Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Romano (1999:32) – nascimento

sábado 21 de setembro de 2024

Mas o que é o nascimento se não um acontecimento? O primeiro acontecimento de fato e de direito da aventura mortal, por cujo critério todos os outros acontecimentos devem ser determinados e compreendidos? O nascimento é um acontecimento de forma insignificante, uma vez que nascer é precisamente não ser a medida da ocorrência desse acontecimento, que nos ocorre sem qualquer medida prévia e só nos permite acolher outros acontecimentos, destinando-se inicialmente a nós e conferindo-nos, por esse mesmo fato, um destino. Se o Dasein — para chamá-lo novamente assim — é de fato aquilo a partir do qual o nascimento pode aparecer, certamente não é mais no sentido de uma condição, mas sim de uma in-condição, isto é, da "condição de possibilidade" daquilo que é principalmente removido de qualquer condição prévia, uma "condição" que então se reverte e se volta em favor daquilo que condiciona: o acontecimento que é, em si mesmo, sua própria medida e condição. Nesse sentido, o nascimento não pode ser identificado com qualquer facticidade, ou seja, com uma determinação da constituição ontológica do Dasein como preocupação: pois ele precede em direito tanto o pro-jeto (Ent-wurf) quanto o ser-lançado (Ge-worfenheit), ou seja, os principais existenciais do Dasein. Em vez disso, o nascimento é o acontecimento (originalmente neutro) do qual o ser ad-vém e que, consequentemente, proíbe radicalmente a identificação do próprio ser com o acontecimento.

Que o próprio ser nos seja dado, entregue a nós, conferido a nós pelo acontecimento do nascimento não apenas introduz na existência uma heteronomia fundamental que contradiz a "autonomia" [SZ  :332] existencial do Dasein; mas, além disso, e esse é o ponto essencial, proíbe a identificação do acontecimento do ser (compreensão ontológica) e o acontecimento de ser (nascimento), uma identificação sobre a qual toda a ontologia do Dasein, em última análise, repousa. Mais "antigo" do que o ser é o acontecimento por meio do qual ele ocorre. Anterior em direito ao ser que ele estabelece, e do qual ele forma a única condição, tal acontecimento não "é". Se o ser pode de fato ser pensado, à maneira de Heidegger, como um acontecimento, nem todo acontecimento é um acontecimento de ser (existência). Precedendo minha existência está o acontecimento neutro de "nascer". Isso, por sua vez, comanda toda a compreensão da aventura humana, como uma abertura para acontecimentos por meio dos quais o "Dasein" — vamos chamá-lo assim pela última vez — torna-se ele mesmo, tem uma história.

[ROMANO  , Claude. L’événement et le monde. Paris: PUF, 1999]


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