Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Luijpen: o legítimo filosofar

quarta-feira 31 de maio de 2017

Mesmo que um sistema não contivesse nenhuma tese falsa, o legítimo filósofo pouco poderia fazer com ele. Porque a verdade de um sistema ou de teses não é (ou ainda não é) sua verdade pessoal, e nunca chegará a sê-lo enquanto a pessoa simplesmente aprende as teses, mesmo acompanhadas de provas. Impossível que a verdade de um sistema jamais se torne uma verdade pessoal se o filósofo não se apropria em pessoa da realidade expressa nesse sistema. O legítimo filosofar é a tentativa de responder pessoalmente a um perguntar pessoal. Nesse sentido, o autêntico e legítimo filosofar precisa ser original per se: trata-se de um assunto pessoal, um perguntar e responder do próprio homem. ("O pensamento filosófico há de ser sempre original. Todo homem deve exercê-lo por si". K. Jaspers  )

É a vida que suscita o perguntar filosófico. O homem deve compreender a vida, mas existem muitas situações em que não o consegue. Minha vida, entretanto, é minha e não posso passar ao lado como se ela não me dissesse respeito (J. Ortega y Gasset  , El hombre y la gente). A característica do ser do homem, que ele se relaciona com seu próprio ser. O homem é, em si, o que ele é.

"O ser-aí é Sendo que em seu ser se relaciona compreensivamente com esse ser. Assim fica indicado o conceito formal da existência. O ser-aí existe. Ele é ademais o Sendo que eu mesmo sou. Ao ser-aí existente pertence a unicidade como condição da possibilidade do autêntico e inautêntico". SZ  , p. 168. N. do trad.: Traduzimos como Sendo, com maiúscula (para evitar confusões com o gerúndio do verbo) o Seiend alemão ou o zinjnde neerlandês quando usado em sentido técnico.

Não é, pois, uma coincidência acidental que o homem seja chamado a filosofar de modo original e pessoal. Toda sua vida só é autenticamente humana quando ele próprio vive. O filosofar só é legítimo filosofar quando o homem próprio filosofa, quando ele próprio suscita perguntas, quando ele próprio procura respondê-las, quando ele próprio cuida de vencer os óbices do conhecimento. As perguntas e respostas de um sistema são impessoais e os obstáculos a transpor para possibilitar uma dada formulação pouco importam nele. Se a filosofia fosse uma questão de "aprender" sistemas e teses, seria uma coisa fastidiosa, pela qual o homem não se tornaria mais homem do que pela aprendizagem dos centros industriais da Bélgica ou da bacia carbonífera do País de Gales.

Apesar disso, não raras vezes a filosofia é assim considerada. Eis por que deixa de ser satisfatória. Com efeito, se as perguntas dos sistemas não são propriamente minhas perguntas, as respostas também não são minhas respostas e eu mesmo não me torno nunca filósofo. Isso se reduz ao que Heidegger chama falatório (Gerede). ["Não se entende mais tanto o Sendo falado, mas passa-se então a escutar só o falado como tal". SZ  , p. 168] O filosofar passa a ser simplesmente "falado". O filósofo fala como se fala em uma determinada tradição, visando-se mais a fala em si, sem a compreensão da realidade. O falar não é mais uma apropriação original e uma expressão pessoal da realidade, mas apenas um "falar e repetir", em conformidade com aquilo que a gente diz. Daí resulta que o filósofo não sabe, de maneira alguma, se conhece de fato algo ou é simplesmente vítima do que se disse sempre. Heidegger designa essa situação como ambiguidade (Zweideutigkeit) [SZ  , pp. 173-175].


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