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Marquet (1995:230-231) – re-começar
domingo 24 de novembro de 2024
7- Quer seja política ou linguística, a criação no homem aparece como um caso particular dessa faculdade de começar que lhe é peculiar e cujo nome “comum” é a liberdade. Na continuidade indiferenciada da natureza (ou na da minha vida imediata, “estética”), não há um começo claro — ele surge apenas como o imperativo de eu me determinar. Mas, de fato, este imperativo é menos o de um puro começo do que o de um re-começo (de um “segundo começo” — Heidegger) ou de uma conversão (Umkehrung — Kant ): como se a liberdade se tivesse já determinado desde sempre no modo do não-comum, de um modo que é, por isso, necessariamente inautêntico, porque cego, sendo esta cegueira, aliás, a condição necessária para que haja um começo duradouro (Urstiftung). É no curso induzido por este primeiro fundamento que surge a exigência de uma repetição, de uma recapitulação (Endstiftung) em que a liberdade é, desta vez, convocada como (als) tal; mas, em si mesma, uma tal conversão não é da ordem do devir — é um salto (Sprung), uma inversão instantânea de que não temos consciência direta, mas que descobrimos progressivamente [231] no decurso da nossa história — ou da História. É por isso que o termo “faculdade” é aqui basicamente deslocado: a liberdade é experimentada como o próprio acontecimento do recomeço, como o fato, portanto, de não se estar preso a nada, nem sequer a si próprio — ela é propriamente escatológica e, mesmo na ordem política, a sua instauração é sempre re-stauração (a Revolução Francesa recomeça Roma que re-começou Troia — Arendt ) [1].
[MARQUET , Jean-François. Singularité et événement. Grenoble: J. Millon, 1995]
Ver online : Jean-François Marquet
[1] On Revolution, cap. V