Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Kierkegaard (CA:Caput III) – O possível corresponde com o porvir

terça-feira 16 de abril de 2024

O possível corresponde perfeitamente com o porvir. Para a liberdade, o possível é o porvir; para o tempo, o porvir é o possível. Na vida individual, a angústia corresponde a ambos. Um exato e correto uso linguístico vincula, portanto, ambos: angústia e porvir. Costuma-se dizer, é verdade, que a gente se angustia pelo passado, e isso parece opor-se ao que foi dito. Observando-se, todavia, mais demoradamente, mostra-se que quando se diz isso de algum modo se vislumbra o porvir. O passado, pelo qual eu deveria angustiar-me, deve estar numa relação de possibilidade para mim. Se me angustio por um infortúnio passado, não é por aquilo que passou, mas sim por algo que pode vir a repetir-se, isto é, vir a ser futuro. Quando tenho angústia em razão de alguma culpa passada, é porque não a coloquei numa relação essencial comigo como algo passado, e de uma ou outra maneira enganadora impeço-a de se tornar passada. Se, com efeito, ela está realmente passada, não poderei sentir angústia em relação a ela, mas apenas arrependimento. Se não faço isto, ter-me-ei permitido entabular uma relação dialética com a culpa, porém com isso a própria culpa ficou uma possibilidade, e não algo passado. Se me angustio diante do castigo, isso só ocorre na medida que este é colocado numa relação dialética com a culpa (de outro modo, suporto o meu castigo), e então sinto angústia pelo possível e pelo porvir.

[KIERKEGAARD  , Søren. O conceito de angústia. Tr. Álvaro Luiz Montenegro Valls. Petrópolis: Vozes, 2017]


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