Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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homem

quarta-feira 13 de dezembro de 2023

Mensch  

VIDE sociedade, organismo, animal racional, filho de Deus, humanidade, humanismo

O HOMEM não é deste mundo, na medida em que o "mundo", pensado segundo a teoria de Platão  , é apenas uma passagem transitória para o além. [CartaH, Carneiro Leão  ; GA9  ; GA9GS]


A fim de alcançarmos a dimensão da Verdade do Ser, para podermos pensa-la, temos primeiro que esclarecer, como o Ser atinge o HOMEM e o requisita. Essa experiência Essencial, nós a fazemos quando nos ocorre que o HOMEM é, enquanto ec-siste. Dito inicialmente na linguagem da tradição, isso se exprime nas palavras : a ec-sistência do HOMEM é a sua substância. Por isso, em Ser e Tempo  , sempre de novo retorna a frase: "A "substância" do HOMEM é a existência" (pp. 117, 212, 314). Mas "substância", pensada dentro da História do Ser, já é uma tradução, que encobre o sentido, de ousia  , palavra que evoca a essencialidade do que se essencializa (west), mas que, por uma misteriosa equivocidade, significa, na maioria das vezes, o que se essencializa. Se pensarmos o termo metafísico "substância" nesse sentido — que Ser e Tempo, de acordo com a "destruição fenomenológica" realizada, já tem em mente (cf. p. 25) — então a frase, "a substância" do HOMEM é a existência" não diz outra coisa senão: o modo em que o HOMEM, em sua própria Essência, se essencializa, com referência ao Ser, é in-sistir ec-staticamente na Verdade do Ser. Com essa determinação da Essência do HOMEM não se declaram falsas nem se rejeitam as interpretações humanistas do HOMEM, como animal rationale  , como "pessoa", como ser dotado de alma, espírito e corpo. Ao contrário, o único pensamento a se exprimir é que as determinações humanistas da Essência do HOMEM, ainda mesmo as mais elevadas, não chegam a fazer a experiência do que é propriamente a dignidade do HOMEM. Nesse sentido o pensamento de Ser e Tempo é contra o humanismo. Essa oposição, todavia, não significa que um tal pensamento bandeie para o lado oposto do humano e preconize o inumano, defenda a desumanidade e degrade a dignidade do HOMEM. Ao contrário. Pensa-se contra o humanismo porque o humanismo não coloca bastante alto a humanitas do HOMEM. De fato, a grandeza da Essência do HOMEM não consiste em ser ele, como "sujeito", a substância do ente, para, na qualidade de déspota do Ser, fazer com que a entidade (Seiendsein) do ente se reduza à tão celebrada "objetividade".

Ao invés, o HOMEM foi "lançado" pelo próprio Ser na Verdade do Ser, a fim de que, ec-sistindo nesse lançamento, guarde a Verdade do Ser; a fim de que, na luz do Ser, o ente apareça como o ente que é. Se e como o ente aparece, se e como Deus e os deuses, a História e a natureza ingressam, se apresentam e se ausentam da clareira do Ser, isso não é o HOMEM quem decide. O advento do ente repousa no destino do Ser. Para o HOMEM, a questão é, se ele encontra o que é "destinado" (schicklich) à sua Essência, correspondente ao destino do Ser. Pois é de acordo com esse destino, que, como ec-sistente, ele tem de guardar a Verdade do Ser. O HOMEM é o pastor do Ser. É somente nessa direção que pensa Ser e Tempo, ao fazer, "na cura", a experiência da ec-sistência ec-stática. (Cf. § 44a, pp. 226 ss). [CartaH, Carneiro Leão; GA9; GA9GS]


O HOMEM não é apenas um ser vivo, que, entre outras faculdades, possui também a linguagem. Muito mais do que isso. A linguagem é a casa do Ser. Nela morando, o HOMEM ec-siste na medida em que pertence à Verdade do Ser, protegendo-a e guardando-a.

Destarte, na determinação da humanidade do HOMEM, como ec-sistência, o que importa é que não é o HOMEM o Essencial mas o Ser, como a dimensão do ec-stático da ec-sistência. Todavia não se deve entender aqui dimensão no sentido conhecido de espaço. Ao contrário, tudo que é espacial e todo espaço-tempo se essencializa no dimensional, no qual o Ser mesmo é.

O pensamento se concentra na consideração dessas simples referências. Para elas procura a palavra devida dentro da linguagem de há muito tradicional da metafísica e de sua gramática. Suposto que um título tivesse alguma importância, será que esse pensamento ainda poderia ser designado como humanismo? De certo que não, enquanto o humanismo pensa metafisicamente. Certamente não, se for existencialismo e defender a frase, que Sartre   assim exprime: "précisement nous sommes sur un plan où il y a seulement des hommes". (L’Existencialisme est un humanisme, p. 36). Em vez disso, dever-se-ia dizer, pensando-se segundo Ser e Tempo: "précisement nous sommes sur un plan où il y a principalement l’Être". Mas, donde provém, e o que é le plan? "L’Être et le plan" são o mesmo. [CartaH]


A Essência do HOMEM, no entanto, consiste em ser ele mais do que HOMEM só, no sentido em que se concebe o HOMEM, a saber, como ser vivo racional. Esse "mais" não se deve entender aditivamente, como se a definição tradicional do HOMEM devesse ficar a determinação fundamental, para, a seguir, ser completada pela adição do existentivo. "Mais" significa: mais originário e, por isso, em sua Essência, mais Essencial. E é aqui que se mostra o enigma: o HOMEM é no ser-lançado (Geworfenheit  ). Como a réplica (Gegenwurf) ec-sistente do Ser, o HOMEM é mais do que o animal rationale na medida em que ele é menos do que o HOMEM que se apreende e concebe pela subjetividade. [CartaH]
Entretanto, não houve na época de Sócrates   um sofista que se atreveu a dizer que o HOMEM é a medida de todas as coisas, das que são, enquanto são, das que não são, enquanto não são? Será que esta frase de Protágoras   não parece sair da boca de Descartes  ? E, além disso, Platão não compreende o ser do ente como aquilo que se viu como sendo a idea  ? E a relação com o ente enquanto tal não é para Aristóteles   a theoria   , o puro olhar? O que ocorre é que a frase sofista de Protágoras não é nenhum subjetivismo, desde o momento em que somente Descartes podia levar a termo a inversão do pensamento grego. Não cabe duvidar que em virtude do pensamento de Platão e dos questionamentos de Aristóteles se consuma uma mudança decisiva na interpretação do ente e do HOMEM, mas ainda está fechada dentro da compreensão fundamental do ente própria ao mundo grego. Esta interpretação é precisamente tão decisiva com respeito a ela, que se converte em ponto final do mundo grego, um final que colabora indiretamente na possibilidade de preparação da Idade Moderna. E esse é o motivo pelo qual, mais tarde, não somente na Idade Média, mas ao longo de toda a Idade Moderna, o pensamento platônico e aristotélico pudesse passar por ser o pensamento grego por antonomásia e todo o pensamento pré-platônico por uma mera preparação para Platão. Este amplo costume de contemplar o mundo grego através da peneira de uma interpretação moderna e humanista nos impede de pensar o ser que se abria aos antigos gregos naquilo que tem de próprio e extraordinário. A frase de Protágoras diz: Panton krematon metron estin anthropos  , ton men onton os estin, ton de me onton os ouk estin (vide. Platão, Teeteto 152a).

“O HOMEM é a medida de todas as coisas (concretamente daquelas que usa e necessita e, portanto, sempre tem ao seu redor, kremata kresthai), das que estão presentes enquanto estão presentes, e daquelas as quais fora negada a possibilidade de estarem presentes, das que não estão presentes.” Aquele ente sobre cujo ser se decide se entende aqui como aquilo que está presente a partir de si mesmo nesta região, dentro da esfera do HOMEM. Todavia, quem é o HOMEM? Platão nos informa sobre isso na mesma passagem quando faz Sócrates dizer: Oukoun outos pos legei os oia men ekasta emoi phainetai, toiauta men estin emoi, oia de soi toiauta de au soi anthropos de su te kai ego  ; “Será que não o entende (Protágoras) deste modo? Tal como se apresenta a mim uma coisa em cada ocasião, tal aparência tem então para mim, tal, porém, como se apresenta para ti, assim é como é essa coisa para ti? Porém, HOMEM tu és igual a mim”.

Segundo isto, o HOMEM é o que é em cada caso (eu e tu, ele e outros) somos. E não coincide este ego com o ego cogito   de Descartes? De forma alguma, porque todo elemento essencial que determina com a mesma necessidade ambas as posições metafísicas fundamentais, a do Protágoras e a do Descartes, é destino. [DZW  ]


Teríamos com isso então que para Protágoras o ente segue se referindo ao HOMEM enquanto ego? O ego permanece no círculo daquele desocultado que fora adjudicado a ele mesmo como sendo este mesmo. Desta forma então apreende tudo o que está presente nesse círculo enquanto isso que é. Esta apreensão do presente se funda na permanência no interior do círculo do desocultamento. Por meio da permanência junto ao presente, a pertença do Eu ao presente é. Esta pertença ao presente aberto delimita este, frente ao não presente. O HOMEM recebe e preserva a medida para aquilo que se apresenta ou ausenta a partir deste limite. Em uma restrição ao que se desoculta em cada ocasião, o HOMEM se dá a si mesmo à medida que limita a cada vez um “si mesmo” em relação a isto e àquilo. O HOMEM não dispõe da medida a partir de um Eu isolado ao qual tem que sujeitar-se todo ente em seu ser. O nome da relação fundamental grega com o ente e seu desocultamento é o metron (medida), desde o momento em que se compromete a restringir-se ao círculo de desocultamento limitado pelo Eu e, deste modo, reconhece o ocultamento do ente e a impossibilidade de decisão com respeito à sua presença ou ausência ou, também, com respeito à aparência dessa presença e ausência. Por isso diz Protágoras (Diels, “Fragmente der Vorsokratiker  ”; Protágoras B, 4): peri men theon ouk eko eidenai, outh os eisin, outh os ouk eisin, outh opoioi tines idean; “no tocante ao saber algo sobre os deuses (o que em grego que dizer “contemplar” algo, “ver” algo), não tenho capacidade nem para dizer o que são nem o que não são nem como pode ser seu aspecto (idea)”.

Polla   gar ta kolyonta eidenai, he t’adelotes kai brakys on o bios   tou anthropou. ”Com efeito, são muitas as coisas que nos impedem de apreender o ente como tal; tanto a falta de abertura(o ocultamento) do ente, como a brevidade da história do HOMEM.”

Podemos estranhar que, à vista desta circunspecção por parte de Protágoras, Sócrates tenha dito dele (Platão, Teeteto 152b): eikos mentoi sophon   andra me lerein; “como (Protágoras) é um HOMEM prudente, há que supor que não fala por falar (em relação a sua frase sobre o HOMEM como ”metron“)”. [DZW]


O ente que é ao modo da existência [Weise   der Existenz  ] é o HOMEM. Somente o HOMEM existe. O rochedo é, mas não existe. A árvore é, mas não existe. O anjo [82] é, mas não existe. Deus é, mas não existe. A frase: "Somente o HOMEM existe" de nenhum modo significa apenas que o HOMEM é um ente real, e que todos os entes restantes são irreais e apenas uma aparência ou a representação do HOMEM. A frase: "O HOMEM existe" significa: o HOMEM é aquele ente cujo ser é assinalado pela in-sistência [Innestehen] ex-sistente no desvelamento do ser [Unverborgenheit   des Seins] a partir do ser e no ser. A essência existencial do HOMEM é a razão [Grund  ] pela qual o HOMEM representa o ente enquanto tal e pode ter consciência [Bewusstsein  ] do que é representado. Toda consciência pressupõe a existência pensada ekstaticamente como a essentia   do HOMEM, significando então essentia aquilo que é o modo próprio de o HOMEM ser (west) na medida em que é HOMEM. [MHeidegger O RETORNO AO FUNDAMENTO DA METAFÍSICA]