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Antonio Machado (2003:87-88) – pensamento de Heidegger [Mairena]

domingo 13 de outubro de 2024, por Cardoso de Castro

Mairena, com sua formação bergsoniana e, acima de tudo, como poeta do tempo — não exatamente o seu próprio — estava bem preparado para penetrar na filosofia de Heidegger e torná-la sua. Gosto de imaginar como Mairena teria apresentado o pensamento do ilustre professor de Freiburg hoje.

“Um alemão vem até nós — não se assuste, porque nem todos os alemães são pedantes e, de fato, não há nada menos pedante do que um bom alemão, daqueles que certamente não juram pelo Führer — trazendo a metafísica até nós pela mão, para estabelecê-la entre nós, homens da rua mais do que da sala de aula, representantes ibéricos, em parte, do que ele — o alemão a quem me refiro — chama de das Man, o homem anônimo e neutro, melhor ainda, o se indefinido, o sujeito frequente de frases impessoais que nos acompanham a todos. Sem abandonar seu método escolástico, sua técnica escolar — alemã, finalmente —, Heidegger vem com sua metafísica buscar o homem comum antes do estudante de filosofia, o homem cotidiano, e na existência desse ser-no-mundo (in-der-Welt-Sein), ele pretende descobrir uma nota omnibus [1]. Ele afirma descobrir uma vibração humana anterior a todo conhecimento: a ansiedade existencial, o a priori emocional por meio do qual todo ser humano mostra sua participação no ser, antes de qualquer presença ou aparência concreta que ele possa contemplar passivamente. Dito isso, essa ansiedade (Sorge), essa atenção (cura) — os franceses a chamam de souci, os ingleses a chamam de care — embora, em suma, seja de suprema importância, uma vez que o homem é o ser existente por excelência, o ser no qual a essência e a existência estão fundidas, o ser cuja essência consiste em existir — essa ansiedade, eu diria, aparece para nós como um medo ou um sobressalto que o eu anônimo (das Man) acalma, transformando-o em um hábito morno, ou transfigurado em uma angústia incurável diante do infinito abandono do homem. Do tédio à angústia, passando pela terrível imagem da morte, esse é o caminho para a perfeição que Heidegger nos leva a descobrir.

Mas esse caminho para a perfeição, que pode começar com a ansiedade radical de nossa existência — eu o chamo de caminho para a perfeição para expressar de alguma forma a tendência moral, e não religiosa, que nunca deixa Heidegger —, não é menos substancial do que o caminho para baixo (hodos kato) da existência à deriva, ou fugindo de si mesma (uneigentliche Existenz), que, sob a influência do eu anônimo — das Man —, tendemos a seguir, fugindo de nós mesmos, sem nos procurarmos nos outros. Todo mundo se torna (wird) outro, e ninguém se torna ele mesmo, diz — se bem me lembro — Heidegger, em uma frase pejorativa com um tom que meu mestre não teria aprovado totalmente [2].


A verdade, meus amigos, é que a doutrina de Heidegger aparece — pelo menos até hoje — como algo triste, o que de modo algum significa que seja infundada ou falsa. Para nós, espanhóis, e particularmente para os andaluzes, ela pode encontrar uma profunda aquiescência, um assentimento de crença ou de substância independente da virtude dissuasiva que o raciocínio do novo filósofo teria. Somos heideggerianos sem saber disso?


Ver online : Antonio Machado


MACHADO, A. De l’essentielle hétérogénéité de l’être. Victor Martinez. Paris: Éd. Payot & Rivages, 2003


[1“Para todos”, para o uso de todos.

[2Heidegger não para de considerar a pretensão de ser — werden — outro como a única atividade profunda que pode agitar as entranhas do ser; isso é o que meu mestre Abel Martin explicou, ou pretendeu explicar. (Nota de Machado.)