Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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formador de mundo

quarta-feira 13 de dezembro de 2023

weltbildend  

Escolheremos agora muito mais um terceiro caminho – o caminho de uma consideração comparativa. Nós ouvimos: o homem não é apenas uma parte do mundo, mas é senhor e servo deste mundo, à medida que o “possui”. O homem possui o mundo. O que dizer do resto dos entes que, como o homem, também são uma parte do mundo? O que dizer dos animais, das plantas, das coisas materiais, como as pedras, por exemplo? Diferentemente do homem, que também possui o mundo, eles são apenas parte do mundo? Ou será que também o animal possui mundo? E como? Da mesma forma que o homem ou diversamente? Como é preciso apreender esta alteridade? O que dizer da pedra? Aqui se mostram, ainda que de modo deveras rudimentar, diferenças. Nós a fixamos através de três teses: 1. a pedra (o material) é sem-mundo; 2. o animal é pobre de mundo; 3. o homem é FORMADOR DE MUNDO [1. der Stein (das Materielle) ist weltlos; 9. das Tier   ist weltarm; 5. der Mensch   ist weltbildend]. GA29-30MAC §42

Tanto mais precisamos aprender a entender que tonalidades afetivas só são o que são, se elas afinam, isto é, se elas determinam um agir real. Nós começamos com a caracterização da primeira pergunta: o que é mundo? Nós apontamos para o fato de haver diversos caminhos para levantar as questões: 1. a consideração historiográfica da história do conceito de mundo; 2. o desdobramento do conceito de mundo a partir de nossa compreensão cotidiana de mundo. Escolhemos como terceiro caminho uma consideração comparativa. Nós fixamos o ponto de Apolo do terceiro caminho em três teses: 1. a pedra é sem mundo; 2. o animal é pobre de mundo; 3. o homem é FORMADOR DE MUNDO. GA29-30MAC §44

O caminho para a elaboração da pergunta “o que é mundo?” deve ser uma consideração comparativa. No entanto, esta pergunta mesma não é desprovida de raízes. A tonalidade afetiva fundamental é o lugar constante da pergunta e temos de nos lembrar sempre uma vez mais disto. Através de uma discussão comparativa das três teses: a pedra é sem mundo, o animal é pobre de mundo e o homem é FORMADOR DE MUNDO, queremos circunscrever provisoriamente o que temos de entender em geral sobre o termo mundo e em que direção temos de olhar em meio a esta compreensão. Nós perguntamos: o que é mundo? Nós perguntamos deste modo não para conquistarmos uma resposta qualquer, mesmo na forma de uma definição, mas para desdobrarmos uma questão metafísica. Na pergunta corretamente desdobrada reside a compreensão propriamente metafísica. Dito de outro modo: as perguntas metafísicas permanecem sem resposta – no sentido da comunicação de um estado de coisas conhecido. As perguntas metafísicas não permanecem sem resposta porque não se pode alcançar esta resposta, porque a metafísica seria algo impossível. Ao contrário, elas ficam sem resposta porque um tal responder, no sentido da comunicação de um estado de coisas constatado, não é suficiente para estas perguntas. Além disto, ele não é apenas insuficiente para elas, mas as degrada e sufoca. GA29-30MAC Terceiro Capítulo

Contudo, para podermos real mente desdobrar agora a pergunta “o que é mundo?” precisamos conquistar uma primeira compreensão do que temos em vista com o termo “mundo”, disto para que reservamos este termo. Para levarmos a cabo esta primeira compreensão, empreenderemos a chamada consideração comparativa: a pedra é sem mundo; o animal é pobre de mundo; o homem é FORMADOR DE MUNDO – uma consideração comparativa entre a pedra, o animal e o homem. O [240] ponto de vista da comparação, isto em relação ao que estabelecemos a comparação, é a respectiva ligação destes três entes supracitados com o mundo. As diferenças nesta ligação (ou não-ligação) realçam o que denominamos mundo. Ao que parece, uma tal consideração comparativa procede inicialmente de maneira totalmente ingênua, como se os três termos fossem três coisas coordenadas, como se eles estivessem em um mesmo nível. Nós começamos a caracterização comparativa à medida que partimos do meio, da pergunta pelo que significa a sentença: o animal é pobre de mundo; e, assim, como que olhamos constantemente para os dois lados: para a ausência de mundo da pedra e para a formação de mundo do homem. A partir destes dois lados consideramos o animal e sua pobreza de mundo. Com esta posição no interior do procedimento comparativo, inicialmente não está nada decidido quanto à hierarquia metafísica. GA29-30MAC Terceiro Capítulo

Nós colocamos a tese “o animal é pobre de mundo” entre as outras duas: “a pedra é sem mundo” e “o homem é FORMADOR DE MUNDO”. Se tomarmos a segunda tese em relação à terceira, então fica imediatamente claro o que se tem em mente. Pobre de mundo – pobreza diferente de riqueza; pobreza – o menos ante o mais. O animal é pobre de mundo. Ele tem menos. Menos o quê? Algo que lhe é acessível, algo com o que ele pode lidar enquanto animal, pelo que ele pode ser afetado enquanto animal, com o que ele pode se encontrar em ligação enquanto um vivente. Menos em comparação com o mais, em comparação com a riqueza, da qual dispõem as relações do ser-aí humano. As abelhas, por exemplo, possuem sua colmeia, os favos, as flores das quais elas retiram o alimento, as outras abelhas de sua colônia. O mundo das abelhas é limitado a uma determinada região e fixo em sua abrangência. No que concerne ao mundo dos sapos, ao mundo dos pintassilgos existe uma correspondência. Porém, o mundo de todo e qualquer animal não é apenas restrito em sua abrangência, mas também no modo de penetração no que é acessível ao animal. As abelhas trabalhadoras conhecem as flores que visitam, sua cor e aroma, mas não conhecem os estames destas flores enquanto estames. Elas não conhecem as raízes das flores, elas não conhecem algo assim como o número de estames e folhas. Perante este mundo, o mundo do homem é rico, maior em abrangência, mais amplo em penetração, não apenas constantemente expansível em sua abrangência (não se precisa aqui senão trazer a cada vez um ente a mais), mas também cada vez mais insistente no que concerne à penetração. Daí o fato de esta ligação com o mundo, tal como o homem a possui, poder ser caracterizada de um tal modo; daí a possibilidade de falarmos em expansibilidade do âmbito com o qual o homem se relaciona e em formação de mundo. GA29-30MAC §46

Se aproximamos ainda mais de nós a diferença entre “pobre de mundo” – “FORMADOR DE MUNDO” desta forma, então esta diferença se revela como uma diferença de grau dos níveis de plenitude na posse do ente respectivamente acessível. Também já podemos retirar daí o conceito de mundo: mundo significa inicialmente a soma do ente [250] acessível, seja para o animal ou para o homem, variável segundo a abrangência e a profundidade da penetração. O “pobre de mundo” é ao mesmo tempo menos valoroso diante do “FORMADOR DE MUNDO” como o mais valoroso. Um tal fato é tão inequívoco que não se precisa continuar falando sobre ele. Estas reflexões são óbvias, há muito correntes, tanto que não se compreende por que fazer tanto barulho por isto. Em que esta diferença poderia contribuir, afinal, para a determinação essencial da animalidade do animal?!? Parece que só leriamos como que frisado este fato através da inserção de expressões peculiares: mundo e mundo ambiente (meio ambiente). GA29-30MAC §46

Mas, com o auxílio do conceito mais determinado de ser-pobre – no sentido de ser privado de alguma forma —, podemos tentar agora dar um passo adiante na compreensão do que significa a pobreza de mundo do animal. Se pobreza significa privação, então a tese “o animal é pobre de mundo” diz tanto quanto “o animal é privado de mundo”, “o animal não possui nenhum mundo”. Com isto, a relação com a terceira tese – “o homem é FORMADOR DE MUNDO” – está determinada, pois o homem possui um mundo. GA29-30MAC §47

Se passarmos da discussão da tese “o animal é pobre de mundo” para a discussão da tese “o homem é FORMADOR DE MUNDO” e nos perguntarmos pelo que, do que vimos até agora, trazemos conosco para a caracterização da essência do mundo, então vem à tona formalmente o seguinte: ao mundo pertence a abertura do ente enquanto tal, do ente enquanto ente. Nisto reside: juntamente com o mundo vem à tona este enigmático “enquanto”, o ente enquanto ente. Falando de maneira formal  : “algo enquanto algo” está associado com o mundo – o que, pelo modo de ser do animal, está vedado para ele. Somente onde o ente se revela em geral enquanto ente subsiste a possibilidade de experimentar este e aquele ente determinado enquanto este e aquele – experimentar no sentido amplo do que se estende para além da mera tomada de conhecimento: experimentar no sentido de fazer experiências com ele. Finalmente, onde se tem a abertura do ente enquanto ente, a ligação com este tem necessariamente o caráter do inserir-se-aí no sentido de deixar e não-deixar-ser o que vem ao encontro. Apenas onde se tem um tal deixar-ser tem-se, ao mesmo tempo, a possibilidade do não-deixar-ser. Em contraposição ao comportamento que tem lugar em meio à perturbação, nós denominamos assumir uma atitude, uma tal ligação totalmente dominada por este deixar-ser do ente enquanto ente. Mas toda e qualquer assunção de uma atitude só é possível na retenção e na contenção. E não há [352] postura senão onde um ente possui o caráter de si próprio, ou, como também dizemos, de uma pessoa. Estes são já caracteres importantes do fenômeno do mundo: 1. a abertura do ente enquanto ente; 2. o “enquanto”; 3. a ligação com o ente enquanto o deixar e não-deixar-ser, o assumir uma atitude em relação a…, a postura e o caráter de si-próprio (ipseidade). Nada disto se encontra na animalidade e na vida em geral. Mas estes caracteres importantes do fenômeno do mundo só nos dizem inicialmente o seguinte: onde quer que nos deparemos com estes caracteres, aí está o fenômeno do mundo. A questão é que o que mundo é e como ele é, se e em que sentido temos o direito de falar efetivamente do ser do mundo, tudo isto é obscuro. Para lançarmos luz, e, com isto, avançarmos em direção à profundidade do problema do mundo, tentaremos mostrar o que significa a expressão formação de mundo. GA29-30MAC §64

De início temos de nos lembrar das diversas maneiras de o homem ser transposto para o interior de um outro homem, para [355] o interior do animal, para o interior do vivente em geral e para o interior dos seres inanimados. Sc mantivermos diante de nossos olhos a estrutura fundamental da perturbação e do círculo de desinibição que é dado respectivamente com ela, teremos agora a oportunidade de ver com mais clareza a possibilidade de o homem ser transposto para o interior do animal. Todo animal e toda espécie animal conquistam para si de maneira própria o círculo, com o qual envolvem uma região e se adequam a ela. O círculo envoltório do ouriço-do-mar é diferente do da abelha, o desta uma vez mais diverso do do chapim, e o deste uma vez mais diverso do do esquilo etc. Mas estes círculos envoltórios dos animais, no interior dos quais seu comportamento global e suas pulsões de deslocamento se movimentam, não se encontram simplesmente colocados um ao lado do outro e um sob o outro. Ao contrário, eles se sobrepõem uns aos outros. O caruncho, por exemplo, que fura a casca do carvalho, tem o seu círculo envoltório específico. Mas ele mesmo, o caruncho, e isto significa ele juntamente com o seu círculo envoltório, está uma vez mais no interior do círculo envoltório do pica-pau, que segue o rastro e descobre o inseto. E este pica-pau está, com tudo o que acabamos de dizer, no círculo envoltório do esquilo, que, em meio ao seu trabalho, o afugenta. Todo este contexto de abertura dos círculos envoltórios a partir da perturbação não é, então, apenas de uma riqueza de conteúdo e de ligações descomunal e por nós somente suspeitada. Em tudo isto, ele ainda permanece fundamentalmente diverso da abertura do ente, tal como este vem ao encontro do ser-aí humano FORMADOR DE MUNDO. GA29-30MAC §66

Mas como se encontram as coisas em relação a esta abertura do ente? Onde e como ela é? Ela é como que uma excrescência que [359] impele o ente mesmo para fora? A abertura do ente é uma propriedade de conteúdo do mesmo, assim como a dureza pertence à pedra, o crescimento ao vivente, o ângulo reto ao quadrado? Se tivermos de prestar esclarecimentos sobre um ou outro ente proveniente de um domínio qualquer e postado diante de nós, então, por mais que investiguemos minuciosamente este ente, nunca chegaremos a pensar a abertura do ente como uma propriedade sua. Não apenas não chegaremos a pensar, mas não nos depararemos nem mesmo com esta abertura. Neste sentido, portanto, ela nos é desconhecida porque não é passível de ser encontrada junto ao ente enquanto ente. Onde ela está, então? Por detrás ou por sobre o ente? Mas é possível, afinal, que algo seja efetivamente fora do âmbito do ente? Nós falamos de qualquer forma em abertura do ente. Desta feita, a abertura é algo que acontece com o ente mesmo. Quando e como isto acontece? E com que ente? Isto é arbitrário? Ou será que quando a abertura do ente acontece é necessário que um ente totalmente determinado seja aberto, para que algo do gênero da abertura do ente possa acontecer? Mais além: se a abertura acontece e abertura é um caráter do mundo, então surge a cada vez inicialmente algo como um mundo, de modo que justamente o ente poderia ser sem-mundo? O mundo é a cada vez primeiramente formado, de maneira que falamos de formação de mundo – o homem é FORMADOR DE MUNDO’? GA29-30MAC §67

Mundo sempre tem – mesmo que tão indistintamente quanto possível – o caráter de totalidade, de esfera ou como quer que queiramos inicialmente indicar e apreender este caráter. Este “na totalidade” é uma propriedade do ente em si ou é apenas um momento da abertura do ente ou nenhum dos dois? Perguntemos de maneira ainda mais preliminar: “o ente na totalidade” não significa em verdade a mera soma, mas designa justamente o todo do ente no sentido do conjunto total do que é em geral em si? Ele se confunde com o que tem em vista o conceito ingênuo de mundo? Se este fosse o caso, nunca poderíamos falar que o ente na totalidade é aberto para nós em uma tonalidade afetiva fundamental. Por mais essencial que a tonalidade afetiva fundamental possa ser, da nunca nos dá nenhuma informação sobre o conjunto total do ente em si. Mas o que significa, então, este “na totalidade”, se não o todo do ente em si segundo o ponto de vista do conteúdo? Responderemos: ele significa a forma do ente enquanto tal que se manifesta para nós. Por isto, “na totalidade” diz: sob a forma da totalidade. O que se chama aqui, porém, de forma e o que se tem em vista com a expressão “manifesto para nós”? A forma é apenas uma moldura que retém e circunda o ente, conquanto ele está justamente manifesto para nós? E para que esta moldura ulterior? O ente é aberto de outro modo do que justamente para nós? E se ele não é senão para nós, então isto equivale a dizer que ele é tal como é apreendido subjetivamente por nós, de modo que poderíamos dizer: mundo significa a forma subjetiva e a consistência formal da apreensão subjetiva do ente em si por parte do homem? Não é evidentemente necessário que tudo conflua para este ponto, se atentarmos para o fato de que a tese afirma: o homem é FORMADOR DE MUNDO? Com isto, está dito de maneira clara e distinta que o mundo não é nada em si, mas um construto do homem, algo sujetivo. Esta seria uma interpretação possível do que dissemos até aqui sobre o problema do mundo e sobre o conceito de mundo. Todavia, esta seria uma interpretação possível, que com certeza não toca justamente o problema decisivo. GA29-30MAC §68

Gostaríamos de definir agora antecipadamente o lugar do problema através da explicitação genérica do que temos em vista por formação de mundo. Segundo a tese, mundo faz parte da formação de mundo. A abertura do ente enquanto tal na totalidade, o mundo, forma-se; e mundo só é o que é em uma tal formação. Quem forma o mundo? Segundo a tese, o homem. Mas o que é o homem? Ele forma o mundo mais ou menos do mesmo modo como forma um coro ou forma o mundo porque é essencialmente homem? “O homem” – assim como o conhecemos ou como aquele que na maioria das vezes não conhecemos? O homem, tendo em vista que ele mesmo é possibilitado em seu ser-homem por algo? Em parte, a possibilitação consistiria justamente no que estabelecemos como a formação de mundo? Pois as coisas não se dão de tal modo que os homens existem e lhes ocorre entre outras coisas formar um mundo. Ao contrário, a formação de mundo acontece, e, somente por sobre o fundamento deste acontecimento, um homem pode existir. O homem qua homem é FORMADOR DE MUNDO; e isto não significa: o homem tal como ele perambula pela rua, mas o ser-aí no homem é FORMADOR DE MUNDO. Utilizamos intencionalmente a expressão “formação de mundo” em uma plurivocidade de sentidos. O ser-aí no homem forma o mundo: 1. ele o instala; 2. ele fornece uma imagem, um aspecto do mundo, ele o apresenta; 3. ele o perfaz, ele é o que enquadra e envolve. GA29-30MAC §68

Antes de continuarmos a inquirição do momento estrutural do “enquanto”, estabeleçamos ainda uma vez a conexão entre ele e o problema diretriz, o problema do mundo. Formulamos o problema do mundo através da tese: o homem é FORMADOR DE MUNDO. Com isto, indicamos uma conexão entre homem e mundo. A determinação da essência do homem talvez seja idêntica ao desdobramento deste problema da formação do mundo. Não se deve recorrer a uma definição qualquer do homem para o problema do mundo. Ao contrário, precisamos nos apropriar de um ângulo de visada do homem, no interior do qual a essência do homem mesmo se torne ao menos digna de questão. Nós não nos atemos a uma definição, mas desdobramos o problema a partir de uma tonalidade afetiva fundamental, uma vez que esta tonalidade mesma possui a tendência de tornar manifesto o ser-aí do homem enquanto tal, isto é, de tomar ao mesmo tempo manifesto o ente na totalidade em meio à qual o homem se encontra disposto. Se a tarefa própria ao problema do mundo estiver assim assegurada quanto ao seu lugar e à sua base, então surge agora uma dificuldade decisiva. Nós nos lembramos de que a interpretação da tonalidade afetiva fundamental não foi absolutamente uma descrição constatadora de uma propriedade anímica do homem. A dificuldade que subsistia lá de conquistar a postura correta em meio à pergunta sobre o homem intensifica-se aqui. Nós nos asseguramos do problema através do fato de tomarmos o mundo como abertura do ente enquanto tal e na totalidade. Nós trouxemos à tona aí duas determinações: o momento do ente enquanto tal e o momento do “na totalidade”. Vale agora desdobrar o problema de um modo tal que compreendamos o elo intrínseco destes dois momentos estruturais a partir de seu fundamento e alcancemos uma brecha para o interior do fenômeno mesmo. Se nos entregarmos concretamente a esta tarefa de clarificar o momento estrutural do “algo enquanto algo”, então esta tarefa parece ser óbvia, uma vez que nos leva para o interior de um contexto que é conhecido e que foi trabalhado segundo vários aspectos na história da filosofia. O “enquanto” é uma ligação, e, como ligação, está relacionado com [372] os elementos de ligação. Ele é uma ligação, cujo caráter começa a fazer sentido para nós, quando o descrevemos da seguinte forma: o a como b, o “enquanto’ em conexão com o ser-b do a, consistindo este ser-b do a na proposição a é b. Portanto, na base da proposição mesma já se encontra necessariamente a apreensão do a enquanto b. Assim, deparamo-nos com uma conexão do “enquanto” com a proposição, com o logos  , com o juízo. Este fenômeno do logos não é apenas conhecido na filosofia em geral, principalmente na lógica. Ao contrário, o logos no sentido amplo de razão, o logos enquanto ratio, é a dimensão a partir da qual a problemática do ser é desenvolvida. E por isto que, para Hegel  , o último grande metafísico da metafísica ocidental, a metafísica é equiparada à lógica. GA29-30MAC §69

Portanto, é possível tomar a qualquer momento estes conceitos em seu conteúdo, sem fazer referência ao seu caráter de indicação. Contudo, eles não apenas não fornecem através daí o que eles designam, mas – o que é propriamente fatídico se tornam o ponto de partida supostamente autêntico e rigorosamente abrangente para certos modos de colocação das questões desprovidos de solo próprio. Um exemplo característico disto é o problema da liberdade humana e a sua discussão no interior do âmbito do conceito de causa que é construído a partir da orientação dada pelo modo de ser do ente simplesmente dado. Mesmo aí onde se busca um outro tipo de causalidade ante a causalidade natural, onde se busca uma causalidade na liberdade e enquanto liberdade, já se busca desde o princípio justamente uma causalidade; isto é, se transforma a liberdade em problema, sem seguir a indicação do caráter de existência e de ser-aí do ente, que é [380] denominado livre. No que diz respeito a este problema, seria necessário mostrar como Kant   vê uma aparência, mas se torna a vítima da aparência metafísica originária. Exatamente este destino do problema da liberdade no interior da dialética transcendental   mostra de maneira clara que o filósofo jamais está seguro diante desta aparência metafísica e que toda a filosofia precisa se transformar na vítima desta aparência, quanto mais ela se esforça por desenvolver radicalmente esta problemática. Em meio a este exemplo concreto deve-se tornar distinta a dificuldade peculiar, diante da qual nós nos encontramos, quando nos dispomos a compreender o que queremos dizer com o problema do mundo e com a tese de que o homem é FORMADOR DE MUNDO. GA29-30MAC §70

Perguntamos, por conseguinte: onde se encontra efetivamente o logos? Precisamos dizer: ele é uma atitude essencial do homem. Deste modo, precisamos indagar o fundamento da possibilidade interna do logos a partir da essência velada do homem. No entanto, esta indagação também não deve procurar estabelecer agora, a partir de um âmbito qualquer, uma definição da essência do homem, e, em seguida, utilizá-la. Ao contrário, é preciso deixar que esta essência se mostre para nós justamente a partir da estrutura do logos corretamente compreendida e que se diga, através do retorno ao fundamento, por ela indicado, de sua possibilidade, como as coisas se encontram em relação ao homem. Só sabemos o seguinte: precisamos retomar à essência do homem a partir do logos na unidade de sua estrutura. No que concerne a esta essência mesma, ainda não se tem nada determinado. O que temos é apenas a tese: o homem é FORMADOR DE MUNDO. Assumimos esta tese como um enunciado essencial, exatamente como a tese: o animal é pobre de mundo. Entretanto, esta tese sobre o homem não pode ser utilizada agora. Vale sim muito mais desdobrá-la e fundamentá-la enquanto problema. Por fim, o que chamamos de formação de mundo é também justamente o fundamento da possibilidade interna do logos. Se esta formação é realmente um tal fundamento, e, antes de tudo, o que ela é, ainda não sabemos. Por fim, a partir da essência da formação de mundo, tornar-se-á compreensível o que Aristóteles   tomou como o fundamento de possibilidade do logos apophantikos: a percepção em sua estranha estrutura synthesis  -diairesis   – o que aproximamos da estrutura “enquanto”. Se nos lembrarmos corretamente, porém, sabemos algo sobre o homem que não foi estabelecido apenas [430] através da tese “o homem é FORMADOR DE MUNDO”. Na primeira parte desta preleção, desenvolvemos uma tonalidade afetiva fundamental do homem, no interior da qual tivemos a oportunidade de alcançar uma visualização essencial do ser-aí do homem em geral. A questão é: será que agora, ao fazermos a pergunta remontar ao fundamento da possibilidade interna do enunciado, não somos por fim reconduzidos àquela dimensão, à qual já nos levou, por um caminho totalmente diverso e com a máxima riqueza, a interpretação do tédio enquanto tonalidade afetiva fundamental do ser-aí? GA29-30MAC §73

Tal como foi caracterizado o poder intrínseco ao logos apophantikos, este aponta consequentemete para uma abertura do ente enquanto tal. Esta abertura reside antes de todos os enunciados. A pergunta impõe-se: esta abertura pré-lógica do ente enquanto tal é o fundamento originário da possibilidade do poder já citado? Será que neste fundamento se mostra o que Aristóteles já suspeitava ao falar da synthesis   e da diairesis? Se esta abertura originária do ente é mais originária do que o logos, mas o logos aponta para a assunção de uma atitude por parte do homem, onde está então esta abertura originária? De qualquer maneira, ela não está fora do homem, mas é ele mesmo em um sentido mais profundo, ele mesmo em sua essência. Esta essência foi indicada sob a forma de tese: o [438] homem é FORMADOR DE MUNDO. Onde se encontra a abertura e no que ela consiste? GA29-30MAC §73

No que concerne ao que acabamos de fixar uma vez mais no quarto ponto, procuramos empreendê-lo através de um duplo caminho: inicialmente, sem a orientação dada por uma determinada questão metafísica, através do despertar de uma tonalidade afetiva fundamental de nosso ser-aí; ou seja, através da transformação de nossa essência humana a cada vez em nosso próprio ser-aí. Em seguida, sem nenhuma ligação expressa e constante com a tonalidade afetiva fundamental, mas, de qualquer modo, em uma lembrança silenciosa desta tonalidade, procuramos desdobrar uma questão metafísica sob o título do problema do mundo. Isto aconteceu através de um desvio promovido por uma consideração comparativa. Este desvio estendeu-se ainda mais amplamente e foi empreendido com o auxílio da tese “o animal é pobre de mundo”. Uma tal tese só tinha nos trazido aparentemente algo negativo, até que passamos à interpretação da tese “o homem é FORMADOR DE MUNDO”. O todo da interpretação transformou-se em um retorno a uma dimensão originária, em um acontecimento fundamental. Agora afirmamos que neste acontecimento tem lugar a formação de mundo. Isto que dissemos serem os momentos [450] fundamentais deste acontecimento, o manter-se ao encontro da obrigatoriedade, a integração e o desentranhamento do ser do ente, estes três elementos em seu enraizamento especificamente uno, jamais encontramos em parte alguma e em sentido algum junto aos animais. Mas o que temos não é uma simples falta destes momentos citados junto ao animal. Ao contrário, o animal não tem algo deste gênero em meio a e em função de uma posse totalmente determinada, em meio a e em função de seu modo de estar-aberto no sentido da perturbação. GA29-30MAC §74

Sintetizemos novamente e de maneira ainda mais concisa a posição de nossa interpretação do fenômeno do mundo, a fim de visualizarmos a estrutura originária una deste acontecimento fundamental que se encontra à base do logos e de concebermos, em meio à compreensão desta estrutura originária deste acontecimento fundamental do ser-aí, o que se tem em vista com a tese: na essência e no fundamento de seu ser-aí, o homem é FORMADOR DE MUNDO. GA29-30MAC §75