Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Malabou (2004:12-13) – Mudação Heidegger

quinta-feira 10 de outubro de 2024

Vamos começar desdobrando juntos a polissemia desse estranho título: a mudança Heidegger, possibilitada acima de tudo por sua mutabilidade sintática. “Mudança” tem valor tanto de substantivo (fr. le change) quanto de verbo (fr. changer). Assim, são possíveis três maneiras principais de entender a fórmula. Se “mudança” for tomado como um substantivo, “a mudança Heidegger” expressa, em primeiro lugar, um vínculo genitivo: a mudança de Heidegger; em segundo lugar, expressa uma marca de denominação: a mudança denominada Heidegger; se “mudança” for entendido como um verbo, “a mudança Heidegger” designa, em terceiro lugar, uma maneira Heidegger de mudar.

Ligação genitiva. De acordo com uma antiga regra sintática — a elisão da proposição “de” — “a mudança Heidegger” expressa um pertencimento. Lido dessa forma (a mudança de Heidegger), o título anuncia um estudo dedicado ao conceito heideggeriano de mudança, ou seja, antes de tudo, à compreensão heideggeriana   de mudança.

Marca do nome. “a mudança Heidegger” também pode ser interpretado como uma marca registrada ou um nome de batismo. No xadrez, falamos da “defesa Fischer”, do “conversor Bessemer” na indústria siderúrgica, do “contador Geiger” na física de partículas, do “imposto Tobin” na economia. Dessa forma, um substantivo próprio se torna um substantivo comum que, no entanto, mantém a marca de um estilo ou de uma ideia. Considerado sob esse ponto de vista, o título “a mudança de Heidegger” pode ser lido como o nome dado a uma mudança particular e única. “Le change Heidegger”, então, anuncia uma pesquisa que tende a descobrir o que Heidegger, e somente ele, mudou a ponto de lhe dar esse nome.

Verbo-aparato. Ora, se “mudar”, em “a mudança Heidegger”, for entendido como o indicativo do verbo mudar, a fórmula caracteriza um dispositivo que permite a Heidegger ser transformado ou metamorfoseado. O título, portanto, anuncia uma abordagem exegética que, página por página, constrói essa máquina de mudança.

Você está começando a compreender, neste estágio ainda incipiente da pesquisa, que tocar na tríade da mudança, questionar o entendimento heideggeriano de mudança, medir o que Heidegger mudou inevitavelmente equivale a mudar, transformar, metamorfosear a interpretação do pensamento de Heidegger como um todo.

É urgente que cheguemos a essa encruzilhada metabólica hoje.

[MALABOU  , Catherine. Le change Heidegger: du fantastique en philosophie. Paris: Léo Scheer, 2004]


Ver online : Catherine Malabou