Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Pizzolante (2008:27-28) – Dasein é um ente que se conforma ao ser

terça-feira 19 de dezembro de 2023

O Dasein   é um ente que se conforma ao ser; conforma no sentido de se ‘formar-com’ o ser. Investigar o sentido do ser passa necessariamente por este ente que se com-forma’ ao ser, e que desta maneira estará sempre implicado na questão. O que pode ser entendido como uma compreensão pré-ontológica do ser. É desta forma que a investigação sobre o Dasein ultrapassa o questionamento apenas existencialista, ou seja, ultrapassa o questionamento que enfoca somente os modos e formas que a existência pode assumir, para questionar o sentido do existir, alcançando o âmbito em que se revela a conexão entre a vida do homem e o ser, entre a existência e a essência, âmbito em que se revela que o sentido do ser e do existir se implicam mutuamente.

No silêncio, o sentido do ser chega a um dizer sem discurso nem fala, sem origem nem termo, sem espessura nem gravidade, mas que sempre se faz sentir, tanto na presença como na ausência de qualquer realização ou coisa. [1]

O Dasein recebe o ser, como dobra do fora no dentro. O Dasein pode ser entendido como um espaço ou uma clareira que se posta aberta ao que se mostra, aberta ao ser, como uma abertura ao ser dos entes, abertura ao que os entes são e que em sendo podem ser acessados em seu mostrar-se, em seu significado e sentido. Com o sentido que se mostra, o Dasein pode se relacionar de uma ou de outra maneira, pode interagir e buscar modificá-lo, pode tentar criar um outro sentido, mas, sobretudo, ele próprio vem a ser a partir do como de suas relações e ações, de como se dão e de como se desdobram em uma história, que assim se cria. História sempre única e singular para cada Dasein, para cada presença, para cada vida humana, para cada existência humana, ou seja, para cada homem em sua particularidade.

É portanto existindo que o homem é, e vice-versa. E neste existir no sendo, e neste sendo no existir, há a abertura para uma compreensão original daquilo que se é. [27] O homem se compreende em seu ser. Há aí uma imbricação ôntico-ontológica, em que o existir de fato (ôntico) de um ente se sustenta em seu sentido de ser (ontológico). Trata-se de um ente que se encontra e se define em seu próprio ser; um ente que se dá através de uma compreensão de ser. Um ente que pode ser entendido como pura expressão de ser. [2]

Esta pré-compreensão de ser constitutiva do homem, que existe em seu ser, abre-lhe para o ser dos entes e para o sentido do ser em geral, da mesma forma constitutiva. Este é o modo de ser que constitui o homem como presença que se abre para a existência do mundo, dos outros e até de si mesmo, o que o difere dos outros entes que são simplesmente dados, para os quais não há mundo. Não há o outro e nem o si mesmo, na medida em que não se abrem ao ser, ou não são abertos pelo ser, como o Da-sein  .

O sentido do ser se faz no conjunto, no mundo e com os outros, compreensivo, relacional, temporal  : Da-sein. O Da é o estar aí no mundo, exposto ao que vem ao encontro e ao que se mostra. É o aqui-agora como o espaço onde já desde sempre o Da-sein se encontra lançado. Há também no Da-sein a noção de espaço como a abertura aos outros e ao mundo, que através justamente dessa abertura vêm a ser, aparecem no que são. O Da-sein aparece como o lugar onde o sentido do ser se dá, se mostra. Há então uma dupla noção de espacialidade, o Da pode ser entendido como o espaço onde o Da-sein se encontra, e ao mesmo tempo ser o próprio espaço de abertura onde os outros aparecem e se mostram, onde o mundo tem sentido. O ser fala pelo Da-sein e o Dasein fala pelo ser, simultaneamente.

[PIZZOLANTE  , Romulo. A Essência Humana Como Conquista: O Sentido da Autenticidade no Pensamento de Martin Heidegger. São Paulo: Annablume, 2008]


Ver online : Romulo Pizzolante


[1Carneiro Leão, E. — Apresentação de Ser e Tempo, p. 15.

[2Heidegger. M. Ser e Tempo, §4; p. 39.