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Figal (2005:145-147) – tonalidade afetiva [Stimmung]

quinta-feira 14 de novembro de 2024, por Cardoso de Castro

Uma vez que as tonalidades afetivas [Stimmung] tornam manifesta a inacessibilidade do comportamento [Verhalt], elas mostram a “abertura de mundo do ser-aí” [Weltoffenheit des Daseins] (ST, 137). “Abertura de mundo” não pode significar nesse caso que o “ser-aí” está aberto para um mundo ou em vista de um mundo. Se se dissesse isso, então ter-se-ia interpretado o “ser-aí” e o “mundo” segundo o modelo do “sujeito” e do “objeto”. A “abertura de mundo” designa muito mais que é possível se comportar na lida com um ente, e, com isso, tem em vista a abertura do ente mesmo, porquanto ele seja tomado sob o ponto de vista do comportamento possível. Consequentemente, as tonalidades afetivas não são nada além de maneiras diversas de inserção na abertura do ente; elas são experiências da liberdade a ser pensada como “deixar ser”. […]

Se se compreendem as tonalidades afetivas como o apreender do ente em sua abertura, em meio à qual se tem de assumir um comportamento, ou, dito com a terminologia de Heidegger, como o apreender da facticidade sob o modo do estar jogado no mundo, então está efetivamente fora de questão interpretar tonalidades afetivas como a execução de processos. Tanto mais natural poderia ser agora, porém, atribuir-lhes um caráter passivo e apreendê-las aristotelicamente como πάθη. Além disso, ainda poderíamos nos reportar aí ao fato de Heidegger se referir explicitamente a Aristóteles em suas análises das tonalidades afetivas. A questão é que a apreensão de tonalidades afetivas como estados dos quais padecemos é tão problemática quanto a articulação entre Heidegger e Aristóteles. No que concerne ao primeiro ponto, fala-se em verdade que se “sofre” de depressão ou que se “padece” de tédio; não se diria isso sem mais da euforia ou mesmo da “equanimidade não perturbada” (ST, 134). É possível que se tente explicar um tal estado de coisas com a indicação de que não se tem normalmente nenhum interesse em “reprimir” ou evitar a equanimidade e menos ainda a euforia, de modo que aqui não permanece senão encoberto que sofremos deles. Todavia, essa explicação tem vista curta porque se orienta pelo modo de lidar com tonalidades afetivas e não por essas tonalidades mesmas. Se só podemos falar efetivamente de um “sofrer” em sentido expresso caso haja um fazer correspondente ao [147] sofrimento, então não se pode denominar as tonalidades afetivas um sofrer, uma vez que elas são a apreensão da facticidade. Quem fala, porém, em sofrer, por exemplo, de uma depressão, também não pensa efetivamente em um sofrer no sentido do πάσχειv aristotélico como uma determinação ontológica: ele pensa muito mais que depressões são sentidas como desagradáveis, e, como esse não é o caso em meio ao alto astral, hesita-se aqui em dizer que se está sofrendo dessa tonalidade afetiva. Tudo depende aqui tão-somente da pergunta sobre como é preciso tomar ontologicamente as tonalidades afetivas, e, no que diz respeito à problemática ontológica, Heidegger não assume o esquema aristotélico do ποιεῖν e do πάσχειν em meio à sua interpretação das tonalidades afetivas. Quando Heidegger recorre aos termos “afeto” e “sentimento” para mostrar como “os fenômenos” (ST, 138) que ele quer trazer à tona foram tratados na tradição, ele acaba certamente por deixar na obscuridade a diferença entre a sua própria concepção e a concepção tradicional. Por intermédio de uma comparação entre a análise heideggeriana   e a análise aristotélica do temor pode-se deixar claro que, apesar disso, é legítimo interpretar os afetos a partir das tonalidades afetivas.


Ver online : Günter Figal


FIGAL, Günter. Fenomenologia da Liberdade. Tr. Marco Antonio Casanova. São Paulo: Forense, 2005