Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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medo

quarta-feira 13 de dezembro de 2023

Furcht  

Preocupar-se” indica, neste caso, uma espécie de ter MEDO. STMSC: §12

Em A (a constituição existencial do pre [das Da  ]) trata-se, pois: da presença [Dasein  ] como disposição (§29), do MEDO como um modo de disposição (§30), da presença [Dasein] como compreender (§31), de compreender e interpretação (§32), do enunciado como modo derivado da interpretação (§33), da presença [Dasein], fala e linguagem (§34). STMSC: §28

Apenas o que é na disposição do MEDO, o sem MEDO, pode descobrir o que está à mão no mundo circundante como algo ameaçador. STMSC: §29

O fenômeno da disposição, no modo determinado do MEDO, será demonstrado agora de modo ainda mais concreto numa relação com uma disposição fundamental da presença [Dasein], a angústia, que será interpretada posteriormente (cf §40). STMSC: §29

O fenômeno do MEDO pode ser considerado segundo três perspectivas: analisaremos o de que (Wovor  ) se tem MEDO, o ter MEDO e o pelo que (Worum) se tem MEDO. Essas perspectivas possíveis e copertinentes não são casuais. Com elas vem à luz a estrutura da disposição. A análise se completará com a indicação das possíveis modificações do MEDO e de seus vários momentos estruturais. STMSC: §30

O de que se teme, o “amedrontador”, é sempre um ente que vem ao encontro dentro do mundo e que possui o modo de ser do que está à mão, ou do ser simplesmente dado ou ainda da co-presença [Dasein]. Não se trata de relatar onticamente o ente que, na maior parte das vezes e das mais diversas formas, pode tornar-se “amedrontador”. Trata-se de determinar fenomenalmente o que é amedrontador em seu ser amedrontador. O que pertence ao amedrontador como tal a ponto de vir ao encontro no ter MEDO? Aquilo de que se tem MEDO possui o caráter de ameaça. Isso implica varias coisas: 1. O que vem ao encontro possui o modo conjuntural de ser prejudicial. Ele sempre se mostra dentro de um contexto conjuntural. 2. Esse prejudicial visa a um âmbito determinado daquilo que pode encontrar. Chega trazendo em si a determinação de uma região dada. 3. A própria região e o “estranho” que dela provem são conhecidos. 4. Enquanto ameaça, o prejudicial não se acha ainda numa proximidade dominável, ele se aproxima. Nesse aproximar-se, o prejudicial se irradia, e seus raios apresentam o caráter de ameaça. 5. Esse aproximar-se aproxima-se dentro da proximidade. O que, na verdade, pode ser prejudicial no mais alto grau e até constantemente se aproxima, embora mantendo-se a distância, vela seu ser amedrontador. É, porém, aproximando-se na proximidade que o prejudicial ameaça, pois pode chegar ou não. Na aproximação cresce esse “pode chegar, mas por fim não”. Então dizemos, é amedrontador. 6. Isso significa: ao se aproximar na proximidade, o prejudicial traz consigo a possibilidade desvelada de ausentar-se e passar ao largo, o que não diminui nem resolve o MEDO, ao contrário, o constitui. STMSC: §30

O ter MEDO ele mesmo libera a ameaça que assim caracterizada se deixa e faz tocar a si mesma. Não se constata primeiro um mal futuro (malum futurum  ) para então se ter MEDO. O ter MEDO também não constata primeiro o que se aproxima, mas, em seu ser amedrontador, já o descobriu previamente. É tendo MEDO que o MEDO pode ter claro para si o de que tem MEDO, “esclarecendo-o”. A circunvisão vê o amedrontador por já estar na disposição do MEDO. Como possibilidade adormecida do ser-no-mundo disposto, o ter MEDO é “medrosidade” e, como tal, já abriu o mundo para que o amedrontador dele possa aproximar-se. A própria possibilidade de aproximação é liberada pela espacialidade essencialmente existencial de ser-no-mundo. STMSC: §30

O próprio ente que tem MEDO, a presença [Dasein], é aquilo pelo que o MEDO tem MEDO. Apenas o ente em que, sendo, está em jogo seu próprio ser, pode ter MEDO. O ter MEDO abre esse ente no conjunto de seus perigos, no abandono a si mesmo. Embora em diversos graus de explicitação, o MEDO desvela a presença [Dasein] no ser de seu pre [das Da]. Se tememos pela casa ou pela propriedade, isso não contradiz em nada a determinação anterior daquilo pelo que se teme. Pois enquanto ser-no-mundo, a presença [Dasein] é um ser em ocupações junto a. Numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, a presença [Dasein] é a partir do que se ocupa. Estar em perigo é a ameaça de ser e estar junto a. Predominantemente, o MEDO revela a presença [Dasein] de maneira privativa. Ele confunde e faz “perder a cabeça”. O MEDO vela, ao mesmo tempo, o estar e ser-em perigo, já que deixa ver o perigo a ponto de a presença [Dasein] precisar se recompor depois que ele passa. STMSC: §30

Ter MEDO por ou ter MEDO de alguma coisa sempre abre – seja privativa ou positivamente – de modo igualmente originário, o ente intramundano em sua possibilidade de ameaçar e o ser-em no tocante ao estar ameaçado. MEDO é um modo da disposição. STMSC: §30

O ter MEDO por também pode estender-se a outros e, nesse caso, falamos de ter MEDO em lugar do outro. Esse ter MEDO em lugar de… não retira do outro o MEDO. Isso esta excluído porque o outro, em lugar de quem se tem MEDO, não precisa necessariamente ter MEDO. Na maior parte das vezes, temos MEDO em lugar do outro justamente quanto ele não tem MEDO e audaciosamente enfrenta o que o ameaça. Ter MEDO em lugar de… é um modo de disposição junto com os outros mas não necessariamente um ter MEDO junto com ou mesmo ter MEDO convivendo com. Pode-se ter MEDO em lugar de, sem ter MEDO por si. Visto mais precisamente, porém, ter MEDO em lugar de é um sentir-se amedrontar-se. “O que dá MEDO”, nesse caso, é o ser-com o outro, que poderia vir a ser suprimido. O amedrontador não visa diretamente àquele que tem MEDO junto com. O ter MEDO em lugar de… de certa forma sabe que não é atingido, embora, na verdade, seja atingido pela co-presença [Dasein], da qual se tem MEDO. O ter MEDO em lugar de não é, pois, um MEDO atenuado. Não se trata aqui de graus de “sentimento” e, sim, de modos existenciais. Com isso, porém, o ter MEDO em lugar de não perde sua autenticidade específica quando “propriamente” não tem MEDO. STMSC: §30

Os momentos constitutivos de todo o fenômeno do MEDO podem variar. Nessas variações, surgem diferentes possibilidades de ser do ter MEDO. A aproximação na proximidade pertence à estrutura de encontro daquilo que ameaça. Como uma ameaça, em seu “na verdade ainda não, mas a qualquer momento sim” subitamente se abate sobre o ser-no-mundo da ocupação, o MEDO se transforma em pavor. Desse modo, deve-se distinguir na ameaça: a aproximação mais próxima do que ameaça e o modo de encontro com a própria aproximação, o súbito. O referente do pavor e, de início, algo conhecido e familiar. Se, ao contrário, o que ameaça possuir o caráter de algo totalmente não familiar, o MEDO transforma-se em horror. E somente quando o que ameaça vem ao encontro com o caráter de horror, possuindo ao mesmo tempo o caráter de pavor, a saber, o súbito, o MEDO torna-se, então, terror. Outras variações do MEDO nos são conhecidas como timidez, acanhamento, receio e estupor. Enquanto possibilidades da disposição, todas as modificações do MEDO indicam que, como ser-no-mundo, a presença [Dasein] é “medrosa”. Essa “medrosidade” não deve ser compreendida onticamente no sentido de uma predisposição fatual e “singular”, mas como possibilidade existencial da disposição essencial de toda presença [Dasein] que, de certo modo, não é única. STMSC: §30

A elaboração dessa disposição fundamental e a caracterização ontológica do que nela se abre como tal retira seu ponto de partida do fenômeno da decadência e delimita a angústia frente ao fenômeno que lhe é próximo, a saber, o fenômeno do MEDO, anteriormente analisado. STMSC: §39

Não estamos totalmente despreparados para analisar a angústia. Não há dúvida de que o nexo ontológico entre angústia e MEDO é ainda obscuro. Mas é claro que, entre ambos, existe um parentesco fenomenal. O indício de parentesco reside em ambos os fenômenos permanecerem, na maior parte das vezes, inseparáveis um do outro, e isso a tal ponto que se chama de angústia o que é MEDO, e se fala de MEDO quando o fenômeno possui o caráter de angústia. Vamos então nos aproximar, passo a passo, do fenômeno da angústia. STMSC: §40

Chamamos de “fuga” de si mesmo o decair da presença [Dasein] no impessoal e no “mundo” das ocupações. Entretanto, nem todo retirar-se de…, nem todo desviar-se de… é necessariamente uma fuga. Caráter de fuga tem apenas o retirar-se, baseado no MEDO daquilo que desencadeia o MEDO, isto é, do ameaçador. A interpretação do MEDO como disposição mostrou: aquilo de que se tem MEDO é sempre um ente intramundano que, advindo de determinada região, torna-se, de maneira ameaçadora, cada vez mais próximo. Na decadência, a presença [Dasein] se desvia de si mesma. Aquilo de que se retira deve possuir o caráter de ameaça; o que, porém, ameaça é um ente que tem o modo de ser de um ente que se retira, ou seja, é a própria presença [Dasein]. Em consequência, aquilo de que se retira não pode ser apreendido como “amedrontador”, porque sempre vem ao encontro como ente intramundano. A única ameaça que pode tornar-se “amedrontador” e que se descobre no MEDO provém sempre de algo intramundano. STMSC: §40

O desvio da decadência não é, por conseguinte, um fugir que se fundasse num MEDO de algo intramundano. Nesse sentido, o desviar-se não possuiria o caráter de fuga, sobretudo quando se aviasse para o ente intramundano no sentido de nele empenhar-se. Ao contrário, o desvio da decadência funda-se na angústia que, por sua vez, torna possível o MEDO. STMSC: §40

Para se compreender o que se quer dizer com fuga decadente de si mesma, inerente à presença [Dasein], é preciso lembrar que a constituição fundamental da presença [Dasein] é ser-no-mundo. Aquilo com que a angústia se angustia é o ser-no-mundo como tal. Como se distingue fenomenalmente o com quê a angústia se angustia daquilo que o MEDO teme? O com quê da angústia não é, de modo algum, um ente intramundano. Por isso, com ele não se pode estabelecer nenhuma conjuntura essencial. A ameaça não possui o caráter de algo prejudicial que diria respeito ao ameaçado na perspectiva determinada de um específico poder-ser fático. O com quê da angústia é inteiramente indeterminado. Essa indeterminação não apenas deixa faticamente indefinido que ente intramundano “ameaça” como também diz que o ente intramundano é “irrelevante”. Nada do que é simplesmente dado ou que se acha à mão no interior do mundo serve para a angústia com ele angustiar-se. A totalidade conjuntural do manual e do ser simplesmente dado que se descobre no mundo não tem nenhuma importância, ela se perde em si. O mundo possui o caráter de total insignificância. Na angústia, não se dá o encontro disso ou daquilo com o qual se pudesse estabelecer uma conjuntura ameaçadora. STMSC: §40

Como a angústia já sempre determina, de forma latente, o ser-no-mundo, este, enquanto ser que vem ao encontro na ocupação junto ao “mundo”, pode sentir MEDO. MEDO é angústia imprópria, entregue à decadência do “mundo” e, como tal, angústia nela mesma velada. STMSC: §40

Não se deve confundir a angústia com a morte e o MEDO de deixar de viver. STMSC: §50

No âmbito público, “pensar na morte” já é considerado um MEDO covarde, uma insegurança da presença [Dasein] e uma fuga sinistra do mundo. STMSC: §51

O impessoal ocupa-se em reverter essa angústia num MEDO frente a um acontecimento que advém. STMSC: §51

Ademais, considera-se a angústia, que no MEDO se torna ambígua, uma fraqueza que a presença [Dasein] segura de si mesma deve desconhecer. STMSC: §51

Isso é testemunhado, de modo indubitável, embora “apenas” indireto, pelo ser-para-a-morte já caracterizado, quando a angústia se faz MEDO covarde e, superando, denuncia a covardia à angústia. STMSC: §53

Já salientamos que os humores, não obstante conhecidos do ponto de vista ôntico, não são reconhecidos em sua função existencial originária. São considerados vivências fugazes que “dão cor” a todo o “estado d’alma”. O que, para uma simples observação, não passa de um aparecer e desaparecer fugaz pertence, no entanto, à consistência originária da existência. Mas o que pode haver de comum entre os humores e o “tempo”? Que estas “vivências” vêm e vão, que elas transcorrem “no tempo”, é uma constatação trivial; sem dúvida, e, na verdade, uma constatação ôntico-psicológica. A tarefa consiste, porém, em demonstrar a estrutura ontológica da afinação do humor em sua concreção existencial e temporal  . Numa primeira aproximação, isso pode apenas significar: tornar visível, ao menos uma vez, a temporalidade do humor. A tese segundo a qual “disposição funda-se, primariamente, no vigor de ter sido” diz que o caráter existencial básico do humor é uma recolocação em… A recolocação não produz o vigor de ter sido, mas a disposição sempre revela, para a análise existencial, um modo do vigor de ter sido. A interpretação temporal da disposição não pode, portanto, pretender deduzir os humores da temporalidade e dissolvê-los em puros fenômenos de temporalização. Trata-se apenas de comprovar que os humores, no que e no modo em que “significam” existenciariamente, só são possíveis com base na temporalidade. A interpretação temporal limitar-se-á aos fenômenos já analisados do MEDO e da angústia. STMSC: §68

Começaremos a análise com a demonstração da temporalidade do MEDO. Caracterizou-se o MEDO como disposição imprópria. Em que medida o vigor de ter sido é o sentido existencial que o possibilita? Que modo desta ekstase   caracteriza a temporalidade específica do MEDO? MEDO é ter MEDO do que ameaça. Trata-se do que se aproxima prejudicialmente, como já descrito, do poder-ser fático da presença [Dasein], no âmbito do que está à mão e do que é simplesmente dado nas ocupações. No modo da circunvisão cotidiana, o ter MEDO abre algo que ameaça. Um sujeito meramente espectador nunca poderia descobrir algo assim. Mas não será esta abertura de ter MEDO de alguma coisa um deixar vir-a-si? Não é correta a determinação do MEDO como espera de um mal que está vindo (malum futurum)? Não será o sentido temporal primário do MEDO tanto o porvir como o vigor de ter sido? Indiscutivelmente, o MEDO não apenas se “relaciona” com o que “está por vir”, entendido como o que só advém “no tempo”, mas também esse relacionar-se, em si mesmo, já está por vir, no sentido do tempo originário. Sem dúvida, também pertence à constituição existencial e temporal do MEDO um aguardar. Mas, de início, isso diz apenas que a temporalidade do MEDO é imprópria. Será que ter MEDO de alguma coisa é apenas esperar uma ameaça em advento? Esperar uma ameaça em advento ainda não precisa ser MEDO, e é tão pouco MEDO que lhe falta justamente o caráter do humor específico do MEDO. Este reside em que o aguardar próprio ao MEDO deixa e faz com que aquilo que ameaça volte para o poder-ser fático, empenhado em ocupações. Só no aguardar é que o que ameaça pode estar de volta para o ente que eu sou e, dessa forma, a presença [Dasein] só pode ser ameaçada caso já se tenha aberto, ekstaticamente, o para onde volta. O caráter de humor e afecção do MEDO reside em que o aguardar medroso tem MEDO “de si mesmo”, isto é, em que todo ter MEDO de alguma coisa é um ter MEDO por… O seu sentido existencial e temporal constitui-se por um esquecer-se de si: qual seja, extrair-se, de forma conturbada, do poder-ser fático em sentido próprio; é nesse esquecer que o ser-no-mundo ameaçado se ocupa do que está à mão. É com razão que Aristóteles   determina o MEDO como lype tis he tarache, aflição e conturbação. A aflição pressiona a presença [Dasein] no sentido de voltar para o seu estar-lançado mas de tal maneira que justamente este estar-lançado se fecha. Já a conturbação funda-se num esquecer. O extrair-se no esquecimento de um poder-ser fático e decidido baseia-se nas possibilidades de salvação e escape previamente descobertas numa circunvisão. Porque se esquece de si e não apreendendo nenhuma possibilidade determinada, a ocupação que se teme salta do mais próximo para o mais próximo. Com isso, todas as possibilidades “possíveis” e impossíveis se oferecem. Aquele que tem MEDO não se detém em nenhuma delas; o “mundo circundante” não desaparece, ao contrário, lhe vem ao encontro justamente nesse não-mais-se-reconhecer no mundo circundante. Essa atualização conturbada do que é melhor por ser o mais próximo pertence ao esquecimento de si, inerente ao MEDO. É sabido que o habitante de uma casa em chamas, por exemplo, frequentemente, quer “salvar” as coisas mais indiferentes por estarem mais imediatamente à mão. A atualização esquecida de si de uma confusão de possibilidades soltas possibilita a conturbação do MEDO que, como tal, lhe constitui o caráter específico de humor. O esquecimento inerente à conturbação também modifica o aguardar, caracterizando-o como um aguardar aflito e conturbado por oposição a uma pura espera. STMSC: §68

A unidade ekstática específica que, do ponto de vista existencial, possibilita o ter MEDO temporaliza-se, primariamente, a partir do esquecimento acima caracterizado que, enquanto modo do vigor de ter sido, lhe modifica tanto a atualidade quanto o porvir, em sua temporalização. A temporalidade do MEDO é um esquecer que aguarda e atualiza. Orientada para o que vem ao encontro dentro do mundo, a interpretação que compreende o MEDO busca, de início, o seu referente no “mal que está vindo” e determina, correspondentemente, como espera a relação que com ele estabelece. Tudo o que, além disso, pertence ao fenômeno fica sendo um “sentimento de prazer e desprazer”. STMSC: §68

Como a temporalidade da angústia se comporta frente à temporalidade do MEDO? Chamamos este fenômeno de disposição fundamental. Ela coloca a presença [Dasein] diante de seu estar-lançado mais próprio, desvelando a estranheza do ser-no-mundo cotidiano e familiar. Assim como o MEDO, a angústia também se determina formalmente por um com quê e um pelo quê a angústia se angustia. A análise mostrou, no entanto, que estes dois fenômenos coincidem. Isto não significa, porém, que os caracteres estruturais do com quê e pelo quê se confundem no sentido de que a angústia não se angustiaria nem com e nem por alguma coisa. A coincidência entre o com quê e o pelo quê deve significar que é um e o mesmo o ente que os realiza, ou seja, a presença [Dasein]. Especificamente, o com quê a angústia se angustia vem ao encontro não como algo determinado numa ocupação. A ameaça não provém do que está à mão e do que é simplesmente dado mas, sobretudo e justamente, de que tudo que está à mão e é simplesmente dado já não “diz” absolutamente nada. Não estabelece mais nenhuma conjuntura com o ente do mundo circundante. O mundo, no contexto do qual eu existo, afundou na insignificância, e o mundo que, dessa forma, se abre só é capaz de liberar entes sem conjuntura. O nada do mundo, com o que a angústia se angustia, não significa que, na angústia, se faça a experiência de uma ausência de seres simplesmente dados dentro do mundo. É preciso que eles venham ao encontro para que não estabeleçam nenhuma conjuntura e possam, assim, mostrar-se numa impiedade vazia. Isso significa, porém, que o aguardar da ocupação não encontra mais nada a partir do qual possa compreender-se. Ele agarra o nada do mundo; deparando-se com o mundo, porém, o compreender é trazido pela angústia para o ser-no-mundo como tal, de maneira que esse com quê a angústia se angustia é, também, o seu por quê. O angustiar-se com alguma coisa não possui nem o caráter de espera, nem de aguardar. O com quê a angústia se angustia já está “pre-sente” [»da«], é a própria presença [Dasein]. Será que a angústia não se constitui pelo porvir? Sem dúvida, mas não pelo porvir impróprio do aguardar. STMSC: §68

O esquecer, inerente ao MEDO, conturba, deixando a presença [Dasein] perdida em meio a possibilidades “mundanas” não apreendidas. Diante desta atualização que não se sustenta, a atualização da angústia se mantém na recolocação do estar-lançado mais próprio. De acordo com seu sentido existencial, a angústia não pode se perder em ocupações. Quando algo assim parece ocorrer numa disposição, trata-se então do MEDO que o entendimento cotidiano confunde com a angústia. Embora a atualidade da angústia se mantenha, ela ainda não possui o caráter do instante, que se temporaliza na decisão. A angústia só conduz para o humor de uma decisão possível. Sua atualidade mantém o instante, em que ela mesma e somente ela é possível, num salto. STMSC: §68

Ambos os humores do MEDO e da angústia, no entanto, nunca “ocorrem” apenas isoladamente no “fluxo das vivências”, mas sempre de-terminam o humor de um compreender ou de-terminam para si o humor a partir de um compreender. O MEDO encontra seu ensejo nos entes que vêm ao encontro no mundo circundante. A angústia, ao contrário, surge da própria presença [Dasein]. O MEDO sobrevêm a partir do intramundano. A angústia cresce a partir do ser-no-mundo enquanto ser-lançado-para-a-morte. Em seu sentido temporal, este “crescer” da angústia, a partir da própria presença [Dasein], significa que o porvir e a atualidade da angústia se temporalizam a partir de um vigor de ter sido originário, entendido como recolocar a possibilidade de retomada. A angústia, no entanto, só pode “crescer” propriamente numa presença [Dasein] decidida. Embora o decidido desconheça o MEDO, ele compreende precisamente a possibilidade de angústia como possibilidade do humor que nem inibe e nem conturba. Ao contrário, libera de possibilidades “nulas”, tornando-o livre para as possibilidades próprias. STMSC: §68

Embora ambos os modos da disposição, MEDO e angústia, estejam fundidos primariamente num vigor de ter sido, na totalidade da cura, a sua temporalização própria tem, cada vez, uma origem diferente. A angústia surge do porvir da decisão. O MEDO surge da atualidade perdida que, medrosamente, tem MEDO do MEDO, para então nele decair. STMSC: §68

Mas será que, talvez, a tese da temporalidade dos humores não valha apenas no caso dos fenômenos escolhidos para a análise? Como se pode encontrar um sentido temporal na morna ausência de humores que domina o “cotidiano cinzento”? E o que dizer da temporalidade dos humores e afetos como esperança, alegria, encantamento e jovialidade? Que não apenas o MEDO e a angústia mas também outros fenômenos estão existencialmente fundados num vigor de ter sido, isso se mostra, claramente, quando nomeamos fenômenos tais que tédio, tristeza, melancolia e desespero. Sem dúvida, sua interpretação deve fazer-se com base numa analítica mais ampla da presença [Dasein], elaborada existencialmente. Mas também um fenômeno como a esperança, que parece totalmente fundada no porvir, deve ser analisado de forma correspondente à análise do MEDO. Em oposição ao MEDO, que se relaciona a um malum futurum, costuma-se caracterizar a esperança como espera de um bonum   futurum. Para a estrutura do fenômeno, porém, o decisivo não é tanto o caráter “futuro” daquilo a que a esperança está relacionada mas, sobretudo, o sentido existencial do próprio ter esperança. Também aqui o caráter de humor reside, primariamente, em ter esperança enquanto ter esperança-para-si. Aquele que tem esperança carrega, por assim dizer, a si mesmo para dentro da esperança, contrapondo-se ao que é esperado. Isso pressupõe, no entanto, um ter-se-conquistado. Que a esperança, em oposição ao MEDO que abate, alivia diz apenas que também essa disposição permanece referida ao peso de uma carga, no modo de ser o ter sido. Do ponto de vista ontológico, o humor exaltado, ou melhor, exaltante só é possível numa remissão ekstático-temporal da presença [Dasein] ao fundamento-lançado de si mesma. STMSC: §68