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Derrida (1987:38-41) – indiferença [Indifferenz; Gleichgültigkeit]

quinta-feira 15 de fevereiro de 2024, por Cardoso de Castro

Marcondes Cesar

Cada vez que se encontra a palavra “espírito” nesse contexto e nessa série, dever-se-ia assim, segundo Heidegger, reconhecer aí a mesma indiferença: não só quanto à questão do ser em geral [28] mas quanto à do ente que somos, mais precisamente, quanto a esta Jemeinigkeit  , este sempre-ser-meu do Dasein   que não remete, de início, a um eu ou a um ego   e que teria justificado uma primeira referência — pendente e finalmente negativa — a Descartes  . O ser-meu faz do Dasein algo totalmente diverso de um caso ou um exemplo do gênero do ser como Vorhandene. Que é que, com efeito, caracteriza o Vorhandensein  ? Pois bem, justamente o fato de ser indiferente ao seu ser próprio, ao que lhe é próprio. Essa indiferença o distingue do Dasein que tem a preocupação com seu ser. Na verdade, ao ente como Vorhandene, seu ente não é sequer indiferente (gleichgultig). Não se dirá, sem antropomorfismo, que a pedra é indiferente a seu ser. Ela não é nem indiferente nem não-indiferente (weder gleichgultig noch ungleichgultig). Heidegger não se pergunta sobre esse ponto (parágrafo 9) e segundo as categorias que existem do animal. Teria, sem dúvida, algumas dificuldades para fazê-lo; mas voltaremos ao assunto. Em troca, ele preocupou-se em dizer, sobre o Dasein, que pode ser indiferente à questão do seu ser, precisamente porque não o é, porque pode também não sê-lo. Sua indiferença é, aqui, só uma modalidade de sua não-indiferença. Para ele, a quem o ser-meu só pode passar no discurso apelando a pronomes pessoais (eu sou, tu és), a indiferença (Indifferenz  , desta vez e não Gleichgultigkeit) é ainda uma maneira de nos reportarmos, de nos interessarmos por nosso próprio ser, de não lhe sermos indiferentes. Esta última indiferença (Indifferenz) quanto ao seu ser próprio não tem nada que ver com a da pedra ou a da mesa. Caracteriza a cotidianidade do Dasein, o que reconduz tudo à média, essa Duschschnittlichkeit de que Heidegger se defende de ter pretendido denunciar como um fenômeno negativo. A indiferença neste caso “não é nada” mas um “caráter fenomênico positivo”.

Eis, pois, três tipos de indiferença. Há, primeiramente, a indiferença absoluta do ente vorhandene — a pedra está até aquém da diferença entre a indiferença e seu contrário. Há, em seguida, a indiferença (Indifferenz) como fenômeno positivo do Dasein. Há, ainda, em terceiro lugar, essa indiferença que, na história da metafísica, desde Descartes por exemplo, manifesta esta notável Bedürfnislosigkeit, nach dem Sein  … zu fragen  , essa falta de necessidade de questionar sobre o ser. E, inicialmente, sobre o seu ser próprio, sobre o ser do ente que somos. Essa última indiferença paralisa-se tanto diante dos pensamentos sobre a coisidade da coisa (res, substantia  ) quanto diante do pensamento sobre o sujeito (hypokeimenon  ). Por essa indiferença nos atemos a conceitos como os de espírito, alma, consciência, pessoa. Mas essas duas últimas manifestações da indiferença têm uma analogia   entre si ou uma condição comum de possibilidade. Conduzem de modo necessário a limitar a questão do ser, a interpretar o “quem” do Dasein: como algo que perdura numa identidade substancial do tipo do Vorhandensein ou do sujeito como Vorhandensein. Logo, mesmo protestando contra a substancialidade da alma, a coisificação da consciência ou a objetividade da pessoa, continua-se a determinar ontologicamente o “quem” como sujeito subsistente, na forma de Vorhandenkeit. O “espírito” que se reconhece é, então, ele mesmo afetado por essa subjetividade substancial e essa Vorhandenheit. Ora, qual é a raiz dessa interpretação que faz do “quem” uma substância que perdura? É um conceito vulgar de tempo. O conceito de espírito deve então ser evitado enquanto se funda ele mesmo numa tal interpretação do tempo. Heidegger o submete à Destruktion   ao longo dessa delimitação (Umgrenzung) da analítica do ser-aí. Dizer que a essência deste é “existência” no sentido que Heidegger então lhe dá é dizer também que [30] “a ‘substância’ do homem não é o espírito como síntese da alma e do corpo mas a existência” (parágrafo 25, p. 117).

Notemos de passagem que esse conceito da indiferença não dá nenhum meio de situar o animal. Este, Heidegger reconhece alhures, não é certamente um Vorhandene. Não tem, pois, a indiferença absoluta da pedra, mas não tem, contudo, parte no “nós” questionante, ponto de partida da analítica do Dasein. Não é Dasein. Será então indiferente ou não-indiferente e em que sentido?

Original

Chaque fois qu’on rencontre le mot « esprit » dans ce contexte et dans cette série, on devrait ainsi, selon Heidegger, y reconnaître la même indifférence : non seulement pour la question de l’être en général mais pour celle de l’étant que nous sommes, plus précisément pour cette Jemeinigkeit, cet être-toujours-mien du Dasein qui ne renvoie pas d’abord à un moi ou à un ego et qui avait justifié une première référence — prudente et finalement négative — à Descartes. L’être-mien fait du Dasein tout autre chose qu’un cas ou un exemple du genre de l’être en tant que Vorhandene. Qu’est-ce qui caractérise en effet le Vorhandensein ? Eh bien, justement, le fait d’être indifférent à son être propre, à ce qu’il est proprement. Cette indifférence le distingue du Dasein qui, lui, a le souci de son être. En vérité, à l’étant [38] comme Vorhandene, son être n’est même pas indifférent (gleichgültig). On ne dira pas sans anthropomorphisme que la pierre est indifférente à son être. Elle n’est ni indifférente ni non indifférente (weder gleichgültig noch ungleichgültig). Heidegger ne se demande pas à ce point (SZ  :§ 9) et selon ces catégories ce qu’il en est de l’animal. Il aurait sans doute quelques difficultés à le faire mais nous y reviendrons. En revanche, il y a du sens à dire du Dasein qu’il peut être indifférent à la question de son être, précisément parce qu’il ne l’est pas, parce qu’il peut, aussi, ne pas l’être. Son indifférence n’est ici qu’une modalisation de sa non-indifférence. Pour lui, dont l’être-mien ne peut passer dans le discours que par l’appel à des pronoms personnels (je suis, tu es), l’indifférence (Indifferenz, cette fois et non Gleichgültigkeit) est encore une manière de se rapporter, de s’intéresser à son être propre, de ne pas lui être indifférent. Cette dernière indifférence (Indifferenz) à son être propre n’est en rien celle de la pierre ou de la table. Elle caractérise la quotidienneté du Dasein, ce qui y reconduit tout à la moyenne, cette Durchschnittlichkeit   dont Heidegger se défend de vouloir la dénoncer comme un phénomène négatif. L’indifférence dans ce cas « n’est pas rien » mais un « caractère phénoménal positif».

Voilà donc trois types d’indifférence. Il y a, premièrement, l’indifférence absolue de l’étant vorhandene : la pierre se tient même en-deçà de la différence entre l’indifférence et son contraire. Il y a ensuite l’indifférence (Indifferenz) comme phénomène positif du Dasein. Il y a encore, troisièmement, cette indifférence qui, dans l’histoire de la métaphysique, [39] par exemple depuis Descartes, manifeste cette remarquable Bedürfnislosigkeit, nachdem Sein… zu fragen, ce manque du besoin de questionner sur l’être. Et d’abord sur son être propre, sur l’être de l’étant que nous sommes. Cette dernière indifférence paralyse aussi bien devant la pensée de la choséité de la chose (res, substantia) que devant la pensée du sujet (hypokeimenon). Par cette indifférence nous nous en tenons à des concepts comme ceux d’esprit, d’âme, de conscience, de personne. Mais ces deux dernières manifestations d’indifférence ont une analogie   entre elles, voire une condition de possibilité commune. Elles conduisent de façon nécessaire à limiter la question de l’être, à interpréter le « qui » du Dasein comme quelque chose qui perdure dans une identité substantielle du type du Vorhandensein ou du sujet comme Vorhandensein. Dès lors, on a beau protester contre la substantiate de l’âme, la chosification de la conscience ou l’objectivité de la personne, on continue à déterminer ontologiquement le « qui » comme sujet subsistant dans la forme de la Vorhandenheit. L« esprit » qu’on lui reconnaît alors est lui-même affecté par cette subjectivité substantielle et cette Vorhandenheit. Or quelle est la racine de cette interprétation qui fait du « qui » une subsistance perdurante? C’est un concept vulgaire du temps. Le concept d’esprit doit donc être évité en tant qu’il se fonde lui-même sur une telle interprétation du temps. Heidegger le soumet à la Destruktion au cours de cette dé-limitation (Umgrenzung) de l’analytique de l’être-là. Dire que l’essence de celui-ci est « existence », au sens [40] que lui donne alors Heidegger, c’est dire aussi que « la “ substance “ de l’homme n’est pas l’esprit comme synthèse de l’âme et du corps mais l’existence » [SZ:§ 25, p. 117].

Remarquons au passage que ce concept de l’indifférence ne donne aucun moyen de situer l’animal. Celui-ci, Heidegger le reconnaît ailleurs, n’est certes pas un Vorhandene. Il n’a donc pas l’indifférence absolue de la pierre, mais il n’a pourtant aucune part au « nous » questionnant, point de départ de l’analytique du Dasein. Il n’est pas Dasein. Est-il indifférent ou non indifférent, et en quel sens?


Ver online : Jacques Derrida


DERRIDA, Jacques. De l’esprit. Heidegger et la question. Paris: Galilée, 1987

DERRIDA, Jacques. Do espírito : Heidegger e a questão. Tr. Constança Marcondes Cesar. Campinas: Papirus, 1990