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A crise das ciências europeias e a fenomenologia transcendental

Husserl (CCEFT:40-41) – método científico e mundo da vida

quarta-feira 13 de outubro de 2021

Excerto de HUSSERL  , Edmund. A crise das ciências europeias e a fenomenologia transcendental  : uma introdução à filosofia fenomenológica. Tr. Diogo Falcão Ferrer. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012, p. 40-41

Na matematização geométrica e científico-natural ajustamos, então, ao mundo da vida - o mundo permanentemente dado como efetivo na nossa vida concreta no mundo -, na infinidade aberta de experiências possíveis, uma roupagem de ideias bem talhada, a das verdades denominadas objetivamente científicas; isto é, por um método que precisa ser executado (assim o esperamos) efetivamente, e até o singular, e que precisa ser confirmado permanentemente, construímos, de início, determinadas induções numéricas em lugar dos plena sensíveis, efetivos e possíveis, das figuras concretamente intuíveis do mundo da vida, e alcançamos exatamente, assim, possibilidades de uma previsão dos acontecimentos concretos do mundo, intuíveis no mundo da vida, que ainda ou já não estão dados como efetivos; esta é uma previsão que excede infinitamente as operações da previsão quotidiana.

A roupagem de ideias da “matemática e ciência matemática da natureza”, ou a roupagem dos símbolos, das teorias simbólico-matemáticas, abrange tudo aquilo que, para os cientistas, assim como para os homens instruídos, substitui o mundo da vida e o mascara, como a natureza “objetivamente efetiva e verdadeira”. A roupagem das ideias faz com que tomemos pelo verdadeiro ser aquilo que é um método - com o fito de, num progressus in infinitum, melhorar, por previsões “científicas", as rudes previsões que, originariamente, são as únicas possíveis dentro daquilo que é efetivamente experienciado e experienciável no mundo da vida: a roupagem das ideias faz com que o sentido próprio do método, das fórmulas, das “teorias” permaneça incompreendido, e que, no surgimento ingênuo do método, não seja jamais compreendido.

Assim, o problema radical de saber como tal ingenuidade foi realmente possível enquanto fato histórico vivo, e continua a ser, de como pôde algum dia surgir um método efetivamente orientado para uma meta de resolução sistemática de uma tarefa científica infinita, e que para isso apresenta resultados constantes indubitáveis, e que tenha, então, através dos séculos, sido capaz de funcionar sem cessar com utilidade, sem que alguém lograsse uma compreensão efetiva do sentido próprio e da necessidade interior de tais realizações, jamais se tornou algum dia consciente. Faltava, então, e continua ainda a faltar a evidência efetiva, na qual o gerador-de-conhecimento possa dar-se a si mesmo justificação, não só daquilo que faz de novo, e de que trata, mas também sobre todas as implicações de sentido que encerra, por sedimentação ou tradicionalização, ou seja, sobre as pressuposições constantes das suas configurações, conceitos, proposições ou teorias. Não se assemelha a ciência a uma máquina que produz resultados manifestamente muito úteis e que, por isso, é fiável, uma máquina com a qual qualquer um pode aprender a manejar corretamente, sem compreender minimamente a possibilidade e necessidade interna de tais realizações? Mas podería a geometria, podería a ciência, ser antecipadamente projetada como uma máquina, partindo de uma compreensão completa - isto é, científica - no mesmo sentido? Não conduziría isto a um “regressus in infinitum”?


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