Página inicial > Fenomenologia > Greisch (1994:§55) – a voz da consciência

Greisch (1994:§55) – a voz da consciência

segunda-feira 23 de setembro de 2024, por Cardoso de Castro

VEJA: Être et temps : § 55. Les fondements ontologico-existentiaux de la conscience.

1) A primeira aposta dessa análise consiste em admitir que a consciência é um modo particular de compreensão. Tudo o que foi dito acima sobre a ligação entre afeto e compreensão não só se aplica ao fenômeno da consciência, mas encontra nela uma justificativa adicional que dá acesso a uma compreensão mais original dessas próprias estruturas (SZ   270). Não se trata, portanto, de aplicar uma teoria geral (a da compreensão) a um "caso particular" (consciência moral). Em vez disso, deveríamos falar de uma relação complexa de inclusão mútua: o chamado da consciência nos faz entender melhor o significado existencial da compreensão!

2) O segundo desafio consiste em tomar literalmente a "imagem" da voz da consciência. Na realidade, isso não é uma imagem ou uma comparação. É a própria essência do fenômeno que só pode ser expressa dessa forma. A verdadeira tarefa da análise, portanto, não é eliminar a metáfora para retornar a um significado supostamente literal. Heidegger rejeita imediatamente a objeção "linguística" da "linguagem privada". Dizer que, ao contrário do discurso, a "voz da consciência" é um fenômeno puramente "mental" e privado não é uma objeção, porque, de um ponto de vista existencial, o próprio discurso é um fenômeno "mental". Tudo acontece, então, como se o "discurso", assim como o chamado da consciência, se movesse no mesmo comprimento de onda, aquele que outra tradição sem dúvida teria designado pelo termo verbum mentis [sem dúvida vale a pena lembrar que na primeira Pesquisa Lógica, discutindo a possibilidade de expressões na vida solitária da alma, sem qualquer intenção de comunicação (Kundgabe), Husserl   não encontra outro exemplo senão a afirmação "Você agiu mal", emanada da voz da consciência. Cf. RL, I, op. cit, § 8, p. 44]. … não devemos perder de vista o fato de que o ruído vocal não é de forma alguma essencial à fala e, consequentemente, nem o chamado. Todo enunciado e toda ’exclamação’ (Ausrufen) já pressupõe a fala" (SZ   271, mod.). A ideia de que isso poderia ser uma simples analogia ou comparação deve, portanto, ser descartada: "O fenômeno não é comparado a um chamado, mas é entendido como fala a partir da abertura constitutiva do Dasein" (SZ   271).

3) Devemos, então, analisar a especificidade "daquilo que dá entendimento ao chamar dessa maneira" (SZ   271). Duas características fenomenológicas são imediatamente óbvias aqui:

  • Por um lado, o chamado da consciência interrompe a escuta anterior. O Dasein sempre escutou as inúmeras vozes da tagarelice pública: "perdendo-se na publicidade do ente e de sua tagarelice, ele ouve mal (überhört), escutando apenas o ente em si, seu próprio Eu" (SZ   271). É precisamente essa forma de escuta que é encerrada pelo chamado da consciência, que é "sem barulho, sem equívoco, sem o fulcro da curiosidade".
  • Por outro lado, ao momento da interrupção se acrescenta o da sacudida ou do tremor que abre novas possibilidades de compreensão: "Na tendência de abertura do chamado está contido o momento do choque, da sacudida de longe. O chamado ressoa de longe para longe. Aquele que quer ser trazido de volta é tocado pelo chamado" (SZ   271). Alguns intérpretes viram nessa descrição uma alusão velada ao conceito gnóstico do chamado do Deus separado e distante que vem atingir o escolhido para chamá-lo de volta à sua verdadeira pátria, à qual somente o conhecimento dá acesso (trechos de Jean Greisch  , Ontologie et temporalité, p. 285-286).

Ver online : Jean Greisch


VIDE: Ser e Tempo § 34

GREISCH, Jean. Ontologie et temporalité. Paris: PUF, 1994