A essência da técnica repousa na com-posição [Ge-stell]. Sua regência é parte do destino [1]. Posto pelo destino num caminho de desencobrimento [2], o homem, sempre a caminho, caminha continuamente à beira de uma possibilidade [3]: a possibilidade de seguir e favorecer apenas o que se des-encobre na dis-posição [4] e de tirar daí todos os seus parâmetros e todas as suas medidas. Assim, tranca-se uma outra possibilidade: a possibilidade de o homem empenhar-se, antes de tudo e [29] sempre mais e num modo cada vez mais originário, pela essência do que se des-encobre e seu desencobrimento [5], com a finalidade de assumir, como sua própria essência, a pertença encarecida ao desencobrimento [6].
Entre essas duas possibilidades, o homem fica ex-posto a um perigo que provém do próprio destino [Geschick]. Por isso, o destino do desencobrimento é o perigo em todos e em cada um de seus modos e, por conseguinte, é sempre e necessariamente perigo [Gefahr].
Em qualquer modo, em que o destino do desencobrimento [7] exerça seu vigor, o desencobrimento [Unverborgenheit], em que tudo é e mostra-se cada vez traz sempre consigo o perigo de o homem equivocar-se com o desencobrimento e o interpretar mal. Assim, quando todo o real se apresenta à luz do nexo de causa e efeito [8], até Deus pode perder, nesta representação, toda santidade e grandeza, o mistério de sua transcendência e majestade. À luz da causalidade, Deus pode degradar-se a ser uma causa, a causa efficiens. Ele se torna, então, até na teologia, o Deus dos filósofos, daqueles que medem o des-encoberto e o coberto de acordo com a causalidade do fazer [9], sem pensar de onde provém a essência da causalidade [10].
Do mesmo modo, em que a natureza, expondo-se, como um sistema operativo e calculável de forças pode proporcionar constatações corretas, mas é justamente por tais resultados que o desencobrimento pode tornar-se o perigo de o verdadeiro se retirar do correto.
O destino do desencobrimento não é, em si mesmo, um perigo qualquer, mas o perigo.
Se, porém, o destino impera segundo o modo da com-posição, ele se torna o maior perigo, o perigo que se anuncia em duas frentes. Quando o des-coberto já não atinge o homem, como objeto, mas exclusivamente, como disponibilidade, quando, no domínio do não objeto, o homem se reduz apenas a dis-por da dis-ponibilidade [11] – então é que chegou à última beira do precipício, lá onde ele mesmo só se toma por dis-ponibilidade [Bestand]. E é justamente este homem assim ameaçado que se alardeia na figura de senhor da terra, Cresce a aparência de que tudo que nos vem ao encontro só existe à medida que é um feito do homem. Esta aparência faz prosperar uma derradeira ilusão, segundo a qual, em toda parte, o homem só se encontra consigo mesmo. Heisenberg mostrou, com toda razão, [30] que é assim mesmo que o real deve apresentar-se ao homem moderno. Entretanto, hoje em dia, na verdade, o homem já não se encontra em parte alguma, consigo mesmo, isto é, com a sua essência. O homem está tão decididamente empenhado na busca do que a com-posição pro-voca e ex-plora [12], que já não a toma, como um apelo [Anspruch], e nem se sente atingido pela ex-ploração. Com isto não escuta nada que faça sua essência ex-sistir no espaço de um apelo e por isso nunca pode encontrar-se, apenas, consigo mesmo.
[HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferências. Tr. Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel , Marcia Sá Cavalcante Schuback . Petrópolis: Vozes, 2002, p. 28-29]