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Luzie (1999:19-21) – origina-te, torna-te [genoi]

quinta-feira 10 de outubro de 2024, por Cardoso de Castro

Píndaro, ao comemorar o triunfo dos vencedores nos jogos, inicia a sentença que se tornou célebre no pensamento ocidental com a palavra γένοι; palavra esta, fundamental na sentença por caracterizar a experiência de nascimento, de pro-veniência, de geração, e que está no imperativo do verbo γίγνομαι. Foi desta forma que esta expressão teve lugar na tradução e, portanto, na tradição do pensamento ocidental. Geralmente quando pensamos em nascimento, nos referimos ao nascimento de algo, portanto, de alguma coisa, ou seja, nascimento de algum ente. Γένοι, ao ter sido traduzida como origina-te, como torna-te, propiciou e deu início à compreensão do ponto de partida de tudo aquilo que é, destarte, do ente. Sendo que ente é o presente, aquilo que se apresenta de tal e qual forma. Neste sentido a tradição filosófica incorporou essa palavra ao seu vocabulário, compreendendo-a como a origem de alguma coisa, de algum ente. Heidegger vai inclusive dizer que, em Platão e Aristóteles, ela é uma palavra conceitual bem determinada e que, em seguida, torna-se na escolástica uma palavra exata.6 No entanto esta sentença de Píndaro é anterior à compreensão metafísica que se tornou tradicional. Em Píndaro, certamente não era considerada um conceito.

Esta descaracterização do sentido da palavra γένεσις (substantivo do verbo), tomada como o nascimento apenas do ente, nos levou a pensar na possibilidade de darmos início ao capítulo com a outra palavra grega que também descreve a experiência de origem, que é a palavra ἀρχή — experiência grega associada à procura do processo de constituição originário de algo. Na tradição filosófica foi interpretada como a procura da origem no sentido de causa material, ou seja, os primeiros candidatos a elementos constitutivos das coisas eram substâncias “naturais”, tais como: ar, água e fogo, dentre outras. Assim sendo, esta experiência está imersa não só no pensamento que busca a origem, mas, fundamentalmente, na origem material de algo material.

Neste sentido, podemos dizer também que a palavra grega ἀρχή foi paulatinamente perdendo o vigor originário que encerrava a sua experiência, para transformar-se na busca de uma causa material. Precisávamos, então, encontrar uma palavra que pudesse dar melhor vazão à possibilidade interpretativa que pretendemos por ora abraçar.

Desse modo, pensamos na palavra μοίρα — palavra também grega associada à experiência de destino. Moíra é comumente compreendida como o envio de todo destino e de toda fatalidade que há no real e na realidade. Destino compreendido aqui como destino dos entes. Ou seja, coisas, fatos e acontecimentos que já estão constituídos de antemão e destinados aos homens, e dos quais estes, por sua vez, não podem fugir.

Das três experiências gregas (γένεσις, ἀρχή e μοίρα) podemos apreender: 1) que está sempre em jogo a questão do ponto de partida, do ponto inicial de algo; este algo é sempre uma coisa, um ente, exclusivamente; 2) que com a palavra moíra, temos ainda a inclusão da experiência de destino, que não se traduz somente no início de algo, mas também no desenrolar desse algo, ainda que seja um ente.

Assim sendo a partir da nossa ingente tarefa que diz respeito ao esforço de buscar o sentido mais originário que, a nosso ver, poderia estar imerso na palavra da frase de Píndaro, preferimos dar início ao capítulo denominando-o de Moíra por acreditarmos que pelo fato de Moíra ser uma palavra pouco utilizada no pensamento filosófico, ela está mais apta a açambarcar a compreensão de proveniência que pretendemos considerar: 1) a de ponto de partida sim, só que não exclusivamente do ente, mas também do ser, a fim de poder resgatar a temporalidade inerente, própria ao ente; 2) a compreensão do nascimento também como desdobramento, uma vez que todo e qualquer começo ou origem já contém o seu fim.

Por outro lado, a interpretação que Heidegger tem do termo Moíra, encontrado em Parmênides, é bastante diferente do sentido corriqueiro de destino, compreendido comumente como fatalidade, imposição e necessidade. O que nos assegura a possibilidade de uma interpretação mais original deste termo.


Ver online : Marta Luzie


LUZIE, M. A Dobra do Destino. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1999