Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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abandono

quarta-feira 13 de dezembro de 2023

Verlassenheit  

Nós já nos movimentamos, apesar de em um primeiro momento apenas transitoriamente, em uma outra verdade (na essência transformada e mais originária de “verdadeiro” e “correto”). A fundação dessa essência naturalmente exige um empenho do pensar, tal como ele só precisou ser levado a termo no primeiro início do pensar ocidental. Esse empenho é para nós estranho, porque nós não pressentimos nada daquilo que exige o domínio do simples. Os homens atuais mesmo, que quase não são dignos de serem citados em um ABANDONO deles, permanecem excluídos do saber do caminho pensante; eles se refugiam em “novos” conteúdos e dão e arranjam para si, com a introdução do “politico” e “racial” um adorno até aqui não conhecido das antigas peças de aparelhamento da filosofia escolar. [tr. Casanova  ; GA65  : 5]

[A decisão] Sobre o quê? Sobre história ou perda da história, isto é, sobre o pertencimento ao seer ou o ABANDONO no não ente. Por que decisão, isto é, em razão de quê? Pode-se decidir sobre isso? O que é em geral decisão? A escolha; não, escolher se remete sempre apenas ao previamente dado e ao que é passível de ser tomado e rejeitado. De-cisão visa aqui à fundação e à criação, dispor antecipadamente e para além de si ou abdicar e perder. Todavia, isso não é por toda parte e aqui uma arrogância e uma impossibilidade ao mesmo tempo: A história não vem e vai veladamente, tal como ela segue? Sim e não. A decisão é tomada no mais tranquilo silêncio e tem a mais longa história. Quem decide? Qualquer um, também por meio da não decisão e do não querer saber dela, por meio do desvio ante a preparação. O que se encontra em decisão? Nós mesmos? Quem nós? Em nosso pertencimento e não pertencimento ao ser. A decisão ligada com a verdade do ser, não apenas ligada, mas apenas a partir dela determinada. A decisão é, com isso, visada em um sentido insigne. Por isto também o discurso acerca da decisão extrema, que é ao mesmo tempo a mais íntima. Em razão de que, contudo, essa decisão? Porque só ainda a partir do mais profundo fundamento do próprio seer há uma salvação do ente; salvação como conservação justificadora da lei e como missão do Ocidente. Isso precisa acontecer? Em que medida só ainda assim há uma salvação? Porque o perigo ascendeu ao extremo, uma vez que por toda parte se faz presente o desenraizamento e, o que é ainda mais fatídico, porque o desenraizamento já está à beira de se encobrir – o começo da a-historicidade já está aí. A decisão é tomada em silêncio, não como resolução, mas como um caráter resoluto, que já funda a verdade, isto é, que já recria o ente e, assim, se mostra como decisão criadora ou como atordoamento. Por que, porém, e como preparação dessa decisão? A luta contra a destruição e o desenraizamento é apenas o primeiro passo na preparação, o passo em direção à proximidade do espaço propriamente dito da decisão. [tr. Casanova; GA65: 46]

A era da completa ausência de questões não tolera nada digno de questão e destrói toda solidão. Por isso, ela precisamente precisa difundir o discurso acerca do fato de que, ao mesmo tempo, cada um de nós adquire conhecimento por meio da solidão desse solitário e é instruído a tempo sobre o seu fazer em termos de “imagens” e “sons”. Aqui, a meditação toca tangencialmente o elemento sinistro da era e se sabe também, afinal, muito distante de todo e qualquer tipo de “crítica temporal  ” e de “psicologia” vulgar. Pois é importante saber que aqui, em todo o deserto e em todo o caráter terrível, ressoa algo da essência do seer e alvorece o ABANDONO do ente (enquanto maquinação e vivência) pelo seer. Essa era da completa ausência de questão só pode ser ultrapassada por uma era da simples solidão, na qual se prepara a prontidão para a verdade do próprio seer. [tr. Casanova; GA65: 51]

Por que é que a ratio, de início ainda em união com a fides, não deve requisitar o mesmo para si própria, se assegurando de si mesma e transformando essa segurança no critério de medida de toda solidificação e de toda “funda”-mentação (ratio como fundamento)? Agora começa uma negação do peso do pensar em meio ao auto-asseguramento do pensar (veritas se transforma em certitudo); e na fórmula, por isso, precisa ser estabelecido agora o pensar e, em verdade, na pretensão de realização modificada. De maneira correspondente modifica-se a determinação da entidade do ente e se transforma em objetualidade: Pensar (certeza) e objetualidade (entidade). É preciso mostrar como a partir daqui: 1) O pensar moderno até Kant   é determinado; 2) Como é que, a partir daqui, a originariedade do pensar kantiano emerge; 3) Como é que, por meio de um impulso de volta para o interior da tradição cristã, juntamente com o ABANDONO da posição kantiana, surge o pensar do idealismo alemão; 4) Como é que a falta de força do pensar metafísico juntamente com as forças efetivas do século 19 (liberalismo – industrialização – técnica) exige o positivismo; 5) Como é que, ao mesmo tempo, a tradição de Kant e do Idealismo Alemão é conservada e como é que é buscada uma retomada do pensamento platônico (Lotze   e sua metafísica dos valores); 6) Como é que, para além disso, e, contudo, sustentado e amarrado por isso, Nietzsche   reconhece na confrontação com o construto híbrido de todos o mais questionável (a partir de 3, 4 e 5) de Schopenhauer   a sua tarefa como a superação do platonismo, sem, porém, penetrar no âmbito da questão e na posição fundamental, a partir dos quais pode ser assegurado pela primeira vez para essa tarefa a libertação em relação ao que se deu até aqui. Nessa história permanece cada vez mais óbvia e, por isso, impensada a postura da questão diretriz no sentido da fórmula: pensamento e objetualidade. [tr. Casanova; GA65: 91]

Clareira e encobrimento, constituindo a essenciação da verdade, nunca podem, por isso, ser considerados como um transcurso vazio e como objeto do “conhecimento”, de uma representação. Clareira e encobrimento são arrebatadores de maneira extasiante e voltam para o interior do próprio acontecimento apropriador. E onde quer que e até o ponto em que a aparência persiste de que haveria uma abertura vazia, em si realizável de uma acessibilidade imediata ao ente, aí o homem se encontra, então, apenas no campo prévio não mais e ainda nunca concebido do ABANDONO, campo esse que restou e, assim, ainda se encontra deixado e mantido como resto de uma fuga dos deuses. [tr. Casanova; GA65: 120]

Irrupção e ABANDONO, aceno e virada para o interior são as ocorrências que se copertencem da apropriação em meio ao acontecimento, ocorrências essas nas quais, visto aparentemente apenas a partir do homem, o acontecimento apropriador se abre (cf propriedade): [figura] [tr. Casanova; GA65: 190]

A essência mais profunda da história se baseia concomitantemente no fato de que o acontecimento da apropriação, acontecimento esse que abre o fosso abissal (que funda a verdade), deixa emergir pela primeira vez aqueles que, precisando uns dos outros, só se voltam uns para os outros e se desviam uns dos outros no acontecimento apropriador da viragem. Essa abertura do fosso abissal que se decide sempre a cada vez entre ABANDONO e re-aceno ou que se encobre na indecisão da aproximação e do distanciamento é a origem do tempo-espaço e o reino da contenda. [tr. Casanova; GA65: 190]

O aceno é a autorrenúncia hesitante. A autorrenúncia não cria apenas o vazio da privação e da calcificação, mas, juntamente com esses vazios, o vazio enquanto um vazio arrebatador e extasiante, que arrebata de maneira extasiante para o cerne do por vir, de tal modo que, com isso, irrompe ao mesmo tempo um sido que, se encontrando com o que está por vir, constitui o presente como inserção extasiante no ABANDONO, como inserção rememorante e persistente, porém. Esse ABANDONO, contudo, não é em si, uma vez que originariamente marcado por lembrança e espera (o pertencimento ao ser e o clamor do seer), nenhum mero mergulho e mortificação na falta de uma posse, mas, inversamente, o presente erigido e dirigido unicamente para a decisão: instante. Nesse instante, os arrebatamentos extasiantes se encontram inseridos, e ele mesmo se essencia apenas como a reunião dos arrebatamentos extasiantes. [tr. Casanova; GA65: 242]

A cristalização rememorante (que rememora um pertencimento velado ao seer e cristaliza um clamor do seer) coloca em decisão o se ou o se-não do acometimento do seer. Mais claramente, a temporalização como essa junção da autorrenúncia (hesitante) funda de maneira a-bissal o âmbito de decisão. Com o arrebatamento extasiante em meio ao que se renuncia (essa é justamente a essência do temporalizar), contudo, tudo já estaria decidido. O que se renuncia, no entanto, se renuncia de maneira hesitante, presenteando, assim, com a possibilidade da doação e do acontecimento da apropriação. A autorrenúncia rejunta o arrebatamento extasiante da temporalização, como hesitante ela é ao mesmo tempo o arrebatamento fascinante mais originário. Esse fascínio é repouso, no qual o instante e, com ele, a temporalização são mantidos (como o a-bismo originário? O “vazio”? Nem ele nem a plenitude). Esse arrebatamento fascinante dá a possibilidade da doação como possibilidade essenciante, arranjando um espaço para ela. O arrebatamento fascinante é a inserção espacial do acontecimento apropriador. O ABANDONO é um ABANDONO fixado pelo arrebatamento fascinante, um ABANDONO que precisa ser suportado. [tr. Casanova; GA65: 242]

A meta-física é a justificação da “física” do ente por meio da fuga constante diante do seer. A “meta-física” é o impasse não admitido em relação ao seer e o fundamento do ABANDONO final do ser do ente. A diferenciação do ente e do ser é deslocada para o caráter inofensivo de uma diferença apenas representada (de uma diferença “lógica”), se é que efetivamente essa diferença mesma ganha o espaço do saber enquanto tal, o que, considerado rigorosamente, fica e precisa ficar de fora, uma vez que o pensar metafísico só se mantém de fato na diferença, mas de tal modo que, de certa maneira, o ser mesmo se mostra como um tipo de ente. Somente a transição para o outro início, a primeira superação da metafísica, em meio a uma retenção necessariamente transitória de seu nome, eleva essa diferença ao nível do saber e a coloca, com isso, pela primeira vez na questão: não em uma questão arbitrária qualquer, mas na questão acerca do que há de mais digno de questão. Por mais extrinsecamente que a diferença enquanto “diferença ontológica” venha a ser introduzida, e por mais que ela seja introduzida de saída completamente no sentido do pensar representacional, o estabelecimento da meditação junto a essa diferença é a tal ponto necessário. Pois nessa diferenciação “ontológica” aparentemente precária e inofensiva, isto é, nessa diferenciação “ontológica” que suporta a ontologia, a riqueza originária e o perigo de todos os perigos do ser humano, da fundação de sua essência e da destruição de sua essência, se tornam visíveis. Essa diferenciação é o encobrimento superficial do espaço da mais elevada ousadia pensante, que permanece reservada ao homem. [tr. Casanova; GA65: 258]

A questão acerca do ser torna-se agora a questão acerca da verdade do seer. A essência da verdade é inquirida agora a partir da essenciação do seer, ela é concebida como a clareira do encobrir-se e, com isso, como pertencente à essência do seer mesmo. A questão acerca da verdade “do” seer desentranha-se na questão acerca do seer “da” verdade. (O genitivo é aqui um genitivo originariamente próprio, que nunca tem como ser apreendido por meio do genitivo “gramatical” até aqui). Agora, a questão acerca do seer não pensa mais a partir do ente, mas é requisitada necessariamente como o re-pensar do seer por meio do seer mesmo. O re-pensar do seer emerge desse ser como o entre, em cuja essenciação autoclareadora os deuses e o homem se re-conhecem, isto é, se decidem quanto à sua pertinência. Como esse entre, o seer não “é” nenhum adendo ao ente, mas aquele elemento essenciante, em cuja verdade pela primeira vez o (ente) pode chegar ao resguardo de um ente. Mas esse primado do entre não pode ser mal interpretado idealisticamente no sentido do “a priori  ”. A questão acerca do ser sob o modo do questionamento acerca da verdade do seer não chega mais em geral a um plano, no qual uma diferenciação como a entre idealismo e realismo poderia conquistar um fundamento possível. A consideração permanece com certeza aquém da pergunta sobre se, afinal, seria possível algo assim como pensar o seer mesmo em sua essenciação, sem partir do ente; se, afinal, toda e qualquer questão acerca do ser já não precisaria se mostrar inexoravelmente como uma réplica a partir do ente. Aqui se encontra de fato obstruindo o caminho a longa tradição da metafísica e o hábito daí emergente do pensar; sobretudo quando ainda a “lógica”, ela mesma uma descendente da despotencialização inicial do ser e da verdade, permanece sendo considerada como um tribunal absoluto, caído do céu, sobre o pensar. Neste caso, encontra-se definido “lógica” e definitivamente que o ser é conquistado como o universal a partir do ente; e isso mesmo quando se procura assegurar o ser em sua consistência também como um ente. Mas o seer, que precisa ser repensado em sua verdade, não “é” aquele elemento universal e vazio, mas se essencia como aquele elemento único e abissal, no qual se decide algo singular da história. Não se pode ficar naturalmente parado aqui sobre o solo da questão metafísica sobre o ser e exigir a partir desse ponto de vista um saber, que encerre em si, segundo a sua essência, o ABANDONO desse ponto de vista, isto é, espacializar um espaço e temporalizar um tempo, que não foram apenas esquecidos ou não chegaram a ser suficientemente pensados na história da metafísica, mas que, ao contrário, são insuficientes para essa história, além de não serem necessários para ela. [tr. Casanova; GA65: 259]

Abandonar o ponto de vista da metafísica não significa outra coisa senão se submeter a uma coerção, que emerge de uma indigência completamente diversa, de uma indigência com certeza, que foi provocada pela história da metafísica, de tal modo que ela se subtrai enquanto a indigência que ela é e deixa a ausência de indigência (com vistas ao ser e à questão do ser) se transformar no estado dominante. Em verdade, porém, a ausência de indigência é o extremo dessa indigência, que é reconhecível em primeiro lugar como o ABANDONO do ente pelo ser. [tr. Casanova; GA65: 259]