Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

Página inicial > Fenomenologia > Vallega-Neu (2018:4-5) – Historicalidade do ser

Vallega-Neu (2018:4-5) – Historicalidade do ser

segunda-feira 30 de setembro de 2024

A nova abordagem da questão do ser pensaria o seer de forma mais radical e histórica, tanto no sentido de que o seer pertence a uma história (que ocorre em diferentes épocas da história ocidental) quanto (talvez ainda mais) no sentido de que o próprio pensamento pertenceria a essa história e contribuiria para pavimentar seu caminho. Assim, o pensamento do seer se torna “Seynsgeschichtlich”, “seer-histórico”, nesse duplo sentido.

Para entender melhor o que Heidegger quer dizer com historicidade com referência tanto ao pensamento quanto ao ser, devemos tentar deixar de lado nossas noções preconcebidas de história como uma série de acontecimentos em um conjunto linear de tempo. Geschichtlichkeit ecoa tanto a história (Geschichte) quanto a ocorrência (Geschehen). Assim como perdemos o sentido do ser como acontecimento se o objetivarmos e o concebermos em termos de uma dualidade de pensador e pensamento, sujeito e objeto, perdemos o significado da historicidade do ser se o concebermos de forma objetificadora. Assim como sempre nos encontramos já sendo, também sempre somos já históricos, no sentido de que, mesmo que não reconheçamos nossa historicidade, nós ocorremos historicamente e pertencemos a uma história de ser. O pensamento histórico do ser tenta pensar a partir da historicidade do ser que sempre já determina quem somos e prefigura como encontramos e interpretamos coisas e acontecimentos determinados. Essa historicidade do ser assume diferentes formas em diferentes épocas da história ocidental e, ainda assim, de acordo com Heidegger, compartilha um traço comum que surge no pensamento da Grécia Antiga.

É com os gregos antigos que Heidegger descobre o surgimento de um modo de pensar e de um comportamento em relação ao ser que, em última análise, levaria a um distanciamento cada vez maior entre o pensar e o que é pensado, entre o pensar e o ser, de modo que os entes (coisas e acontecimentos) acabam sendo meramente revelados a nós como coisas a serem calculadas, dominadas, usadas para diversão. Em Contribuições à Filosofia, ele chama isso de abandono dos entes pelo ser (Seinsverlassenheit). Ao mesmo tempo, Heidegger continua a buscar, no início do pensamento da Grécia Antiga, outras possibilidades de pensar. O retorno à fonte, à verdade (tanto reveladora quanto oculta) do ser, é ao mesmo tempo (para Heidegger) um retorno ao início da própria historicidade do ser que determina nossa era atual. É por isso que Heidegger chama o pensamento histórico do ser também de pensamento inceptual (anfängliches Denken). O ser per se surgiu principalmente como presença, de modo que tendemos a nos orientar em relação ao que está presente: coisas, acontecimentos que podemos objetivar — isso, para Heidegger, tem suas raízes no que aconteceu no pensamento da Grécia Antiga. No entanto, ao mesmo tempo, ele encontra nos filósofos presocráticos um senso de retraimento e ocultação que permite um pensamento diferente sobre o ser. O retorno à fonte, a uma visão mais profunda do ser, é o que ele chama de “retorno à fonte”. O retorno à fonte, a uma ocultação da qual emergem possibilidades de pensar e ser, exige, segundo Heidegger, um diálogo constante com a herança mais antiga do pensamento grego, de modo que, ao lembrar o primeiro começo (grego), a possibilidade de outro começo possa ser preparada. O pensamento de Heidegger sobre o outro começo recebe grande parte de seu impulso também de sua leitura de Hölderlin.

[VALLEGA-NEU  , D. Heidegger’s poietic writings: from contributions to philosophy to the event. Bloomington (Ind.): Indiana university press, 2018]


Ver online : Daniela Valluga-Neu