Página inicial > Léxico Alemão > Sloterdijk: o impessoal (Das Man) ou o sujeito

Crítica da Razão Cínica

Sloterdijk: o impessoal (Das Man) ou o sujeito

Gabinete dos Cínicos

terça-feira 10 de março de 2020, por Cardoso de Castro

Excerto de SLOTERDIJK  , Peter. Crítica da Razão Cínica. Tr. Casanova  , Soethe, Costa Rego, Mendonça Cardozo & Hiendlmayer. Rio de Janeiro: Estação Liberdade, 2012, p. 272-275 (original p. 372-376)

Casanova

O que é essa criatura estranha que Heidegger apresenta sob o nome de impessoal [Das Man  ]? À primeira vista, ela se assemelha a essas esculturas modernas que não representam objetos determinados e em cujas superfícies polidas não se pode identificar uma significação “particular”. Todavia, elas são imediatamente reais e palpavelmente concretas. Nesse sentido, Heidegger sublinha que o impessoal não é uma abstração, por exemplo, um conceito geral que compreendería “todos os eus”; antes, remetería, como ens realissimum, a algo que está presente em cada um de nós. Mas ele frustra a expectativa por personificação, por uma significação individual e por um sentido existencialmente determinado. Ele existe, mas não há “nada atrás”. Encontra-se lá como a escultura moderna não figurativa: real, cotidiana, parte concreta de um mundo; mas em momento algum remete propriamente a uma pessoa, a uma significação “real”. O impessoal é o neutro de nosso Eu: Eu cotidiano, mas não “eu-mesmo”. De algum modo, ele representa meu lado público, minha mediocridade. Possuo o impessoal em comum com todos os outros, é o meu “Eu” público, e em relação a ele a medianidade tem sempre razão. O impessoal, enquanto Eu inautêntico, se desincumbe de toda decisão própria e pessoal; segundo sua natureza, o impessoal quer se livrar de qualquer peso, quer tomar tudo pelo lado exterior e se ater à aparência convencional. Numa certa perspectiva, é assim que ele se comporta também em relação a si mesmo, pois isso que “ele-mesmo” é, ele o aceita como algo que encontrou entre outras coisas dadas. Assim sendo, o impessoal só pode se compreender como algo dependente, que não tem nada de si mesmo e para si mesmo. São os outros que lhe dizem e lhe dão o que ele é; eis o que explica sua “distração” essencial; com efeito, ele se acha perdido no mundo que o encontra logo de saída. Diz Heidegger:

“De saída, ‘eu não ‘sou’ no sentido do si mesmo próprio, mas sou os outros segundo o modo do impessoal. É a partir desse e como esse que, de saída, sou ‘dado’ a mim ‘mesmo’. De saída, o existente humano (Dasein  ) é impessoal, e na maioria das vezes permanece assim” (Sein und Zeit  , p. 129). “Enquanto impessoal, vivo sob o domínio discreto dos outros.” “Cada um é outro e ninguém é si mesmo. O impessoal… é o ninguém…” (Sein   und Zeit  , p. 128).

Essa descrição do impessoal, com a qual Heidegger conquista a possibilidade de falar filosoficamente do Eu sem precisar fazê-lo no estilo da filosofia do sujeito-objeto, funciona como uma transposição do termo “sujeito” para linguagem corriqueira, em que ele significa “o submetido”. [1]

Encontrar-se “submetido” significa: não possuir mais si “mesmo”. Jamais a linguagem do impessoal diz algo de pessoal: apenas participa do “falatório” (discours) universal. No falatório, por meio do qual se diz as coisas que meramente se diz, o impessoal se fecha à compreensão real da existência própria, bem como à das coisas faladas. No falatório, aparece o “desenraizamento” e a “inautenticidade” da existência (Dasein) cotidiana. Corresponde-lhe a curiosidade que se entrega de modo fugidio e “fugaz” ao que a cada vez aparece como novidade. Para o impessoal curioso, mesmo quando “se dedica à comunicação”, não se trata de compreender realmente, mas do contrário disso: de evitar a compreensão, de evitar o olhar “autêntico” sobre a existência (Dasein). Heidegger batiza essa recusa com o conceito de distração (Zerstreuung  ) — expressão que causa sensação. Se tudo que até agora vimos soa absolutamente atemporal e universal, por meio dessa expressão agora sabemos em que ponto da história moderna nos encontramos. Nenhum outro termo é tão cheio de um gosto específico dos meados dos anos 1920 — a primeira modernidade alemã de grande envergadura. Tudo que ouvimos a respeito do impessoal seria, afinal, inconcebível sem a realidade prévia da República de Weimar com sua febre do pós-guerra, seus meios de comunicação de massa, seu americanismo, sua indústria da cultura e do entretenimento, seu promissor negócio da distração.

É somente no clima cínico, desmoralizado e desmoralizante de uma sociedade de pós-guerra, em que os mortos não têm direito de morrer, pois quer-se tirar proveito político de seu desaparecimento, que um impulso, oriundo do “espírito do tempo”, pode se desviar numa filosofia que considerará a existência (Dasein) “existencialmente” e oporá a cotidianidade à existência (Dasein) “autêntica”, consciente e resoluta enquanto “ser-para-a-morte”. É somente após o crepúsculo dos deuses militares, após a “desagregação dos valores”, após a coincidentia oppositorum nas frentes da guerra de material, em que “bem” e “mal” se transportam reciprocamente para o além, é somente após tudo isso que uma tal “tomada de consciência” do “ser autêntico” se fez possível. É somente essa época que se torna atenta de um modo radical à socialização interna; ela adivinha que a realidade é dominada pelos fantasmas, pelos imitadores, pelas máquinas do Eu exteriorizado. Cada um podería ser um espectro em vez de ser si mesmo. Mas como identificar isso? Quem mostra que é “si-mesmo” em vez de simplesmente impessoal? Isso provoca a devorante preocupação dos existencialistas a respeito da distinção, tão importante quanto impossível, entre o autêntico e o inautêntico, o próprio e o impróprio, o pronunciado e o impronunciado, o resoluto e o irresoluto (que é “simplesmente assim”):

Tudo parece estar autenticamente compreendido, apreendido, dito, mas no fundo não está, ou então parece não estar, e no fundo está. (Sein und Zeit, p. 173)

Original

Was ist dieses seltsame Wesen  , das Heidegger unter dem Namen Man vorführt? Es gleicht auf   den ersten Blick modernen Plastiken, die keinen bestimmten Gegenstand   darstellen und in deren polierte Oberflächen sich keine »besondere« Bedeutung   hineinlesen läßt. Dennoch sind sie unmittelbar wirklich   und zum Anfassen konkret  . In diesem Sinn betont Heidegger, daß   das Man keine Abstraktion sei - etwa ein Allgemeinbegriff, der »alle Iche« umfaßt, sondern möchte es, als ens realissimum, auf etwas beziehen, was in jedem von uns präsent ist. Aber es enttäuscht die Erwartung   nach Personhaftigkeit, individueller Bedeutung und existentiell entschiedenem Sinn. Es existiert, aber es ist bei   ihm »nichts   dahinter «. Es ist da wie die moderne, nichtfigürliche Plastik: real, alltäglich  , konkreter Teil einer Welt  ; jedoch zu keiner Zeit auf eine eigentliche Person  , eine »wirkliche« Bedeutung verweisend. Das Man ist das Neutrum unseres Ich  : Alltagsich, aber nicht »ich-selbst  «. Es stellt gewissermaßen meine öffentliche Seite dar, meine Mediokrität. Das Man habe ich mit allen anderen   gemeinsam, es ist mein öffentliches Ich, und in bezug   auf es hat die Durchschnittlichkeit   immer recht. Als uneigentliches Ich entlastet sich das Man von jeglicher eigener, höchstpersönlicher Entschiedenheit; seiner Natur   nach will es sich alles leicht   machen  , alles von der äußerlichen Seite nehmen   und sich an den konventionellen Schein   halten  . In gewisser Hinsicht   verhält es sich so auch zu sich selbst, denn was es »selbst« ist, das nimmt es ja auch nur so eben hin wie etwas Vorgefundenes unter anderem Gegebenem. So läßt sich dieses Man nur als etwas Unselbständiges verstehen  , das nichts von sich selbst und für sich allein hat. Was es ist, wird ihm durch die andern gesagt und gegeben  ; das erklärt seine wesentliche Zerstreutheit; ja es bleibt verloren an die Welt, die ihm zunächst   begegnet. Heidegger:

»Zunächst >bin< nicht >ich< im Sinn des eigenen   Selbst, sondern die Anderen in der Weise   des Man. Aus diesem her und als dieses werde ich mir >selbst< zunächst >gegeben<. Zunächst ist das Dasein Man und zumeist bleibt es so.« (Sein und Zeit, S. 12g) »Als Man lebe ich immer schon   unter der unauffälligen Herrschaft der Anderen.« »Jeder ist der Andere und keiner er selbst. Das Man . . . ist das Niemand   . . .«(Sein und Zeit, S. 128)

Diese Man-Beschreibung  , mit der Heidegger eine Möglichkeit   erobert, philosophisch   vom Ich zu sprechen  , ohne es im Stil der Subjekt-Objekt-Philosophie tun   zu müssen, wirkt wie eine Rückübersetzung des Ausdrucks Subjekt in die Umgangssprache, wo es »das Unterwürfene« bedeutet [2]. Wer   »unterworfen« ist, meint, sich »selbst« nicht mehr zu besitzen. Nicht einmal die Sprache des Man sagt etwas Eigenes, sondern nimmt nur teil am allgemeinen »Gerede  « (discours). In dem Gerede - mit dem man Sachen sagt, die man eben sagt - verschließt sich das Man gegen das wirkliche Verstehen des eigenen Daseins sowohl wie auch der besprochenen Dinge. Im Gerede verrät sich die »Entwurzelung  « und »Uneigentlichkeit « des alltäglichen Daseins. Ihm entspricht die Neugier  , die flüchtig und »aufenthaltlos« dem jeweils Neuesten sich hingibt. Dem neugierigen Man geht es, soviel es auch »Kommunikation betreibt«, niemals um wirkliches Verstehen, sondern um dessen Gegenteil, Vermeidung von Einsicht, Ausweichen   vor dem »eigentlichen « Blick ins Dasein. Dieses Vermeiden belegt Heidegger mit dem Begriff   Zerstreuung - einem Ausdruck  , der aufhorchen läßt. Wenn auch alles Bisherige durchaus überzeitlich und allgemeingültig klingen wollte, so wissen   wir mit diesem Wort   auf einmal, an welcher Stelle   der modernen Geschichte   wir stehen  . Kein anderes Wort ist so vollgesogen vom spezifischen Geschmack der mittleren zwanziger Jahre - der ersten deutschen Moderne im Breitenmaßstab. Alles, was wir über das Man gehört haben  , wäre letztlich unvorstellbar ohne die Realvoraussetzung der Weimarer Republik mit ihrem hektischen Nachkriegs-Lebensgefühl, ihren Massenmedien, ihrem Amerikanismus, ihrer Kultur  - und Unterhaltungsindustrie, ihrem fortgeschrittenen Zerstreuungsbetrieb. Nur im zynischen, demoralisierten und demoralisierenden Klima einer Nachkriegsgesellschaft, in der die Toten nicht sterben   dürfen, weil aus ihrem Untergang   politisches Kapital geschlagen werden   soll, kann sich aus dem »Zeitgeist« ein Impuls   in die Philosophie abzweigen, das Dasein »existential« zu betrachten   und die Alltäglichkeit in Gegensatz zu stellen zu dem »eigentlichen «, bewußt-entschlossenen Dasein als »Sein zum   Tode«. Nur nach der militärischen Götterdämmerung, nach dem »Zerfall der Werte  «, nach der coincidentia oppositorum an den Fronten des Materialkrieges, wo sich »Gut  « und »Böse  « gegenseitig ins Jenseits beförderten, wurde eine solche »Besinnung« auf »eigentliches Sein« möglich. Erst diese Zeit wird in radikaler Weise auf die innere   Vergesellschaftung aufmerksam; sie ahnt, daß die Wirklichkeit beherrscht wird von den Gespenstern, den Imitatoren, den außengeleiteten Ich-Maschinen. Jeder könnte ein Wiedergänger sein statt seiner selbst. Doch wie soll man es erkennen  ? Wem sieht man noch an, ob er »er selbst« ist oder nur Man? Das erregt die penetrante Sorge   der Existentialisten um die so wichtige wie unmögliche Unterscheidung zwischen   dem Echten und Unechten, dem Eigentlichen und dem Uneigentlichen, dem Ausgesprochenen und dem Unausgesprochenen, dem Entschiedenen und dem Unentschiedenen (das halt »nur so« ist):

»Alles sieht aus wie echt verstanden, ergriffen und gesprochen und ist es im Grunde doch nicht, oder es sieht nicht so aus und ist es im Grunde doch.« (Sein und Zeit, S. 173)


Ver online : Sloterdijk


[1Na Seção Principal Lógica, examinarei mais a fundo essa “traduçáo” e invesrigarei o que “submeter” e “ser submetido” significam para a teoria do conhecimento. Cf. pp. 469-471; 478-483.

[2Im Logischen Hauptstück gehe ich dieser »Übersetzung« weiter nach und untersuche, was Unterwerfen und Unterworfenwerden für die Erkenntnistheorie bedeutet. Vgl. S. 639-641; 652-659.