Heidegger afirma que a busca de seu único “caminho” filosófico exige uma mudança de pontos de vista (GA65 :84). Se a filosofia é uma doutrina — um sistema de asserções — então essa asserção é um paradoxo: uma mudança nas asserções é uma mudança na filosofia. Mas Heidegger sempre insiste que a verdade não é uma questão de asserções. As asserções se baseiam em um desvelamento mais primordial, uma abertura para os entes e o ser. Um texto ponderado deve permitir que suas asserções surjam sempre de novo a partir de uma experiência de uma questão (GA65 :21) e tentar evocar uma experiência análoga no leitor. Esse texto não prova nada — se provar significa estabelecer que uma asserção é indubitavelmente correta. A filosofia prova a si mesma somente se for bem-sucedida em mostrar a questão para a qual suas asserções estão apontando. O esforço de mostrar tem de envolver tanto o escritor quanto o leitor. O processo é vacilante — “desmoronando e escalando” (GA65 :84) — porque a revelação nunca é total. A presença é sempre situada, a exibição é sempre limitada.
Mas por que um foco persistente na mesma questão levaria a uma mudança de pontos de vista? Precisamos examinar mais de perto as limitações da exposição. Being and Time tenta mostrar que a presença requer a interação entre passado e futuro (SZ 350). Nosso passado, nossos hábitos e nossa herança são a fonte da qual extraímos possibilidades futuras. Graças a essas possibilidades, somos capazes de lidar com as coisas — nós as compreendemos. A interpretação, portanto, é um acontecimento intrinsecamente finito: nunca pode abolir nem o descontrole que vem com o passado nem as antecipações prejudiciais que vêm com o futuro. A interpretação nunca poderá garantir sua completude e permanência ao assegurar um acesso imediato e puro ao seu objeto. Mas, embora não possamos eliminar os limites da interpretação, podemos trabalhar com eles e desafiá-los em um desvelar contínuo. Nosso passado pode ser criticado e recuperado; nossos preconceitos podem ser alterados em uma tentativa de fazer justiça ao que estamos interpretando (SZ 153). Esse é o significado de Sachlichkeit — devoção às Sachen, as coisas em si. É uma disposição para lutar com as questões e consigo mesmo em uma interpretação que reconhece sua própria temporalidade. O desvelamento não está contido em nenhuma asserção específica gerada por essa interpretação. Ocorre no próprio movimento interpretativo, desde que continuemos a confrontar a questão em pauta e os limites de nossa compreensão. Consequentemente, uma asserção que participa do acontecimento da verdade em um momento pode, em um momento posterior, estar presa em uma compreensão estagnada que não está mais interpretando ativamente. As interpretações da mesma coisa devem permanecer em movimento para permanecerem leais à coisa.
O movimento não é idêntico à mudança. A interpretação pode permanecer em movimento mesmo que consista simplesmente em esforços repetidos para compreender algo com as mesmas palavras e conceitos. De fato, esse estilo repetitivo é comum nas Contribuições e em outros manuscritos particulares de Heidegger. Nossa tarefa é evitar falar suas afirmações como mantras e pensar nelas novamente em cada ocasião. Dessa forma, nosso entendimento permanece em movimento, mesmo que esteja se movendo apenas em um círculo. Entretanto, a mudança pode e deve fazer parte do movimento de interpretação. O círculo pode se tornar um círculo verdadeiramente hermenêutico — ou uma hélice que aprofunda a abordagem de seu tema a cada nova volta. À medida que descobrimos nossas limitações, nossas palavras e pensamentos podem mudar. Esse progresso não é um progresso ascendente, a construção de uma catedral de pensamento. É um progresso descendente, a escavação de nossos próprios alicerces, a descoberta de uma rocha elusiva que sempre ameaça ser encoberta novamente pelos escombros que geramos ao descobri-la. Esse é um trabalho de pedreira. A turbulência das Contribuições — sua busca, às vezes apressada, às vezes hesitante, de novas abordagens para o mesmo tópico — não se deve ao fato de o texto ser um conjunto de anotações em vez de uma obra acabada; a turbulência é um aspecto essencial da interpretação, como Heidegger a vê.