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Polt (2013:27-28) – a totalidade é/está aí
terça-feira 1º de outubro de 2024
Quando a cotidianidade se rompe em uma emergência, emerge a dação do familiar. Porém, essa dação não aparece como algo novo; ela é revelada como se já estivesse em vigor. Reconhecemos que, mesmo quando estávamos vivendo dentro do todo, o todo estava aí — estava simplesmente em segundo plano. Nossa experiência é como uma lembrança: não se trata de obter novas informações, mas de recuperar o que foi estabelecido, resgatando-o do esquecimento.
Nessa anamnésia, nessa recolhida, reunimos o que já tínhamos, mas só agora é que realmente “compreendemos”. Antes, nós o esquecíamos assim que o recebíamos; agora, ao esquecer, nós nos apropriamos dele conscientemente pela primeira vez. Lembrar-se do fato de que o dado é dado não é reviver uma experiência antiga de algo, mas tornar-se consciente de um sentido do todo que deve ser/estar no lugar antes que qualquer coisa possa ser experienciada. (Não podemos nos lembrar da infância porque o senso de totalidade de um bebê ainda está surgindo. Somente depois que o todo estiver estabelecido é que entes e acontecimentos específicos podem parecer dignos ou indignos de serem lembrados. “Recordar” esse sentido fundamental do todo não é reviver um início — nunca tivemos uma experiência vivida de nosso início, porque ainda não havia um contexto de vida para isso — mas amadurecer, tornar-se ‘adulto’).
Agora reconhecemos que nosso senso da dação já tinha que estar em vigor, porque é uma pré-condição para o primeiro momento, a imersão no todo. Agora quebramos a ilusão de uma acessibilidade imediata e automática dos entes (GA65 :236). Não poderíamos estar perseguindo e evitando entes específicos se os entes como tais não tivessem sido concedidos a nós. Não poderíamos estar buscando coisas novas e desconhecidas se já não estivéssemos familiarizados com o todo. Não é que, sem essa familiaridade prévia, ficaríamos cegos ou paralisados; nós não existiríamos de fato. Alguém que nunca teve um senso do todo não é ninguém. Ser alguém requer um senso de seu próprio “aí”, dentro do qual as coisas podem ser dadas, buscadas e evitadas. Para ser alguém, é preciso ter sido jogado em um “aí”. Deixar de esquecer a dação significa descobrir que se é aí no aí. Todas as explicações e articulações posteriores do senso de dação se baseiam nesse reconhecimento primordial de ser totalmente jogado.
O insight sobre a necessidade de familiaridade prévia com a dação do todo geralmente assume a forma de um rebaixamento da percepção como fonte de verdade. Em termos gerais, perceber é obter algo novo (um novo som ou cor ou, em geral, uma nova “informação”). Mas se, para obter algo novo, já devemos ter algo antigo (dado), então obter não é a totalidade do conhecimento nem seu fundamento. O conhecimento que conhece a si mesmo deve incluir o deixar de esquecer a dação. Conhecimento como deixar de esquecer a dação é o que tradicionalmente chamamos de conhecimento a priori, o conhecimento do que já deve ser/estar no lugar antes que possamos perceber. O que é conhecido em tal conhecimento está aí de antemão. Poderíamos simplesmente chamá-lo de “o prévio”.
[POLT , Richard F. H. The emergency of being: on Heidegger’s contributions to philosophy. Ithaca, NY: Cornell Univ. Press, 2013]
Ver online : Richard Polt