Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Romano (1999:164) – a perda

sábado 21 de setembro de 2024

Uma perda mais profunda do que qualquer perda empírica, o luto é, portanto, uma "perda" em um sentido paradoxal: não a perda do que eu tenho (já que perder uma posse é apenas o inverso de adquiri-la, nunca é o mesmo que perder a si mesmo), mas a perda do que não me pertence de forma alguma, do que é inteiramente livre em relação a mim, mas que não posso perder como tal sem me perder com ele. Se o luto não é apenas esse acontecimento mundano, esse fato "objetivo", mas sim esse acontecimento como nenhum outro que me atinge o coração como nenhum outro e me abala até o âmago, é porque, com esse acontecimento, ele revira minha ipseidade de ponta-cabeça: pois minha ipseidade não é dada fora da "relação" com o outro que o encontro estabelece, nem fora do mundo que torna possível. É por meio de tal acontecimento, sob o olhar dos outros, para eles, que adquiro plenamente minha própria unicidade e singularidade. Portanto, o sofrimento do luto reside, acima de tudo, no fato de que, despojado do ente querido, eu não pertenço mais inteiramente a mim mesmo, já que a pessoa aos olhos da qual eu era único e insubstituível não existe mais. O que morre para mim com a morte do outro, ou com a separação absoluta dele, é a minha singularidade para o outro, na medida em que isso me advém somente a partir do acontecimento em que nossa aventura comum é tecida: porque eu nunca sou o mesmo com todos, não em virtude de uma "má-fé" ontológica (Sartre  ) que me faria sempre desempenhar um papel, compor um personagem, estar em representação, mas, ao contrário, porque eu só sou sempre eu mesmo (singular) para o outro, em uma relação absoluta e absolutamente singular de dois absolutos singulares, porque a singularidade, entendida acontecivelmente, é algo que me acontece a partir de meus diferentes encontros com os outros, de acordo com as reviravoltas de nossas histórias.

[ROMANO  , Claude. L’événement et le monde. Paris: PUF, 1999]


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