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Luijpen: Filosofia como palavra falante
quarta-feira 31 de maio de 2017
Uma filosofia constituída é pensamento solidificado, palavra falada (parole parlée). O pensamento solidificado, contudo, tem sua origem na palavra falante (parole parlante), [1] na expressão pessoal da realidade. Sendo o filosofar um assunto pessoal, não pode encontrar, como palavra falante, seu ponto de partida senão na presença pessoal do filósofo que sou à realidade que aí está. Essa presença se chama "experiência".
De grande importância será entender tal termo no sentido mais amplo. Porque, sem colocar desde agora expressamente a questão do que seja a essência da experiência, devemos ver com clareza que há muitos modos de experimentar, colocando-nos, todos, em presença de uma determinada realidade. Existe uma diferença na experiência de uma pedra, de H2O, de uma rosa, do Grimsel, de um mentiroso, de uma comissão examinadora, de um agente de polícia, de uma boa criança e do ser como ser. Quem procura compreender tais diferenças verifica que as citadas experiências não são simplesmente o que são, mas uma determinada Einstellung ou "atitude" do sujeito. Para experimentar a realidade de uma comissão examinadora, devo poder, ao menos na imaginação, colocar-me na "atitude" de um candidato com a possibilidade de malogro. Já a experiência da realidade de uma rosa pressupõe uma "atitude" completamente diversa. A realidade de um irado agente de polícia não pode ser atingida por aquele que adota uma "atitude" artística, como a que se tem ao experimentar a beleza de uma flor. Para poder ver a realidade do policial é absolutamente necessário colocar-se a gente, ao menos de modo imaginário, na "atitude" de um real ou suposto transgressor da lei.
Ainda não dissemos quando uma experiência pode ser chamada filosófica, mas uma filosofia digna de tal nome deve, com certeza, exprimir a realidade. Nesse caso, a filosofia deve partir de certa experiência, ou seja, da presença imediata de uma realidade que aí está. Se o filósofo partisse de teses, [2] nunca saberia o que aceitar, afinal, como verdade. Não veria nenhuma realidade, mas, sem dúvida — ao menos [20] em primeira instância — só existe o que ele vê. E ver o filósofo o faz pessoalmente ou não o faz.
Ideias análogas se aplicam à formação filosófica. Esta não pode insistir em que aquele que a recebe se compenetre de certas teses, mesmo quando, por outras fontes, saiba que são "todas verdadeiras". Só poderá chamar-se filosófica uma formação desde que, encarada da parte daquele que forma, se resuma num oferecimento de auxílio ao formando, visto que este deve ver por si a realidade. Pode talvez ser útil que algumas pessoas, devido a certas atividades, sejam simplesmente imbuídas de determinadas teses, mas isso não tem nenhum sentido filosófico. Mesmo uma formação real, ou seja, a que não se reduz a uma espécie de treinamento da mente para fins práticos, corre ainda o risco de falsificar o filosofar, porque a ajuda prestada ao formando a fim de que ele mesmo veja a realidade também consiste e deve consistir na apresentação do conhecimento de uma "filosofia já filosofada". Quantas vezes não acontece que a gente se limite a isso ? O que se ensina nas universidades como filosofia parece bem filosofia, mas nem sempre o é. [3] (1973, p. 19-20)
Ver online : SPRACHE
[1] Merleau-Ponty, Phénoménologie de la Perception, p. 229.
[2] "Não é das filosofias que deve partir o impulso da investigação, mas, sim, das coisas e dos problemas". E. Husserl, Philosophie als strenge Wissenschaft, em: Logos I (1910-1911), p. 340.
[3] "Os equívocos de que a filosofia se vê constantemente cercada são mais fomentados pelo que nós mesmos fazemos, i. e., pelos professores de filosofia. Com efeito, nossa tarefa habitual — justificada e até útil — consiste em proporcionar certo conhecimento informativo das filosofias até agora surgidas, o que aparece como sendo a própria filosofia, quando, no máximo, é apenas ciência filosófica". M. Heidegger, Einführung in die Metaphysik, Tübingen, 1953, p. 9. (Trad. port. de Emmanuel Carneiro Leão: Introdução à Metafísica, Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1969 [2.a ed.]).