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Luijpen (1973:100-101) – Exclusão do "problema critico" ?
terça-feira 19 de novembro de 2024
Em nosso primeiro capítulo já indicamos que o problema crítico, como formulado desde Descartes , não subsiste. Não tem sentido algum perguntar-se se existe realmente um mundo, porque essa questão só pode ser levantada a partir de uma filosofia constituída que não procura no conhecimento, tal como ocorre, os termos em que o problema crítico deve ser posto. O conhecimento humano só aparece como intencionalidade, o que implica que o conhecimento simplesmente não é o que é sem o mundo real. Portanto, a existência do mundo não deve e não pode ser provada, [1] visto que o sujeito-como-cogito é, em si mesmo, relação ao mundo real. O "escândalo da filosofia" não consiste, como pensava ainda Kant , em ninguém até agora ter podido estabelecer claramente uma prova da existência do mundo, mas, como deixou claro Heidegger, no fato de que ainda se procure semelhante prova.
Mas, dir-se-á, não têm valor algum as razões que levaram Descartes a duvidar da existência real do mundo ? Não posso sonhar, e, sonhando, pensar que percebo um mundo real, não existente na realidade ? Não posso ter alucinações, temores e desejos, convencendo-me, contudo, de que todas as significações percebidas em alucinações, temores ou desejos são reais, quando de fato não o são ?
É evidente que posso fazer tudo isso. Mas a distinção estabelecida pelo próprio Descartes entre perceber e sonhar significa que implicitamente ele já conhecia a diferença entre um mundo percebido e um mundo sonhado. Sabia tacitamente que, ao perceber, estava envolvido no mundo real, o que não se dava quando sonhava ou tinha alucinações. [2] Apesar disso Descartes punha "o mundo todo" entre parênteses, inclusive o mundo da percepção, que já afirmara real. Enquanto, porém, punha entre parênteses também o mundo da percepção, apagava a diferença entre perceber e sonhar, porque subsiste em virtude da diferença entre o mundo percebido e o sonhado. Descartes enchia o cogito de imagens imanentes, mas nelas o sujeito nunca pode "ver" se são imagens sonhadas ou reais. [3] Quem toma a sério a ideia da intencionalidade não pergunta mais se o mundo que ele "vê" existe realmente. O que pergunta é se realmente "vê" e não sonha. [4]
[LUIJPEN , Wilhelmus Antonius Maria. Introdução à fenomenologia existencial. Tr. Carlos Lopes de Mattos. São Paulo: EDUSP, 1973]
Ver online : Luijpen
[1] “Vê-se… como o problema da existência do mundo exterior não apresenta, rigorosamente falando, nenhum sentido”. Marcel, G., Journal Méthaphysique, IIa ed., Paris, 1935., p. 26.
[2] "Porque se posso falar de ’sonhos’ e da ’realidade’, interrogar-me quanto à distinção do imaginário e do real, e pôr em dúvida o ’real’; é porque essa distinção já está feita por mim antes da análise, é porque tenho uma experiência tanto do real como do imaginário, e o problema então não é procurar como o pensamento crítico pode dar-se equivalentes secundários dessa distinção, mas explicitar nosso saber primordial do ’real’, descrevendo a percepção do mundo como o que funda para sempre nossa ideia de verdade". Merleau-Ponty, Phénoménologie de la Perception, Avant-propos, p. XI.
[3] "Se eu dissesse com o sensualismo que só existem ’estados de consciência’ e procurasse distinguir de meus sonhos minhas percepções mediante ’critérios’, falharia ao fenômeno do mundo". Ibid.
[4] "Não se deve, pois, perguntar se percebemos verdadeiramente um mundo; cumpre dizer, ao contrário: o mundo é aquilo que percebemos". Ibid.