Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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os deuses e o homem

quarta-feira 13 de dezembro de 2023

Mensch  

A determinação histórica da filosofia tem seu ápice no conhecimento da necessidade de criar a escuta para a palavra de Hölderlin  . O poder ouvir corresponde a um poder dizer, que fala a partir da questionabilidade do seer. Pois isso é o mínimo que pode ser realizado para a preparação do espaço da palavra. (Se é que tudo não foi invertido ainda e transformado no elemento “científico” e “historiológico-literário”, seria preciso dizer: uma preparação do pensamento para a interpretação de Hölderlin precisa ser criada. “Interpretação” com certeza não tem em vista aqui tornar “compreensível”, mas sim fundar o projeto da verdade de sua poesia na meditação e na tonalidade afetiva, nas quais o ser-aí por vir vibra) (cf Reflexões VI e VII Hölderlin). Essa caracterização histórica da essência da filosofia a concebe como pensar do seer. Esse pensar nunca pode fugir para o interior de uma figura do ente e experimentar nela toda a luz do simples a partir da riqueza reunida de sua obscuridade estruturada em suas junções. Esse pensar também não tem como seguir jamais a dissolução em meio ao amorfo. Esse pensar precisa capturar em um ponto aquém da distinção entre figura e ausência de figura (o que só se dá no ente), no abismo do fundamento da figura, o ímpeto de jogada de seu caráter de jogado e suportá-lo no aberto do projeto. O pensar do seer precisa pertencer ao que tem de ser pensado mesmo de uma maneira completamente diversa de todo e qualquer ajuste em relação ao elemento objetivo porque o seer não tolera a própria verdade como suplemento e como algo trazido para junto de si, mas “é” ele mesmo a essência da verdade. A verdade, aquela clareira do encobrir-se, em cujo aberto OS DEUSES E O HOMEM são apropriados em meio ao acontecimento para a sua contra-posição, abre ela mesma o seer como história. Nós talvez precisemos pensar essa história, se é que devemos aprontar o espaço que em seu tempo precisa resguardar em ressonância a palavra de Hölderlin, que denomina uma vez mais OS DEUSES E O HOMEM; e isso para que essa ressonância afine aqueles tonalidades afetivas fundamentais, que determinam o homem por vir em meio à guarda da indigencialidade dos deuses. Essa caracterização da filosofia em termos da história do seer carece de uma explicitação, que auxilie o surgimento de uma lembrança do pensar até aqui (a metafísica), mas retransporte ao mesmo tempo o porvir para o interior da copertinência histórica. [tr. Casanova  ; GA65  : 258]

A questão acerca do ser torna-se agora a questão acerca da verdade do seer. A essência da verdade é inquirida agora a partir da essenciação do seer, ela é concebida como a clareira do encobrir-se e, com isso, como pertencente à essência do seer mesmo. A questão acerca da verdade “do” seer desentranha-se na questão acerca do seer “da” verdade. (O genitivo é aqui um genitivo originariamente próprio, que nunca tem como ser apreendido por meio do genitivo “gramatical” até aqui). Agora, a questão acerca do seer não pensa mais a partir do ente, mas é requisitada necessariamente como o re-pensar do seer por meio do seer mesmo. O re-pensar do seer emerge desse ser como o entre, em cuja essenciação autoclareadora OS DEUSES E O HOMEM se re-conhecem, isto é, se decidem quanto à sua pertinência. Como esse entre, o seer não “é” nenhum adendo ao ente, mas aquele elemento essenciante, em cuja verdade pela primeira vez o (ente) pode chegar ao resguardo de um ente. Mas esse primado do entre não pode ser mal interpretado idealisticamente no sentido do “a priori  ”. A questão acerca do ser sob o modo do questionamento acerca da verdade do seer não chega mais em geral a um plano, no qual uma diferenciação como a entre idealismo e realismo poderia conquistar um fundamento possível. A consideração permanece com certeza aquém da pergunta sobre se, afinal, seria possível algo assim como pensar o seer mesmo em sua essenciação, sem partir do ente; se, afinal, toda e qualquer questão acerca do ser já não precisaria se mostrar inexoravelmente como uma réplica a partir do ente. Aqui se encontra de fato obstruindo o caminho a longa tradição da metafísica e o hábito daí emergente do pensar; sobretudo quando ainda a “lógica”, ela mesma uma descendente da despotencialização inicial do ser e da verdade, permanece sendo considerada como um tribunal absoluto, caído do céu, sobre o pensar. Neste caso, encontra-se definido “lógica” e definitivamente que o ser é conquistado como o universal a partir do ente; e isso mesmo quando se procura assegurar o ser em sua consistência também como um ente. Mas o seer, que precisa ser repensado em sua verdade, não “é” aquele elemento universal e vazio, mas se essencia como aquele elemento único e abissal, no qual se decide algo singular da história. Não se pode ficar naturalmente parado aqui sobre o solo da questão metafísica sobre o ser e exigir a partir desse ponto de vista um saber, que encerre em si, segundo a sua essência, o abandono desse ponto de vista, isto é, espacializar um espaço e temporalizar um tempo, que não foram apenas esquecidos ou não chegaram a ser suficientemente pensados na história da metafísica, mas que, ao contrário, são insuficientes para essa história, além de não serem necessários para ela. [tr. Casanova; GA65: 259]

Acontecimento apropriador é: 1) O acontecimento da apropriação, o fato de que, na urgência, a partir da qual os deuses necessitam do seer, o seer com-pele o ser-aí à fundação de sua própria verdade e, assim, deixa o entre se essenciar, o acontecimento da apropriação do ser-aí por meio dos deuses e a apropriação dos deuses para eles mesmos em relação ao acontecimento apropriador. 2) O acontecimento apropriador do acontecimento da apropriação encerra em si a de-cisão: o fato de a liberdade como o fundamento abissal deixar surgir uma indigência, a partir da qual, como o impulso excessivo do fundamento, OS DEUSES E O HOMEM vêm à tona em sua separação. 3) O acontecimento da apropriação como de-cisão traz os cindidos para a contra-posição: para o fato de que esse um em relação ao outro da mais ampla e urgente decisão precisa se encontrar na mais extrema “oposição”, porque ele transpassa o a-bismo do seer usado. 4) A contra-posição é a origem da contenda, que se essencia, na medida em que ela desloca o ente de sua perdição para o interior da mera entidade. O des-locamento caracteriza o acontecimento apropriador em sua ligação com o ente enquanto tal. O acontecimento da apropriação do ser-aí deixa tal ente se tornar insistente no inabitual em face de todo e qualquer ente. 5) O des-locamento, porém, é, concebido a partir da clareira do aí, ao mesmo tempo a re-tração do acontecimento apropriador; o fato de ele se retrair em relação a todo cálculo representacional e se essenciar como recusa. 6) Por mais ricamente e sem imagem que o seer se essencie, ele se baseia de qualquer modo nele mesmo e em sua simplicidade. Com certeza, o caráter do entre (entre OS DEUSES E O HOMEM) poderia induzir em erro e levar a que tomássemos o seer como mera ligação e como consequência e resultado da ligação com o ligado. Mas o acontecimento apropriador é, sim, de qualquer modo, se já a caracterização é ainda possível, esse ligar, que traz os ligados pela primeira vez para si mesmos, para colocar no aberto dos decididos em contra-posição sua urgência e guarda, que eles não assumem pela primeira vez como propriedade, mas a partir dos quais, ao contrário, eles haurem sua essência. O seer é indigência dos deuses e, como essa indigência compelidora do ser-aí, ele é mais abissal do que tudo aquilo que pode se chamar de sendo e não se deixa mais denominar por meio do seer. O seer é usado, a urgência dos deuses, e, contudo, ele não pode ser deduzido a partir deles, mas é precisamente de maneira inversa superior a eles, na a-bissalidade de sua essência como fundamento. O seer se apropria do ser-aí em meio ao acontecimento e, no entanto, não possui a sua origem. Imediatamente, o entre se essencia como o fundamento dos contra-postos nele. Isso determina a sua simplicidade, que não se mostra como vazio, mas como o fundamento da plenitude, que emerge da contra-posição como contenda. 7) O simples do seer tem em si a cunhagem da unicidade. Essa não carece de modo algum do destaque e das diferenças, nem mesmo da diferença em relação ao ente. Pois essa diferença só é exigida, se o ser mesmo for marcado como uma espécie de ente e, com isso, não for nunca preservado como o único, mas sim vulgarizado e transformado no que há de mais universal. 8) A unicidade do seer fundamenta a sua solidão, de acordo com a qual ele lança unicamente em torno de si o nada, cuja vizinhança permanece sendo a mais autêntica e cuja solidão é resguardada da maneira mais fiel possível. De acordo com ela, o seer só se essencia constantemente de maneira mediatizada por meio da contenda de mundo e terra em relação ao “ente”. Em nenhuma dessas denominações a essência do seer deve ser pensada e, de qualquer modo, ele é pensado “completamente” em cada uma delas; “completamente” significa aqui: a cada vez, o pensar “do” seer é arrancado pelo seer mesmo e trazido para o interior de sua inabitualidade e priva de todos os auxílios buscados em explicações do ente. [tr. Casanova; GA65: 267]

Se, por isso, o seer for pensado como o entre, no qual os deuses são compelidos, de tal modo que ele se mostre como uma indigência para o homem, então OS DEUSES E O HOMEM não podem ser tomados como algo “dado”, como algo “presente à vista”. No projeto daquele pensar, eles são, sempre a cada vez de maneira diversa, assumidos como o histórico, que, ele mesmo, só chega à sua essenciação a partir do acontecimento apropriador do entre. Isso, contudo, significa: que ele chega à luta em torno da própria essência, à consistência da decisão de uma das possibilidades veladas. [tr. Casanova; GA65: 267]

O ser é condição do ente, que permanece preso, com isso, de antemão já como coisa (o subsistente que se presenta). O ser con-diciona o ente ou bem como sua causa (summum ens – demiourgos) ou como fundamento da objetualidade da coisa na re-presentação (condição de possibilidade da experiência ou de saída em geral como o “anterior” por força de sua constância e presentidade mais elevadas de acordo com a sua universalidade). Aqui, pensado em termos platônico-aristotélicos, o condicionar enquanto caráter do ser corresponde o mais diretamente possível ainda à sua essência inicial mais próxima (presentidade e constância), mas ela também não se deixa explicar. Por isso, ele permanece sempre de viés e destrói a originariedade e cautela do pensar grego, quando se reinterpreta esse elemento consonante com a causa ou mesmo o condicionar “transcendental  ” na relação visada de maneira grega entre ser e ente. Mas mesmo os modos postedores de con-dicionar o ente e transformá-lo em um ente tal por meio do ser são prelineados e exigidos naturalmente pela interpretação grega, na medida em que a entidade (idea  ) é o propriamente produzido (poioumenon) e, por isso, o que con-stitui e faz o ente; na medida em que, por outro lado e ao mesmo tempo, a idea é o nooumenon  , o re-presentado enquanto tal, o que é anteriormente visto em todo representar. A metafísica nunca vai além desses modos de diferenciação entre ser e ente e da apreensão dessa ligação; sim, sua essência, na mistura desses modos dê pensar, é criar para si saídas e oscilar de um lado para o outro entre posições extremas, entre a incondicionalidade da entidade e a incondicionalidade do ente enquanto tal; a partir daí é possível atribuir aos títulos plurissignificativos “idealismo” e “realismo” um significado metafísico inequívoco. Uma consequência da apreensão metafísica do ser e do ente é a distribuição dos dois em áreas (regiões) e níveis, o que contém ao mesmo tempo o pressuposto para o desdobramento da ideia do sistema na metafísica. De maneira incomparável, em contrapartida, e nunca tangível em conceitos e modos de pensar metafísicos, temos o projeto do seer como acontecimento da apropriação, projeto esse que experimenta a si mesmo como jogado e se mantém distante daquela aparência de ser um produto. Aqui se desentranha o seer naquela essenciação, com base na qual a abissalidade faz com que os contra-postos (deuses e homem) e os querelantes (mundo e terra) alcancem em sua história originária a sua essência entre o seer e o ente e admitam a denominação conjunta do seer e do ente apenas como o que há de mais questionável e de mais cindido. [tr. Casanova; GA65: 268]

Na medida, porém, em que OS DEUSES E O HOMEM ganham a contra-posição na indigência do seer, o homem é jogado para fora de sua posição até aqui, modernamente ocidental, sendo colocado em uma posição aquém de si mesmo em espaços de determinação completamente diversos, nos quais a animalidade tanto quanto a racionalidade não têm como assumir uma posição essencial, por mais que, no futuro, a constatação dessas propriedades junto ao homem presente à vista tenham a sua correção (ainda que seja sempre preciso perguntar quem são aqueles que acham algo assim correto e até mesmo constroem com vistas a tais correções “ciências” como a biologia e a doutrina das raças e estabelecem ao mesmo tempo com isso supostamente os fundamentos da “visão de mundo”; o que é sempre a ambição de toda e qualquer “visão de mundo”). Com o projeto do seer como acontecimento apropriador também se pressente pela primeira vez o fundamento e, com isso, a essência e o espaço essencial da história. A história não é nenhum privilégio do homem, mas é a essência do próprio seer. A história só se desenrola no entre da contraposição dos deuses e do homem como o fundamento da contenda de mundo e terra; e ela não é outra coisa senão o acontecimento da apropriação desse entre. A historiologia nunca alcança, por isso, a história. A diferenciação entre o seer e o ente é uma de-cisão tomada a partir da essência do próprio seer que se estende muito para além, uma de-cisão que só pode ser pensada assim. [tr. Casanova; GA65: 268]

Essenciação significa o modo como o seer mesmo é, a saber, o seer. O dizer “do” seer. O seer se essencia como a urgência do deus na guarda do ser-aí. Essa essência é o acontecimento apropriador enquanto o acontecimento apropriador, em cujo entre se estende por um lado de maneira querelante a contenda entre mundo e terra. Por outro lado, é só a partir dessa contenda que a terra chega até a sua essência (de onde e como a contenda?): o seer, o acontecimento da apropriação que entra uma vez mais em combate para a contraposição entre OS DEUSES E O HOMEM. [tr. Casanova; GA65: 270]

Ser usado pelos deuses, por meio de tal elevação ser esmagado, na direção desse velado precisamos inquirir a essência do seer enquanto tal. Nós não podemos, então, porém, explicar o seer como o aparentemente ulterior, mas precisamos concebê-lo como a origem, que de-cide e se apropria em meio ao acontecimento pela primeira vez dos deuses e do homem. Essa inquirição do seer leva a termo a abertura do campo de jogo temporal   de sua essenciação: a fundação do ser-aí. [tr. Casanova; GA65: 43]

O seer se essencia como o acontecimento da apropriação dos deuses e do homem para a sua contra-posição. Na clareira do encobrimento do entre, que emerge do acontecimento da apropriação e com ele, acontecimento esse que se contrapõe à clareira, desponta a contenda entre mundo e terra. E somente no campo de jogo temporal dessa contenda chega-se à preservação e à perda do acontecimento da apropriação, entrando no aberto daquela clareira aquilo que é denominado o ente. [tr. Casanova; GA65: 268]

O saber, porém, por meio do qual a ausência de arte já é historicamente, sem ser conhecida manifestamente e sem ser admitida no interior de uma “atividade artística” constantemente crescente, pertence ele mesmo na essência ao acontecimento originário de uma apropriação, que nós denominamos o ser-aí, a partir de cuja insistência se prepara o esfacelamento do primado do ente e, com isso, o in-habitual e o não-natural de uma outra origem da “arte”: o início de uma história velada do silenciamento de uma contraposição abissal dos deuses e do homem. [tr. Casanova; GA65: 277]

“O homem” e “o deus” são cápsulas de palavras sem história, se a verdade do seer não ganha voz nelas. [tr. Casanova; GA65: 267]

O seer se essencia como o entre para o deus e o homem, mas de tal modo que esse espaço intermediário só arranja espacialmente para o deus e para o homem a possibilidade essencial, um entre que se choca contra sua margem e que a deixa ressurgir pela primeira vez a partir do choque como margem, sempre pertencendo à corrente do acontecimento apropriador, sempre velada na riqueza de suas possibilidades, sempre o de lá para cá e o de cá para lá das ligações inesgotáveis, em cuja clareira se juntam fugidiamente e afundam mundos, se descerram terras, suportando a destruição. Mas também de tal e tal modo antes de tudo, o seer precisa permanecer sem interpretação, a ousadia contra o nada, que deve apenas ao seer a sua origem. [tr. Casanova; GA65: 267]