“Lógica” é o nome para a “doutrina do pensamento correto” [richtigen Denken]. Ela expõe a construção interior do pensamento, as suas formas e regras. “Fazer lógica” significa, portanto, aprender a pensar corretamente. Quando o pensamento é correto? Manifestamente, quando se processa de acordo com as formas e regras estabelecidas pela lógica, correspondendo assim à “lógica”. O pensamento é correto quando é “lógico”. Diz-se que isso e aquilo é “bastante lógico”, indicando, com isso, não um pensamento e a sua correção, mas um estado de coisas (um processo ou o conjunto de fatos) que resulta, como sequência correta, de uma situação fatual das coisas. Essa “sequência correta” consiste no percurso fatual segundo o conjunto fatual das coisas. O “lógico”, a “sequência correta” e, sobretudo, o correto, residem, portanto, nas coisas e não em nosso pensamento. Falamos de uma lógica interna das coisas. Só pensamos logicamente, ou seja, corretamente, quando pensamos “coisalmente” a partir das coisas e com vistas às coisas. Como, porém, nosso pensamento pode ser coisal sem que o pensamento se entregue às coisas e atente à sua constringência? Então, a correção do pensamento está novamente devolvida ao nosso pensamento e à correta entrega do pensamento às coisas. Existe, portanto, uma “lógica” dupla, uma lógica do pensamento [Logik des Denkens] que diz como o pensamento segue e sucede corretamente às coisas, e uma lógica das coisas [Logik der Sachen] que mostra o fato e a medida em que as coisas possuem, dentro de si mesmas, uma sequência correta. As coisas não convocam e não nos convocam se não dispensamos a elas os nossos próprios pensamentos. Nosso pensamento fica, no entanto, sem sustento e oscilante se ele não se vir primeiramente convocado pelas coisas e não permanecer sob essa exigência provocadora. É estranho como, aqui, a lógica das coisas e a lógica do pensamento, como o pensamento e as coisas encontram-se numa mutualidade recíproca em que um se volta para o outro, em que um se vê provocado pelo outro. Tudo ainda se torna mais estranho quando essa exigência provocadora, em que as coisas e o pensamento se vocacionam reciprocamente, não deve provir nem das coisas e nem do pensamento. Tudo se torna enigmático quando essa exigência provocadora recai sobre as coisas e sempre já se colocou para os homens, mesmo que o homem não preste atenção à chegada dessa provocação e, muito menos, à sua proveniência.
Um indício disso talvez seja o fato de que nem a lógica do pensamento, nem a lógica das coisas — e nem ambas em sua cópula recíproca — constituam a lógica em sentido próprio. Então, a origem e o fundamento do pensamento correto, do pensamento em geral, seria algo velado para nós. Então, estaríamos na situação de nunca sabermos e de só percebermos de bem longe sob que exigência provocadora nos achamos quando tentamos seguir a intimação corriqueira de pensar corretamente. Talvez o homem, que ardilosamente não se cansa de tecer pensamentos novos, viva de há muito numa desatenção do pensamento. Isso porque se petrificou na opinião de que o pensamento não passa de um cálculo. Essa opinião é, sem dúvida, tão antiga quanto o próprio pensamento, e algum dia haveremos de perceber que o pensamento pode ser errante, e erra, em sua própria essência.
Por isso, a incorreção propriamente dita do pensamento jamais significa o erro de pensamento cometido numa sequência de passos do pensamento como, por exemplo, numa conclusão. Significa, ao contrário, que em sua própria essência e origem essencial o pensamento descuida-se de si. Será que esse descuido na própria essência pode ser o fundamento da incorreção propriamente dita do pensamento? Então, uma conjuntura diferente, e talvez bem mais elevada, é que estaria implicada na tarefa de pensar corretamente e de aprender a pensar corretamente.
(Talvez esse descuidar-se [Sichversehen] na própria essência [Wesen] constitua um dote que distingue a origem e a determinação do pensamento, e somente dele. Um dote que não deve ser pensado como mera falta, um dote que é mais a fiança sobre a qual recaem as decisões propriamente ditas, uma vez que a decisão pertence à cisão e esta, por sua vez, à incisão distintiva. Decisão só é possível onde há distinção. Como, porém, uma distinção poderia manifestar-se, se já não houvesse uma decisão e a prontidão para decidir? Decidir não é um traço fundamental do pensamento? De onde advém esse traço para o pensamento?)