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Eu Sou a Verdade

Henry (ESV) – Verdade

Capítulos II e III

domingo 12 de setembro de 2021

HENRY, Michel. Eu Sou a Verdade. Por uma filosofia do cristianismo. Tr. Carlos Nougué. São Paulo: É Realizações

A VERDADE do cristianismo deve ser entendida segundo o senso fenomenológico puro que reconhecemos a esse conceito. Não se trata, portanto, de uma verdade do seguinte tipo: “Os franceses tomaram a Bastilha em 14 de julho de 1789”. Tampouco se trata, consequentemente, desta outra verdade, formalmente semelhante à precedente: “Cristo veio ao mundo para salvar os homens”. Nesses dois exemplos a atenção se fixa sobre certo conteúdo, no caso um fato histórico, ou, como um fato desse gênero nunca se apresenta isoladamente, sobre certo estado de coisas, ele mesmo histórico. É esse estado de coisas que constitui o tema do pensamento e que unicamente importa a seus olhos, a saber, que os franceses tomaram a Bastilha em 14 de julho, ou ainda que Cristo veio ao mundo. O que faz que esses dois estados de coisas sejam verdadeiros se situa, segundo o pensamento comum, no mesmo nível do estado de coisas e depende dele. Que os franceses tenham efetivamente tomado a Bastilha nesse dia, brandindo a cabeça do governador na ponta de uma vara, aí está o que constitui a verdade desse estado de coisas e, por conseguinte, da proposição que o exprime. Porque a verdade do estado de coisas parece da mesma ordem que ele e, afinal de contas, forma algo uno com ele, sua afirmação aparece como uma espécie de tautologia com respeito a ele, um modo, ao fim e ao cabo, inútil de exprimi-lo uma segunda vez. Após a constatação espontânea do estado de coisas – a tomada da Bastilha –, que interesse apresenta esta variante: “É verdade que os franceses tomaram a Bastilha no dia 4 de julho”? Que acrescenta aqui o “é verdade que”? MHESV II

A questão filosófica da VERDADE pura não pode, portanto, ser evitada, e o vemos bem quando, no próprio plano empírico, a verdade do estado de coisas causa problema. Quando se trata, por exemplo, da vinda de Cristo ao mundo. Essa vinda realmente ocorreu, ela é verdadeira? São verdadeiros, igualmente, os textos que a anunciam – as Escrituras? “Ser verdadeiro” não significa, por conseguinte, a duplicação supérflua de um estado de coisas prévio e autossuficiente. Muito pelo contrário, o estado de coisas só é verdadeiro se se manifesta ou se se manifestou no passado – mais radicalmente se essa própria manifestação se manifestou a si mesma e enquanto tal. A vinda de Cristo ao mundo está subordinada à vinda do próprio mundo, a seu aparecimento como mundo. Pois, se o mundo não tivesse aberto primeiro seu espaço de luz, se ele não se tivesse mostrado a nós como esse horizonte de visibilidade lançado para além das coisas, como essa tela sobre a qual estas de destacam, Cristo nunca teria podido vir a ele nem se mostrar a nós, ou ao menos àqueles a quem foi dado o privilégio de vê-lo. MHESV II

Aliás, quando em nossa primeira aproximação ao cristianismo essas questões sobre a verdade histórica dos acontecimentos relatados nos Evangelhos ou, tendo desaparecido esses acontecimentos, sobre a autenticidade dos textos que os relatam foram evocadas de modo sucinto, não apareceu que a verdade de uns e de outros, dos acontecimentos e dos textos, remetia imediatamente a essa essência mais original da verdade do mundo e à natureza desta verdade? E porque no tempo do mundo toda realidade particular se apaga e desaparece, é porque a linguagem por sua vez deixa fora de si essa realidade e, assim como o tempo, só se edifica sobre sua negação, que a verdade do cristianismo aparecia tão precária e como que desvanecida. Afinal, não são os fatos, as coisas que são precárias, fugidias como os anos, mas seu modo de aparecimento. E a verdade fenomenológica pura que, enquanto verdade do mundo, determina toda forma particular de verdade para nós, a da história, por exemplo, ou a da linguagem, como uma espécie de aparecimento evanescente, roído pelo nada. MHESV II

E então decisivo observar que a VERDADE do cristianismo difere por essência da verdade do mundo. Como esta, é verdade; mais que esta, como veremos, é uma verdade fenomenológica pura, em sentido absoluto. Ela concerne consequentemente não ao que se mostra, mas ao fato de se mostrar; não ao que aparece, mas ao modo de aparecer; não ao que se manifesta, mas à manifestação pura, a ela mesma e enquanto tal. Ou, como se pode dizer ainda, não ao [39] fenômeno, mas à fenomenalidade. O fato de se mostrar, o aparecer, a manifestação são conceitos fenomenológicos puros precisamente porque designam a própria fenomenalidade e nada além dela. Termos equivalentes, já mencionados porque são os do cristianismo, são aqui “aparecimento”, “verdade”, “revelação”. Quando os conceitos de verdade, de manifestação ou de revelação são compreendidos em sua significação fenomenológica pura, põe-se então uma questão crucial: em que consistem esta verdade, esta manifestação, esta revelação? Que é que, nelas, torna verdadeiro, torna manifesto, revela? Não se trata de um poder situado atrás da manifestação, atrás da revelação, atrás da verdade, o de tornar manifesto, tornar verdadeiro, revelar – porque tal poder em segundo plano não existe. É a própria verdade em seu desdobramento próprio o que torna verdadeiro, é a manifestação enquanto se manifesta a si mesma o que torna manifesto, é a revelação revelando-se a si mesma o que revela. Mas como? Em que consiste a cada vez a efetividade fenomenológica desta revelação? MHESV II

E aqui que aparece a diferença radical que separa a VERDADE do cristianismo da do mundo, bem como de todas as formas de verdade que extraem da do mundo sua própria possibilidade – verdade da ciência, do conhecimento, da percepção. Como a verdade do mundo torna manifesto, isso é o que foi longamente analisado. Dessa análise lembremos alguns resultados essenciais a fim de compreender como a verdade do mundo faz ver cada coisa colocando-a fora de si, de modo que é a exterioridade do “fora de si” que faz ver, que é a fenomenalidade. E porque a verdade do mundo consiste na exterioridade desse “fora de si” que ela difere de tudo o que se dá nesta exterioridade, de todas as coisas que se mostram nesta a título de “objetos” ou de “entes”. Donde surge esta consequência decisiva: a divisão do conceito de verdade entre a VERDADE e o que é verdadeiro não pertence ao conceito de verdade em geral. E somente quando a verdade é compreendida como a do mundo, quando ela faz ver algo colocando-o fora de si, que a [40] divisão do conceito dê VERDADE, a diferença entre a própria VERDADE e o que ela mostra – o que ela torna verdadeiro –, se produz. MHESV II

O primeiro traço decisivo da VERDADE do cristianismo é que ela não difere em nada do que ela torna verdadeiro. Nela não há separação entre o ver e o que é visto, entre a luz e o que ela ilumina. E isso porque não há nela Ver nem visto, nenhuma Luz como a do mundo. Desde o início, o conceito cristão da verdade se dá como irredutível ao conceito de verdade que domina a história do pensamento ocidental, da Grécia à fenomenologia contemporânea. Esse conceito tradicional da verdade não determina somente a maior parte das correntes filosóficas que se sucederam até nossos dias, mas, ainda mais, a ideia que temos hoje da verdade tanto no domínio do conhecimento científico como no do senso comum, mais ou menos impregnado do ideal científico. E precisamente quando o conceito cristão da VERDADE cessar de determinar a consciência coletiva da sociedade como o fazia na Idade Média, que seu divórcio da ideia grega de conhecimento e de ciência verdadeira se manifestará com toda a sua força. E a consequência será, senão a supressão do conceito cristão, ao menos seu rechaço no domínio da vida privada, e até no da superstição. MHESV II

Sucede porém que, se a Revelação de Deus não deve nada à verdade do mundo, se sua matéria fenomenológica pura não se identifica com esse horizonte de luz que é o mundo, de modo que não pode mostrar-se neste e nunca nele se mostra, como podemos ter acesso a ela? E, antes de tudo, como podemos pensá-la? Pois o pensamento é tão somente um modo de nossa relação com o mundo. Pensar é sempre pensar algo com que o pensamento se relaciona num ver sensível ou inteligível e, portanto, sob a condição do mundo. Toda forma de conhecimento – e notadamente o método científico de investigação, incluído o método fenomenológico – procede segundo um jogo de implicações intencionais desdobradas a cada vez para alcançar uma evidência e, assim, a um ver. É nesse ver e graças a ele que se constitui toda aquisição de conhecimento. O trabalho aqui empreendido, concernente à VERDADE do cristianismo, isto é, à autorrevelação de Deus, como poderia chegar a algum resultado se ela se furtasse no princípio a toda mira do pensamento, a qual pressupõe sempre a abertura prévia de um mundo? MHESV II

Às definições de Deus como encontrando sua essência na Vida ou às múltiplas declarações em que ele aparece como o Vivente, não deixaremos de opor-lhes as que fazem referência ao Ser. Assim, Javé, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, cuja maneira como se nomeia traduzimos aproximativamente “Eu sou aquele que é”, refere-se com toda a evidência a esse conceito do Ser. O Apocalipse também diz de Deus: “Eu sou o Alfa e o Omega […] Aquele que é, Aquele que era e Aquele que vem, o Todo-Poderoso” (1,8). Observar-se-á igualmente que o conceito de ser intervém no interior das proposições que identificam a essência divina com a Vida, como esta: “Aquele que é vivente”. A fim de afastar desde o início o contrassenso maciço que reduz a essência do Deus cristão ao Ser e, assim, a um conceito do pensamento grego – abrindo caminho para as grandes teologias ocidentais que reduzem o Deus de Abraão ao dos filósofos e dos sábios e, por exemplo, ao de Aristóteles –, convém afirmar que, remetido a seu último fundamento fenomenológico, o conceito de Ser se relaciona à verdade do mundo, não designando nada além de seu aparecimento, de sua iluminação, o que basta para privá-lo de qualquer pertinência concernente à VERDADE do cristianismo, isto é, do próprio Deus. MHESV II

O que é próprio da Vida enquanto autorrevelação é, portanto, o fato de ela própria se revelar a si mesma. Essa aparente tautologia implica duas significações que vale dissociar aqui uma primeira vez. Autorrevelação, quando se trata da essência da Vida, quer dizer, por um lado, que é a Vida que cumpre a revelação, que revela. Mas também, por outro lado, que o que ela revela é ela mesma. E é aqui que a maneira de revelação própria da Vida difere essencialmente da do mundo. Pois também o mundo revela, torna manifesto, mas no “lá fora”, lançando, como vimos, cada coisa para fora de si, de modo que ela jamais se mostra como outra, diferente, exterior, nesse meio de exterioridade radical que é o “fora de si” do mundo. Duplamente exterior, portanto. Exterior ao poder que a torna manifesta – e é aqui que intervém a oposição entre a VERDADE e o que ela torna verdadeiro. Exterior a si mesma, por outro lado – ela, que só se mostra em sua própria exterioridade a si, esvaziada de sua própria substância, irreal, dessa irrealidade que lhe vem de seu próprio modo de aparecimento, da verdade do mundo. Se pois a Vida se autorrevela não só no sentido de que ela cumpre a revelação, mas porque é a si [47] mesma que ela revela em tal revelação, então ela só é possível porque o modo de revelação que é o seu ignora o mundo e seu “lá fora”. Viver não é possível no mundo. Viver só é possível fora do mundo, ali onde reina outra VERDADE, outro modo de revelar. Este modo de revelar é o da Vida. A Vida não lança para fora o que ela revela: ela o tem em si e o retém num estreitamento tão estreito, que o que ela retém e revela é ela mesma. Ora, é tão somente por ter o que ela revela neste estreitamento que nada poderia romper que ela é e pode ser a vida. A Vida se estreita, se experimenta sem distância, sem diferença. Apenas com essa condição ela pode experimentar-se a si mesma, ser ela mesma o que ela experimenta – ser ela mesma, por conseguinte, o que experimenta e o que é experimentado. MHESV II

Aqui se põem questões urgentes: se a verdade do cristianismo encontra sua essência na Vida, e se esta essência da Vida é a do próprio Deus, então que relação tal Vida pode manter com o que chamamos correntemente por esse nome e que parece ser não um privilégio de Deus, mas de todos os viventes? Que relação mais precisamente com o que a ciência tematiza sob esse termo: com o objeto da biologia? Esta, que concentra em si os progressos espetaculares da investigação contemporânea e dispõe de metodologias extraordinariamente finas e complexas, não lança sobre a vida uma luz inteiramente nova? O discurso arcaico do cristianismo, sobrecarregado tanto de considerações teológicas como de um saber obsoleto, apresenta ainda algum interesse para o homem de hoje? O próprio homem, como pensá-lo à luz da concepção cristã da VERDADE, ou seja, da única ideia da Vida? A elaboração grega do que constitui a humanidade do homem a partir de sua diferença específica com o animal, como animal dotado de logos, de razão e de linguagem – como capaz de pensar, de refletir e de raciocinar não nos leva muito mais perto do que realmente somos, de modo que é impossível e ainda mais perigoso não ver no homem nada além de um vivente? [50] MHESV II

A elaboração do conceito cristão de VERDADE fez que ela aparecesse encontrando sua essência na Vida. Enquanto idêntica à VERDADE, a Vida se compreende já de início como fenomenológica. Que a Vida seja VERDADE significa que ela é manifestação e revelação, no sentido original que reconhecemos a esses termos. A Vida não é “verdadeira”, o que não quereria dizer nada além disto: ela se manifesta, ela se mostra. Neste caso, nada a distinguiria de um fenômeno qualquer, de tudo o que se mostra em geral. Tal proposição não só permaneceria indeterminada, mas deixaria na sombra o problema da VERDADE e notadamente o da verdade própria da Vida. Não somente o que se mostra pressupõe uma “mostração”, uma manifestação prévia sem a qual nada jamais se manifestaria a nós, nenhum fenômeno de espécie alguma. Mas a questão central da fenomenologia, diretamente implicada na inteligência do cristianismo, é a de saber como a manifestação torna manifesto tudo o que ela manifesta, mais essencialmente como ela se manifesta a si mesma. Antes de tornar manifesto o que quer que seja, com efeito, e para poder fazê-lo, a manifestação deve manifestar-se a si mesma na pureza, enquanto tal. Antes de iluminar cada coisa, a luz brilha de seu próprio brilho. É quando se põe a questão central da fenomenologia, que se descobre a nós a extraordinária originalidade do cristianismo, a clivagem decisiva sobre a qual ele repousa inteiramente. Ao conceito grego de fenômeno que vai determinar o pensamento do Ocidente, a interpretação da manifestação das coisas, mais rigorosamente da manifestação desta manifestação como verdade do mundo, verdade cuja fenomenalidade é a do “lá fora”, o cristianismo opõe-lhe de modo maciço sua concepção da VERDADE [53] como Vida. Vida recebe então no cristianismo uma significação fenomenológica tão original quanto radical. Vida designa uma manifestação pura, irredutível todavia à do mundo, uma revelação original que não é a revelação de outra coisa e que não depende de nada de outro, mas uma revelação de si, esta autorrevelação absoluta que é precisamente a Vida. MHESV III

Por sua essência fenomenológica, porque ela é, assim, VERDADE, manifestação pura, revelação, a Vida de que fala o cristianismo difere inteiramente do objeto da biologia. O que caracteriza este último – trate-se de neurônios, de corrente elétrica, de cadeias de ácidos, de células, de propriedades químicas ou ainda de seus últimos constituintes, que são as partículas materiais – é que ele em si se vê estranho à fenomenalidade. Sem dúvida esses diversos elementos – físicos, químicos ou especificamente biológicos – são todos fenômenos ou remetem a fenômenos, à falta do que nenhuma ciência, por mais elaboradas ou sofisticadas que sejam as metodologias, poderia saber nada disso. Mas precisamente esses diversos fenômenos não têm por si sua fenomenalidade, sua capacidade de se mostrar a nós. Esta capacidade de se mostrar e, assim, de se tornar objeto de um saber possível, eles a devem a um poder de manifestação que lhes é estranho, na medida em que em si mesmos eles são “cegos”. E esse poder de manifestação estranho aos elementos em si cegos que a biologia estuda é a verdade do mundo. MHESV III

O alijamento da vida pela decisão galileana que inaugura a ciência moderna concerne em primeiro lugar à biologia. É no campo desta que ela manifesta seu efeito mais impressionante, orientando a investigação para os embasamentos químicos e, em seguida, físicos dos fenômenos biológicos e de seu funcionamento específico. Que ao termo de tal investigação só se encontrem processos físico-químicos e nada que se assemelhe à experiência interior que cada vivente faz de sua vida, ao próprio fato do “viver”, isto é, a esta autorrevelação original que qualifica a Vida como uma essência fenomenológica pura e a VERDADE no sentido do cristianismo, aí está [58] uma consequência absolutamente necessária. Esta não resulta da própria investigação, de seus progressos ou de suas vicissitudes próprias, mas de seu postulado metodológico inicial. Introduzindo em sua decisão inaugural a vida sensível, a vida fenomenológica em geral fora de seu campo de investigação, a ciência galileana não saberia certamente encontrá-la nesta, ainda que ela se intitule biologia. E, de fato, a biologia não encontra nunca a vida, não sabe nada dela, não tem dela nem sequer a menor ideia. Quando extraordinariamente é a própria biologia que fala – a biologia e não o biólogo sempre penetrado dos ideais ou dos preconceitos de seu tempo então ela pronuncia sobre si mesma a sentença, declara com toda a verdade e com toda a lucidez o que ela é: “Hoje já não se interroga a vida nos laboratórios”. [1] E preciso tomar o partido dela: na biologia não há vida, não há senão algoritmos. MHESV III

Ora, se consideramos o mundo antes da redução galileana, o mundo sensível onde vivem os homens, esse mundo onde há cores, odores e sons, qualidades táteis também, como o duro e o mole, o liso e o rugoso; onde as coisas só se nos dão revestidas de qualidades axiológicas como o prejudicial ou o vantajoso, o favorável ou o [61] perigoso, o amável ou o hostil, havemos então de reconhecer que a despeito dessas determinações sensíveis ou afetivas que remetem todas à vida, a ponto de a fenomenologia contemporânea chamar a esse mundo da experiência concreta, a esse mundo antes da ciência, o mundo-da-vida (Lebenswelt), a vida, no entanto, nunca se mostra nele. E é somente por essa razão que ela tampouco se mostra num campo de investigação teórica qualquer, e notadamente no da biologia: porque, qualquer que seja a importância dos processos de depuração abstrata que prepararam para um tratamento científico específico, esse campo já tinha tomado a forma de um mundo, tendo sido obrigado a se oferecer previamente a um ver e, assim, à verdade desse mundo. Assim, somos remetidos à tese decisiva do cristianismo, a saber, que a VERDADE da Vida é irredutível à verdade do mundo, de maneira que jamais se mostra nele. E essa exclusão recíproca entre a VERDADE da Vida e a do mundo o que é preciso examinar de mais perto. MHESV III


Ver online : Philo-Sophia



[1François Jacob, La Logique du Vivant. Paris, Gallimard, 1970, p. 320. Remeta-se ao contexto: “Os processos que se desenvolvem nos seres vivos em nível microscópico das moléculas não se distinguem em nada dos processos que a física e a química analisam nos sistemas inertes […]. De fato, desde o nascimento da termodinâmica, o valor do conceito operatório de vida não faz senão diluir-se, e seu poder de abstração declinar. Hoje já não se interroga a vida nos laboratórios”.