanova; GA65: 19]

O que e quem “é” o projetista é algo que só se torna tangível a partir da verdade do projeto; mas, ao mesmo tempo, também se torna velado a partir dai. Pois isto é o que há de mais essencial, o fato de que a abertura enquanto CLAREIRA faz com que o velar-se aconteça e só então o abrigo da verdade recebe o seu fundamento e seu aguilhão. [tr. Casanova; GA65: 21]

Aquela essência da verdade, contudo, a CLAREIRA e o encobrimento extasiantes e fascinantes como origem do aí, se essencia em seu fundamento, que nós experimentamos como acontecimento da apropriação. A aproximação e a fuga, a chegada e a evasão, ou a simples elisão dos deuses; para nós, no ser senhor, isto é, no início e no ser dominante sobre esse acontecimento, cujo domínio final inicial se mostrará como o último deus. Em seu aceno, o ser mesmo, o acontecimento apropriador enquanto tal, se torna pela primeira vez visível, e esse brilhar carece tanto da fundação da essência da verdade como CLAREIRA e como encobrimento quanto de seu abrigo derradeiro nas figuras transformadas do ente. De resto, o que se pensou até aqui sobre espaço e tempo, que pertencem retroativamente a essa origem da verdade, já é, como Aristóteles já tinha exposto pela primeira vez na Física, uma consequência da essência já fixada do ente como ousia   e da verdade como correção e de tudo aquilo que se obtém a partir daí em termos de “categorias”. Quando Kant caracteriza espaço e tempo como “intuições”, isto não é outra coisa senão, no interior dessa tradição, uma fraca tentativa de salvar em geral a essência própria de espaço e tempo. Mas Kant não tem nenhum caminho para a essência de espaço e tempo. A orientação pelo “eu”, pela “consciência” e pelo re-presentar obstrui pura e simplesmente todo e qualquer caminho e vereda. [tr. Casanova; GA65: 32]

Neste caso, aquilo que é aqui denominado de-cisão ganha o meio essencial mais íntimo do seer mesmo e passa a não ter mais nada em comum com aquilo que se chama a tomada de uma escolha e coisas do gênero, mas diz: a dissociação mesma, que cinde e, na cisão, deixa entrar em jogo pela primeira vez o acontecimento da apropriação justamente desse aberto no dissociado como a CLAREIRA para o que se encobre e ainda se mostra como in-decidido, o pertencimento do homem ao seer e a referencialidade do seer ao cerne do tempo do último deus. [tr. Casanova; GA65: 43]

O “tempo” como temporialidade, o que se tem em vista é a unidade originária do arrebatamento extasiante marcado por CLAREIRA e por encobrimento, oferece o fundamento mais próximo para a fundação do ser-aí. Com esse estabelecimento, a forma até aqui de resposta não deve ser, por exemplo, mantida, sim, nem mesmo substituída, ou seja, ao invés das “ideias” ou de sua desaprovação no século 19, ao invés dos “valores” não devem ser posicionados outros “valores” ou não deve ser posicionado valor nenhum. Ao contrário, o “tempo” aqui e, de maneira correspondente, tudo aquilo que é concebido sob o título “existência”, possui um significado completamente diverso, a saber, o significado da fundação dos sítios abertos da instantaneidade para um ser histórico do homem. Como todas as decisões até aqui não se mostram mais no âmbito das “ideias” ou do “ideal  ” (“visões de mundo”, ideias de cultura e coisas do gênero) como decisões, porque elas não colocam mais de maneira alguma em questão o seu espaço de decisão e ainda menos a verdade mesma enquanto verdade do seer, é preciso antes de tudo dirigir a meditação para a fundação de um espaço de decisão, isto é, a indigência da falta de indigência precisa ser primeiro experimentada, o abandono do ser. No entanto, onde quer que, no sentido até aqui, ainda que com tomadas de empréstimo externas junto à “filosofia da existência”, tudo permanece no âmbito da “cultura”, da “ideia”, do “valor” e do “sentido”, aí, visto em termos da história do ser e a partir do pensamento inicial, o abandono do ser é uma vez mais solidificado e a falta de indigência é por assim dizer elevada ao nível de princípio fundamental. [tr. Casanova; GA65: 119]

Toda a abertura de um fosso abissal do seer já está, com isso, codecidida na direção de sua manifestabilidade e de seu encobrimento iniciais. E pode ser que o outro início também não consiga senão reter o acontecimento apropriador uma vez mais em uma reluzência única, abrigando-a como CLAREIRA, de maneira correspondente ao modo como no primeiro início apenas a physis – e essa só muito diafanamente e por um instante – chegou à reunião (logos  ). [tr. Casanova; GA65: 120]

O “tempo” deveria se tornar experimentável como o campo de jogo “ekstático” da verdade do seer. O arrebatamento extasiante em meio ao clareado deveria fundar a própria CLAREIRA como o aberto, no qual o seer se reúne em sua essência. Tal essência não pode ser comprovada como algo presente à vista, sua essenciação precisa ser esperada como um choque. O primeiro e longo permanece: poder esperar nessa CLAREIRA até que os acenos venham. Pois o pensar não tem mais o favor do “sistema”, ele é histórico no sentido único de que o seer mesmo suporta pela primeira vez como acontecimento apropriador toda história e, por isso, nunca pode ser alcançado pelo cálculo. [tr. Casanova; GA65: 125]

[A abertura do fosso abissal] Essa abertura é o desdobramento que permanece em si da intimidade do seer mesmo, na medida em que nós o “experimentamos” como a recusa e como a recusa transvertora. Caso se quisesse tentar de qualquer modo o impossível e se buscasse apreender a essência do seer com o auxílio das “modalidades” metafísicas, então poder-se-ia dizer: a recusa (a essenciação do seer) é a mais elevada realidade efetiva do mais elevado possível enquanto possível, e, com isso, a primeira necessidade; contudo, seria preciso deduzir daí a proveniência das “modalidades” da ousia. Essa “elucidação” do seer, porém, o arranca de sua verdade (da CLAREIRA do ser-aí) e o degrada ao pura e simplesmente presente à vista em si, a mais deserta desertificação que pode caber ao ente. E pensemos no que acontece se essa desertificação for transportada ainda até mesmo para o seer! Ao contrário, precisamos tentar pensar a abertura do fosso abissal a partir daquela essência fundamental do seer, graças à qual ele se mostra como o reino da decisão para a luta dos deuses. Essa luta joga por sua chegada e fuga, em cuja luta os deuses pela primeira vez se deízam e colocam em decisão seu deus. [tr. Casanova; GA65: 127]

O seer é o estremecimento dessa deização, o estremecimento como extensão do campo de jogo temporal  , no qual ele mesmo apropria para si a sua CLAREIRA (o aí) em meio ao acontecimento como a recusa. [tr. Casanova; GA65: 127]

A contenda do seer contra o ente, contudo, é esse encobrir-se da retenção de um pertencimento originário. Assim, o acontecimento da apropriação tem nesse subtrair-se doador por toda parte a essência do encobrir-se, o que, para se essenciar, precisa da mais ampla CLAREIRA. [tr. Casanova; GA65: 131]

O estremecimento dessa vibração na viragem do acontecimento apropriador é a essência velada do seer. Esse encobrimento se clareia como encobrimento apenas na mais profunda CLAREIRA dos sítios do instante. O seer “precisa”, para se essenciar com aquela raridade e unicidade, do ser-aí, e esse ser-aí funda o ser humano, é para ele o fundamento, na medida em que o homem o funda, suportando-o, insistentemente. [tr. Casanova; GA65: 141]

O aí é o sítio acontecencial, apropriado em meio ao acontecimento e insistente do instante da virada para a CLAREIRA do ente no acontecimento da apropriação. A diferenciação não tem mais nada do que é visado e necessitado sem qualquer solo de maneira apenas lógico-categorial-transcendental  . A mera representação de ser e ente como o diferente se torna agora insípida e induz em erro, na medida em que ela re-tém na mera representação. O que é aberto nela de maneira pensante só pode ser pensado de forma modelar em geral em toda a junção fugidia do projeto do ser-aí. [tr. Casanova; GA65: 151]

Em termos de “visão de mundo”, o ser para a morte permanece inacessível; e, se ele é assim equivocadamente interpretado, como se o sentido de ser em geral e, com isso, a sua “nulidade” no sentido habitual devessem ser ensinados, então tudo é arrancado de seu contexto essencial. O essencial não é levado a termo, a saber, o pensar próprio à suma conceitual do ser-aí, em cuja CLAREIRA se desentranha a plenitude da essenciação do seer em se encobrindo. [tr. Casanova; GA65: 163]

O ser-aí como a essenciação da CLAREIRA do que se encobre pertence a esse encobrir-se mesmo, que se essência como o acontecimento apropriador. [tr. Casanova; GA65: 173]

O ser-aí é a suportabilidade insistente da CLAREIRA, isto é, da livre, desprotegida, pertinência ao aí, no qual o seer se encobre. [tr. Casanova; GA65: 173]

Somente assim o seer entra em jogo plenamente como acontecimento apropriador e ainda não se mostra aí, tal como na metafísica, como o “mais elevado”, ao qual só se retorna imediatamente. De acordo com isso, então, também a partir do ente, contanto que ele já comece a se tornar mais essente, o aí precisa ser desdobrado em seu poder de CLAREIRA reunido. O ser-aí mesmo se torna, enquanto apropriado em meio ao acontecimento, um fundamento próprio para si que se abre do si mesmo; e por meio desse si mesmo é que a guarda do homem recebe pela primeira vez a sua agudeza, a sua decisão e sua intimidade. [tr. Casanova; GA65: 175]

A “imaginação” como acontecimento da CLAREIRA mesma. Só que a “imaginação”, imaginatio, é o nome que denomina a partir da posição de visada da apreensão imediata do ón   e do ente. Computado a partir daí, todo seer e sua reabertura são um construto que se adiciona àquilo que é supostamente palpável. Mas tudo aqui é invertido: “imaginado” no sentido habitual é sempre o assim chamado ente presente à vista “efetivamente real”. É ele que é trazido para o interior de uma construção imagética, que é levado a aparecer na CLAREIRA, no aí. [tr. Casanova; GA65: 192]

O quão pouco, porém, a representação diretriz da luz podia fixar aquele aberto e sua abertura e elevá-los ao nível do saber, é algo que se mostra no fato de precisamente a “CLAREIRA” e o “clareado” não terem sido apreendidos, mas de a representação ter se desdobrado na direção do luzir, do fogo e da centelha, com o que, então, logo só permaneceu normativa ainda uma relação causal da iluminação, até que, por fim, tudo resvalou e decaiu na indeterminação da “consciência” e da perceptio. Assim como o aberto e a abertura não foram perseguidos em sua essenciação (algo diverso tinha sido antes de tudo em geral entregue aos gregos como tarefa), também não ficou claro nem foi atribuído a uma experiência fundamental a essenciação do velamento – o encobrimento. Aqui também, de maneira autenticamente grega, o velado se transformou em algo ausente, e o acontecimento do encobrimento se perdeu tanto quanto, com isso, a necessidade de fundá-lo expressamente e de concebê-lo completamente em sua conexão interna com a essenciação da abertura, fundando, por fim e em primeiro lugar, esse elemento uno também como uma essência originariamente própria. [tr. Casanova; GA65: 214]

O acontecimento da apropriação em sua viragem não está encerrado nem no clamor nem no pertencimento apenas. Ele não está em nenhum dos dois e, contudo, é acessível nos dois; e o estremecimento dessa acessibilidade na viragem do acontecimento apropriador é a essência mais velada do seer. Esse encobrimento carece da mais profunda CLAREIRA. O seer “precisa” do ser-aí. [tr. Casanova; GA65: 217]

Só se nos encontramos na CLAREIRA, experimentaremos o encobrir-se. A verdade jamais se mostra como o “sistema” que é composto por sentenças, às quais se poderia recorrer. Ela é o fundamento como o fundamento que recolhe e que atravessa de maneira soberana, que prepondera sobre o velado, sem suspendê-lo, a tonalidade afetiva que afina como esse fundamento. Pois esse fundamento é o próprio acontecimento apropriador como essenciação do seer. O acontecimento apropriador suporta a verdade = a verdade é atravessada de maneira soberana pelo acontecimento apropriador. [tr. Casanova; GA65: 222]

O encobrir-se atravessa de maneira soberana a CLAREIRA, e é só se isso acontece, só se o querelante impera inteiramente em sua intimidade sobre o “aí”, que pode ter sucesso o arrancar do âmbito indeterminado e não concebido de modo algum enquanto tal do re-presentar e do vivenciar, tentando, então, a insistência do ser-aí. [tr. Casanova; GA65: 225]

Se é somente quando o encobrir-se impera sobre todas as regiões do gerado, do criado e do sacrificado, essenciando-os um no outro; se é somente quando ele determina a CLAREIRA e, assim, se essencia ao mesmo tempo indo ao encontro do que se cerra no interior da CLAREIRA, então é só nesse momento também que emerge mundo e, juntamente com ele, a partir da “coetaneidade” de seer e ente, vem à tona a terra. Agora, um instante é história. [tr. Casanova; GA65: 225]

Em minhas tentativas até aqui para o projeto dessa essência da verdade, o esforço para me tornar compreensível se encaminhara sempre em primeiro lugar para deixar claro os modos da CLAREIRA e as modulações do encobrimento e sua copertinência essencial (cf, por exemplo, a conferência sobre a verdade de 1930). [tr. Casanova; GA65: 226]

[A essência da verdade é a não-verdade] Por meio dessa sentença concebida conscientemente como autocontraditória deve ser expresso o fato de que pertence à verdade o caráter negativo, mas de modo algum apenas como falha, mas como algo que resiste, como aquele encobrir-se que surge na CLAREIRA enquanto tal. Com isso se apreende a ligação originária da verdade com o seer enquanto acontecimento apropriador. Apesar disso, essa sentença é duvidosa quando se tem a intenção de se aproximar da estranha essência da verdade por meio de tal estranhamento. Concebida de maneira completamente originária reside nela a intelecção essencial e ao mesmo tempo a indicação para a intimidade e para o caráter contencioso no seer mesmo enquanto acontecimento apropriador. [tr. Casanova; GA65: 228]

Todo projeto toma aquilo que se volta para a sua CLAREIRA e que é assim liberado para a rearticulação com o projetista e vice-versa: o projetista só se torna ele mesmo, na medida em que ele assume aquela vinculação. [tr. Casanova; GA65: 229]

Aquele que projeta precisa assumir a vinculação, e, com isso, ele faz frente pela primeira vez ao caráter de jogado, na medida em que se mostra que o que projeta pertence ao aberto por meio da CLAREIRA e é trazido ele mesmo para o espaço livre. [tr. Casanova; GA65: 229]

O que sobrecarrega tanto e quase chega mesmo a bloquear o pensamento mais próprio de Nietzsche   é a intelecção do fato de que a essenciação da verdade significa: ser-aí, isto é, encontrar-se em meio à CLAREIRA do que se encobre e haurir daí o fundamento e a força do ser humano. Pois, apesar das ressonâncias do “perspectivismo”, a “verdade” continua enredada na “vida” e a vida mesma, de maneira quase coisal, um centro de vontade e de força, que quer sua elevação e superelevação. [tr. Casanova; GA65: 234]

A-bismo é a renúncia hesitante do fundamento. Na renúncia abre-se o vazio originário, acontece a CLAREIRA originária, mas a CLAREIRA ao mesmo tempo, para que se mostre nela a hesitação. O a-bismo é o encobrimento clareador primeiramente essencial, a essenciação da verdade. Uma vez, porém, que a verdade é o encobrimento clareador do seer, ela é como a-bismo antes de tudo fundamento, que só funda como o imperar inteiramente de maneira sustentadora do acontecimento apropriador. Pois a renúncia hesitante é o aceno, no qual o ser-aí, justamente a constância do encobrimento clareador, é reacenado, e essa é a vibração da viragem entre clamor e pertencimento, o acontecimento da apropriação, o seer mesmo. [tr. Casanova; GA65: 242]

O a-bismo como o permanecer de fora do fundamento no sentido citado é a primeira CLAREIRA do aberto como o “vazio”. Mas que vazio se tem em vista aqui? Não aquele não ocupado das formas de ordenação e dos quadros para o ente presente à vista calculável fornecidos por espaço e tempo, não a ausência do ente presente à vista no interior desses, mas o vazio tempo-espacial, o fender-se originário no renunciar-se hesitante. Todavia, essa autorrenúncia não precisa se deparar com uma pretensão, uma busca, um querer arremeter-se numa direção, para que uma autorrenúncia possa se dar? Com certeza, mas os dois se essenciam sempre a cada vez como acontecimento apropriador, e agora o importante é apenas determinar a essência do próprio vazio, o que quer dizer: pensar a a-bissalidade do abismo; como o a-bismo funda. Propriamente, isso nunca tem como ser pensado senão a partir do fundamento originário, do acontecimento apropriador, e na execução do salto para o interior de sua viragem vibrante. [tr. Casanova; GA65: 242]

“Permanência de fora” como autorrenúncia (hesitante) do fundamento é essenciação do fundamento como a-bismo. O fundamento necessita do a-bismo. E a CLAREIRA, que acontece no renunciar-se, não é nenhum mero fender-se como uma boca bocejante (chaos   – contra physis), mas o rejuntar afinador dos tres-loucamentos essenciais justamente desse clareado, que deixa aquele encobrir-se vir a encontrar-se nele. E isso porque a verdade como encobrimento clareador é a verdade do seer como acontecimento apropriador, a verdade do acontecimento da apropriação que oscila de lá para cá e de cá para lá, acontecimento esse que, se fundando na verdade (na essenciação do aí), conquista nela e apenas nela para si também a CLAREIRA para o seu encobrir-se. [tr. Casanova; GA65: 242]

Buscar nunca é um mero ainda não ter, um prescindir. Visto assim, ele não é senão equivocadamente calculado a partir do resultado alcançado. Em primeiro lugar e propriamente, a busca é o pro-cedimento em direção ao âmbito, no qual a verdade se reabre ou se renuncia. Buscar é algo em si por vir e um aproximar-se do ser. A busca traz aquele que busca pela primeira vez a ele mesmo, isto é, à mesmidade do ser-aí, no qual a CLAREIRA e o encobrimento do ente acontecem. [tr. Casanova; GA65: 250]

A diferença na questão acerca do ser pode ser retida formalmente por dois títulos; o primeiro diz: ser e pensar, o outro: ser e tempo  . No primeiro título, o ser é compreendido como a entidade do ente; no outro, como o ser, cuja verdade é inquirida. No primeiro, “pensar” significa o fio condutor, ao longo do qual o ente é interrogado com vistas à sua entidade: o enunciar representativo. No outro, “tempo” designa a primeira indicação da essência da verdade no sentido da CLAREIRA aberta de acordo com o arrebatamento extasiante do campo de jogo, no qual o seer se oculta e, se ocultando, se doa pela primeira vez expressamente em sua verdade. Em sua relação, por conseguinte, os dois títulos não podem ser interpretados de maneira alguma de tal modo que não seria necessário senão substituir no segundo o “pensar” que aparece no primeiro pelo “tempo”, como se a mesma questão acerca da entidade do ente devesse a partir de então, ao invés de ser levada a termo a partir do fio condutor da representação enunciativa, ser realizada a partir do fio condutor do tempo, sendo que o “tempo”, então, continuaria sendo pensado imediatamente segundo o seu conceito usual. Ao contrário, o “papel” do pensar e aquele do “tempo” são a cada vez papéis fundamentalmente diversos; sua determinação dá ao “e” nos dois títulos uma inequivocidade a cada vez própria. Ao mesmo tempo, porém, por meio da questão acerca do ser no sentido do título “ser e tempo”, é criada uma possibilidade de conceber mais originariamente, isto é, em termos da história do ser, a história da questão do ser no sentido do título “ser e pensar”, e de tornar visível pela primeira vez a verdade do ser, necessariamente inquestionada no interior da metafísica, no caráter temporal do ser por meio da referência à vigência da presentação e da constância na essência da physis, da idea e da ousia. Essa referência é tanto mais decisiva em termos da história do ser, uma vez que, na história ulterior da questão do ser, o caráter temporal da entidade é cada vez mais velado, de tal modo que a tentativa de unir o ser (e a atemporalidade das categorias e dos valores) com o “tempo”, indiferentemente de como isso possa vir a se dar, se depara imediatamente com uma resistência, que tem sua força naturalmente apenas na cegueira do não querer questionar. Como o caráter “temporal” do próprio ser, com base na não concepção da questão acerca da verdade (do “sentido”) do seer, permanece completamente estranho, as pessoas se salvam por meio da equiparação do ser com o ser-aí, que, então, uma vez que ele designa de algum modo o ser humano, é compreensível em sua “temporalidade”. Assim, porém, tudo se evade da via da questão do ser e se comprova ao mesmo tempo que um título por si, caso faltem o empenho e o saber interpretá-lo ao menos em sua intenção, não consegue nada. Todavia, esse saber nunca pode ser comunicado e difundido como os conhecimentos de algo presente à vista. Já na transição devem seguir aqueles que trazem esse saber uns para os outros, na medida em que eles, pressentindo as decisões, se aproximam uns dos outros e, contudo, não se encontram. Pois ele precisa dos particulares dispersos, para deixar amadurecer a decisão. Mas esses particulares trazem consigo ainda o sido da história do ser velado, aquele desvio, tal como poderia se mostrar, que a metafísica precisou pegar pelo ente, a fím de não atingir o ser e, assim, chegar a um fim, que é forte o suficiente para a indigência em relação ao outro início, o qual auxilia imediatamente a voltar para o cerne da originariedade do primeiro início e que transforma o passado no que não foi perdido. [tr. Casanova; GA65: 259]

Quem quer seguir algum dia a história do seer sob os seus olhos e experimentar como o seer permanece de fora em seu próprio espaço essencial, entregando esse espaço por um longo tempo à sua inessência, que impele para frente a expansão do “ente”, a fim de conservar até mesmo a in-essência para a essência, à qual ela de fato pertence, precisa poder compreender em primeiro lugar que projetos são jogados naquilo que, graças à sua CLAREIRA, se transforma posteriormente no ente e que só passa a tolerar o seer como um adendo a ele, que é meditado pela “abstração”. [tr. Casanova; GA65: 262]

Em um caminho histórico, esse é um passo para alcançarmos a proximidade daquele pensar, que não compreende mais o projeto como condição da representação, mas como ser-aí e como o caráter de jogado de uma CLAREIRA que chega a se erguer, cujo primeiro elemento continua sendo permitir o encobrimento e, assim, tornar manifesta a recusa. [tr. Casanova; GA65: 262]

A questão do seer enquanto questão fundamental não seria concebida de maneira alguma a partir de seu caráter mais digno de questão, se ela não fosse imediatamente impelida para a questão acerca da origem da “diferença ontológica”. A diferenciação entre “ser” e “ente”, o fato de o seer se destacar do ente, só pode ter sua origem, se é que o ente enquanto tal é fundado pelo seer, na essenciação do seer. A essência e o fundamento desse destaque é o obscuro, aquilo que reside cerrado em toda metafísica; e de maneira tanto mais estranha, quanto mais decididamente a metafísica se cristaliza na pensabilidade da entidade e, sobretudo, no sentido do pensar absoluto. A essência e o fundamento desse destaque é o seer como acontecimento da apropriação. Esse seer se volta como o entre clareador para o interior dessa CLAREIRA e é, por isso, sem jamais ser reconhecido e pressentido como o acontecimento da apropriação, a partir do pensar representativo como ser em geral, algo diferenciável e diferenciado. Para a essenciação do seer que se dá no primeiro início, isso é considerado como physis, que vem à tona como aletheia, mas ao mesmo tempo acima do ente, que é apreensível por meio dela como um tal, que é esquecido e reinterpretado como o maximamente ente, como um modo de ser e como o modo de ser mais elevado do ente. Aqui reside ao mesmo tempo o fundamento pelo qual a diferença ontológica enquanto tal não ganha o espaço do saber, uma vez que, no fundo, uma diferenciação é sempre exigida apenas entre ente e ente (maximamente ente). Vê-se a consequência na confusão amplamente difundida no uso dos nomes “seer” e “ente”, que se encontram reciprocamente um para o outro de maneira arbitrária, de tal modo que, apesar de ter em vista o seer, só se re-presenta de qualquer modo um ente e se o apresenta como o que há de mais universal de todo re-presentar. O ser (enquanto ens qua ens – ens in comune) é apenas a mais fina diluição do ente e mesmo ainda um tal e, como ele determina todo ente a se mostrar enquanto ente, o mais essente do ente. Mesmo que agora, depois da denominação decidida dessa diferenciação em Ser e tempo, as pessoas se empenhem por uma terminologia mais cuidadosa, nada é alcançado e não atesta de maneira alguma que um saber e um questionar acerca do seer teriam se vivificado. Ao contrário, o risco é agora mais elevado de que o ser mesmo seja tomado por si e elaborado como algo presente à vista. [tr. Casanova; GA65: 266]

O seer se essencia como o entre para o deus e o homem, mas de tal modo que esse espaço intermediário só arranja espacialmente para o deus e para o homem a possibilidade essencial, um entre que se choca contra sua margem e que a deixa ressurgir pela primeira vez a partir do choque como margem, sempre pertencendo à corrente do acontecimento apropriador, sempre velada na riqueza de suas possibilidades, sempre o de lá para cá e o de cá para lá das ligações inesgotáveis, em cuja CLAREIRA se juntam fugidiamente e afundam mundos, se descerram terras, suportando a destruição. Mas também de tal e tal modo antes de tudo, o seer precisa permanecer sem interpretação, a ousadia contra o nada, que deve apenas ao seer a sua origem. [tr. Casanova; GA65: 267]

O des-locamento consiste no acontecimento da apropriação do ser-aí; e isso de tal modo, com efeito, que no aí que se clareia (no a-bismo do que não possui apoio nem proteção) o acontecimento da apropriação se subtrai. Des-locamento e retração se ligam ao seer enquanto acontecimento apropriador. Neste caso, não acontece nada no interior do ente, o seer permanece inaparente, mas pode acontecer com o ente enquanto tal de ele, voltado para a CLAREIRA do in-habitual, lançar por terra seu caráter habitual e precisar se colocar em relação à de-cisão sobre como ele satisfaz ao seer. Isso não significa, porém, dizer como é que ele se ajustaria e corresponderia ao seer, mas como ele, o ente, resguarda e perde a verdade da essenciação do seer, chegando aí à sua própria essência, que consiste em tal resguardo. As formas fundamentais desse resguardo, contudo, são a abertura de uma totalidade do mundo (mundo) e o fechar-se diante de todo projeto (terra). Essas formas fundamentais só deixam emergir o resguardo e são elas mesmas na contenda, que se essencia a partir da intimidade do acontecimento da apropriação do acontecimento apropriador. Sempre a cada vez em cada um dos lados dessa contenda se encontra aquilo que nós conhecemos metafisicamente como o sensível e o não sensível. Por que, contudo, precisamente essa contenda entre mundo e terra? Porque, no acontecimento apropriador, o ser-aí acontece de maneira apropriadora e se transforma na jurisdicionalidade do homem, porque o homem é chamado para a guarda do seer a partir da totalidade do ente. Como, porém, o elemento querelante, a partir do qual nós temos de pensar em termos da história do seer o homem e seu “corpo”, a “alma” e o “espírito”? [tr. Casanova; GA65: 269]

O entre é a implosão simples, que se apropria do seer em meio ao acontecimento naquele ente até então reservado para a sua própria essência que ainda não pode ser denominado assim. Essa implosão é a CLAREIRA para o velado. A implosão, contudo, não dispersa, e a CLAREIRA não é nenhum mero vazio. [tr. Casanova; GA65: 270]

O seer é o acontecimento apropriador contestador, que reúne originariamente o que é por ele apropriado em meio ao acontecimento (o ser-aí do homem) e o que é por ele recusado (o deus) no abismo daquele entre, em cuja CLAREIRA mundo e terra contestam um ao outro o pertencimento de sua essência ao campo de jogo temporal, no qual chega à preservação aquele verdadeiro que se encontra em tal preservação como o “ente”. [tr. Casanova; GA65: 270]

A excedência dos deuses é o ocaso na fundação da verdade do seer. O seer, porém, se apropria do ser-aí em meio ao acontecimento para a fundação de sua verdade, isto é, de sua CLAREIRA, porque, sem essa de-cisão clareadora de si mesmo na urgência do deus e na guarda do ser-aí, ele precisaria consumir a si mesmo no fogo da própria brasa não dissolvida. Como podemos saber o quão frequentemente isso já não aconteceu? Se nós o soubéssemos, então não haveria a necessidade de pensar o seer na unicidade de sua essência. [tr. Casanova; GA65: 271]