Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Henry (GP:45-46) – afetos

quarta-feira 9 de fevereiro de 2022

Mas, esse trans-mundo [arrière-monde] situado por detrás da vida para dela se dar conta, como se parece com essa mesma vida! Como não ver que ele retira dela todas as suas características! A “excitação” investida no duplo [46] sistema neurônico do Projeto é tão-somente o nome da afecção, quer dizer, da fenomenalidade; a excitação “exógena” é a afecção transcendental – do “tecido vivo” – pelo mundo; a excitação “endógena”, e, por conseguinte, a sua autoexcitação, é a autoafecção que constitui a essência originária da subjetividade absoluta enquanto ela é a Vida. Relacionada com o fundo somático da pulsão, a afetividade refere-se tão-somente a si, explica-se por si. Do mesmo modo, veremos que se o princípio de inércia se transforma invencivelmente no de constância, se o sistema não pode se desembaraçar totalmente de suas quantidades de energia, é porque, como autoafecção e como autoimpressão, e sendo apenas o que não cessa assim de se autoimpressionar a si mesmo, a vida não pode justamente se desembaraçar de si.

Sendo assim, nisso encontra-se a razão por que o esquema entrópico possa ceder finalmente diante da incansável vinda em si [venue en soi] da vida. A descarga dos afetos e a insuperável pressão da libido não empregada não designam mais do que a subjetividade da vida quando a prova [épreuve] que ela faz de si é levada ao seu cúmulo, até se tornar insuportável. E a angústia da qual Freud   deu descrições admiráveis – a moeda corrente de todos os afetos – é, por sua vez, apenas a angústia da vida por não poder escapar de si. No final das contas, em suas construções transcendentes como em seus melhores textos fenomenológicos, o freudismo oculta em si o que mais faltou à nossa época e que é, sem dúvida, apesar de suas incertezas teóricas, de suas contradições, e até mesmo de suas absurdidades, a razão de seu estranho sucesso.

[HENRY, Michel. Genealogia da Psicanálise. Tr. Rodrigo Vieira Marques. Curitiba: Editora UFPR, 2009]


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