Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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tonalidade afetiva

quarta-feira 13 de dezembro de 2023

Em alemão, a palavra utilizada para designar uma TONALIDADE AFETIVA indica ao mesmo tempo um ânimo ou uma atmosfera específica. A Stimmung   não diz apenas o estar afinado de um certo modo, mas também o astral ou a animação de um ambiente. Heidegger aproveita as variações semânticas do termo em alemão para mostrar como a “TONALIDADE AFETIVA” não pode ser simplesmente associada com um estado da alma, mas determina sim a totalidade do acontecimento. O que traduzimos nesta passagem por “animar” aponta para a expressão Stimmung bringen  : “produzir o aparecimento de um astral”, “uma atmosfera”, “uma TONALIDADE AFETIVA”. [Casanova  ; GA29-30MAC:87]


Como costumamos dizer, uma pessoa com bom humor anima   uma reunião social. Neste caso, esta pessoa produz em si uma vivência [Erlebnis  ] anímica, para então transportar até os outros, como germes infecciosos que migram de um organismo para outro? Dizemos mesmo: o ânimo [Stimmung] é contagiante. Ou uma outra pessoa está em uma reunião social, uma pessoa que a tudo abate e deprime com seu modo de ser. Ninguém consegue escapar desta TONALIDADE AFETIVA. O que podemos deduzir daqui? As tonalidades afetivas não são manifestações paralelas, mas justamente o que determina desde o princípio a convivência [Miteinandersein  ]. Tudo se dá como se uma TONALIDADE AFETIVA sempre estivesse aí, como uma atmosfera, na qual sempre e a cada vez imergimos e desde a qual, então, seríamos transpassados por uma afinação. Tudo não se dá apenas aparentemente como se fosse assim, mas é realmente assim; e em função deste fato vale colocar de lado a psicologia dos sentimentos, das vivências e da consciência. É válido ver e dizer o que acontece aí. Tornou-se evidente que as tonalidades afetivas não são algo que está apenas presente como um dado, mas que elas mesmas são justamente um modo e um jeito fundamental do ser – em verdade, um modo e um jeito fundamental do ser-aí, o que sempre diz ao mesmo tempo da convivência. Elas são jeitos do ser-aí, e, com isto, do ser-fora. Uma TONALIDADE AFETIVA é um jeito, não apenas uma forma ou um padrão modal, mas um jeito no sentido de uma melodia, que não paira sobre a assim chamada presença subsistente própria do homem, mas que fornece para este ser o tom, ou seja, que afina e determina o modo e o como de seu ser.

Com isto, temos o positivo no que concerne à primeira tese negativa de que a TONALIDADE AFETIVA não é nenhum ente: ela é positivamente um modo fundamental, o jeito fundamental como o ser-aí enquanto ser-aí é. Também temos agora a contratese para a segunda tese negativa de que a TONALIDADE AFETIVA não é o que há de mais inconstante, fugidio e meramente subjetivo: à medida que a TONALIDADE AFETIVA é o jeito originário, no qual todo e qualquer ser-aí é como ele é, ela não é o maximamente inconstante, mas o que dá ao ser-aí desde o princípio consistência e possibilidade.

A partir de tudo isto, temos de aprender a compreender o que significa tomar as assim chamadas “tonalidades afetivas’’ de uma maneira correta. Não se trata de circunscrever uma espécie de vivência anímica em contraposição à psicologia e de aprimorar, com isto, esta última, mas, acima de tudo, de abrir primeiramente o olhar para o ser-aí do homem. Tonalidades afetivas são jeitos fundamentais nos quais nos encontramos de um modo ou de outro. Tonalidades afetivas são o como de acordo com o qual as coisas são para alguém de um modo ou de outro. Por razões que não podemos discutir agora, certamente tomamos com frequência este “ser para alguém de um certo modo” como algo indiferente no que concerne ao que temos em vista e àquilo com o que nos ocupamos e que vem a ser junto conosco. Contudo, este “ser para alguém de um modo ou de outro” não é nunca primordialmente a consequência e a manifestação paralela de nosso pensar, agir e não agir. Ao contrário, ele é—grosso modo — o seu pressuposto, o “meio”, no qual primariamente o pensar acontece. E exatamente as tonalidades afetivas para as quais não atentamos de maneira alguma e que observamos ainda menos, as tonalidades afetivas que nos afinam de um tal modo que tudo se dá para nós como se nenhuma TONALIDADE AFETIVA estivesse aí, como se nós não estivéssemos absolutamente afinados: exatamente estas tonalidades afetivas são as mais poderosas. [tr. Casanova; GA29-30  :100-102]