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Kisiel (1995:442-444) – A temporalidade se temporaliza

terça-feira 22 de outubro de 2024, por Cardoso de Castro

No momento, estamos captando o sentido em seu movimento para fora, mas estamos realmente mais interessados na “pré” estrutura dessa direção: “O sentido é a direção que já está estruturada por uma pré-possessão [Vorhabe], pré-visualização [Vorsicht] e pré-conceito [Vorgriff]… (ibid.). A extensão temporal do passado para o futuro dessas pré-suposições vividas, agora claramente identificadas como projetos vividos de possibilidade humana em vez de proposições explícitas, que por meio do movimento espiralado da interpretação são trazidas para a linguagem pela primeira vez (SZ   314 e seguintes), tem se manifestado quase desde o início no sentido de Heidegger da “situação hermenêutica” (desde SS 1922   [GA62  ]): O ser humano já é tido e, portanto, se mantém, já é visto ao olhar para frente, já é apreendido em sua concepção contínua. O movimento em espiral de dar sentido à existência em seu ser é o resultado natural de seu caráter precedente. A pergunta sobre o sentido do ser deve ser rastreada até a pré-compreensão do ser que induz e direciona a situação interrogativa da própria pergunta. O processo de compreensão da interpretação em si deve, portanto, ser explicado em termos das condições temporais de uma existência irremediavelmente situada, situada no sentido já latente em sua possibilidade subjacente. Essa possibilidade primária, a pré-compreensão do próprio ser, recebe sua possibilidade última do projeto mais básico, o próprio tempo. Nesse passo final de volta à fonte da atribuição de sentido, ao nos aproximarmos da fonte do imediatismo da experiência, nos vemos recorrendo ao discurso duplo da tautologia. A possibilidade da possibilidade, o sentido do sentido, o projeto dos projetos, é o próprio tempo. A temporalidade original é o “sentido do Dasein” (SZ   331), “o sentido ontológico do cuidado” (SZ   323), “a condição original para a possibilidade do cuidado” (SZ   372), “o sentido do ser da totalidade do Dasein” (SZ   373). Como o próprio sentido do cuidado, a temporalidade “possibilita a totalidade de seu todo estrutural articulado na unidade de sua articulação desdobrada” (SZ   324). A temporalidade “é” a própria base (Boden: SZ   373; 328) da possibilidade para o sentido, a unidade e a totalidade da existência em seu ser, seu λόγος.

O resultado “exterior” desse retorno à fonte experiencial da compreensão do ser, por meio da ideia-guia da ek-sistência, vem com o exame mais detalhado dos sentidos tendenciais dos tempos verbais do tempo. “Os fenômenos do ’em direção a . . .’ ’de volta a . . .’ e ’entre . . .’ tornam a temporalidade manifesta como o εκστατικόν puro e simples. A temporalidade é o original ’fora de si’ em e para si mesmo” (SZ   329). Como um evento explosivo, o tempo abre a expansão ektática que define [443] o impulso e o contexto vetorial da existência. Mas, em vez de impor uma teoria do Big Bang da existência a Heidegger, vamos observá-lo tateando em busca de seus próprios termos para descrever o dínamo de sentido e possibilidade que ele encontra na fonte experiencial da existência:

A temporalidade “não é” uma entidade de forma alguma. Ela não é, em vez disso, ela se temporaliza. . . . A temporalidade se temporaliza e, de fato, ela temporaliza as possíveis formas de si mesma. Isso permite a multiplicidade de modos de ser do Dasein e, especialmente, a possibilidade básica de existência autêntica e inautêntica. . . . A temporalidade não é, antes de tudo isso, uma entidade que primeiro sai de si mesma, sua essência é antes uma temporalização na unidade dos ektases. . . . O futuro tem uma precedência na unidade da temporalidade original e autêntica. Mesmo assim, a temporalidade não surge primeiro por meio de uma sequência cumulativa de ektases, mas em cada instância se temporaliza em sua equiprimordialidade. Mas dentro dessa equiprimordialidade, os modos de temporalização são diferentes. A diferença está no fato de que a temporalização pode se determinar primariamente a partir das diferentes ektases. (SZ   328f.)

Uma unidade e uma variedade de articulação na fonte do sentido: tons da “doutrina de categorias e sentido” da habilitação. Até mesmo a frase intencionalmente sublinhada ressoa com a teoria neo-kantiana do sentido que Heidegger sustentava na época. “Não ’é’, mas sim sustenta, carrega peso (es gilt).” Mas como essa teoria da validade, com sua ênfase pesada na necessidade, está longe da nova teoria do sentido de Heidegger, com sua ênfase na possibilidade: “Ela clareia, ela se mantém, ela capacita, habilita, torna possível”. A declaração completa dessa “tese” existencial-ontológica serve para acentuar essa nota de possibilidade: “A temporalidade se temporaliza originalmente a partir do futuro” (SZ   331). Como uma tautologia verbal, é claramente uma declaração de origem, mais intensamente focada no coração da “matéria em si”, na gênese do sentido a partir do imediatismo da vida, do que sua versão anterior na conclusão da SS 1925 [GA20  ]: “Não: ’O tempo é’; mas sim: ’O Dasein temporaliza seu ser qua tempo’” (GA20  :442/319).


Ver online : Theodore Kisiel


KISIEL, Theodore. The Genesis of Heidegger’s Being and Time. Berkeley: University of California Press, 1995