Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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serventia

quarta-feira 13 de dezembro de 2023

Dienlichkeit  

Rigorosamente, um instrumento nunca “é”. O instrumento só pode ser o que e num todo instrumental que sempre pertence a seu ser. Em sua essência, todo instrumento é “algo para…” Os diversos modos de “ser para” (Um-zu  ) como SERVENTIA, contribuição, aplicabilidade, manuseio constituem uma totalidade instrumental. Na estrutura “ser para” (Um-zu), acha-se uma referência de algo para algo. Apenas nas análises seguintes é que o fenômeno indicado por esse termo se fará visível em sua gênese ontológica. Provisoriamente, trata-se somente de obter uma visão da multiplicidade dos fenômenos de referência. O instrumento sempre corresponde a seu caráter instrumental a partir da pertinência a outros instrumentos: instrumento para escrever, pena, tinta, papel, suporte, mesa, lâmpada, móvel, janela, portas, quarto. Essas “coisas” nunca se mostram primeiro por si, para então encherem um quarto como um conjunto de coisas reais. Embora não apreendido tematicamente, o que primeiro vem ao encontro é o quarto, não como o “entre quatro paredes”, no sentido de espaço geométrico, mas como instrumento de habitação. É a partir dele que se mostra a “instalação” e, nela, os diversos instrumentos “singulares”. Antes deles, sempre já se descobriu uma totalidade instrumental. STMSC: §15

Escolhemos como exemplo de sinal aquele que, numa análise posterior, desempenhará a função de exemplo numa outra perspectiva. Recentemente, instalou-se nos veículos uma seta vermelha e móvel, cujo posicionamento mostra, cada vez, por exemplo, num cruzamento, qual o caminho que o carro vai seguir. O posicionamento da seta é acionado pelo motorista. Esse sinal é um instrumento que está à mão, não apenas na ocupação (dirigir) do motorista. Também os que não estão no veículo e justamente eles fazem uso desse instrumento, esquivando-se para o lado indicado ou ficando parados. Esse sinal está à mão dentro do mundo na totalidade do conjunto instrumental dos meios de transporte e regras de trânsito. Enquanto instrumento, esse instrumento-sinal constitui-se por referência. Possui o caráter de “ser-para” (Um-zu), possui sua SERVENTIA definida, ele é para mostrar. Essa ação de mostrar do sinal pode ser apreendida como “referência”. Deve-se, no entanto, observar: essa “referência” enquanto sinal não é a estrutura ontológica do sinal enquanto instrumento. STMSC: §17

Enquanto ação de mostrar, a “referência” funda-se, ao contrário, na estrutura ontológica do instrumento, isto é, na SERVENTIA. A SERVENTIA ainda não faz de um ente um sinal. Também o instrumento “martelo” se constitui por uma SERVENTIA, embora com isso o martelo não seja um sinal. A “referência” mostrar é a concreção ôntica do para quê (Wozu) de uma SERVENTIA, que determina um instrumento específico. A referência “SERVENTIA para” é, em contrapartida, uma determinação ontológica categorial do instrumento como instrumento. Que o para quê (Wozu) se concretize na ação de mostrar, isto é apenas contingente para a constituição do instrumento como tal. A diferença entre referência enquanto SERVENTIA e referência enquanto sinal torna-se visível, a grosso modo, no exemplo do sinal. Ambas se identificam tão pouco que é somente em sua unidade que possibilitam a concreção de uma determinada espécie de instrumento. Quanto mais segura for, em princípio, a diferença entre a ação de mostrar e a referência constitutiva do instrumento, tanto mais inquestionável será a remissão própria e mesmo privilegiada que o sinal tem com o modo de ser da totalidade instrumental, à mão dentro do mundo, e com a sua determinação mundana. No modo de lidar da ocupação, o instrumento-sinal tem um emprego preferencial. Do ponto de vista ontológico, porém, a simples constatação desse fato não é suficiente. Deve-se esclarecer ainda o fundamento e o sentido dessa preferência. STMSC: §17

Esta interpretação do sinal tinha apenas a finalidade de oferecer um apoio fenomenal para se caracterizar a referência. A relação entre sinal e referência é tríplice: 1. Na estrutura do instrumento em geral, a ação de mostrar, enquanto possível concreção do para quê (Wozu) de uma SERVENTIA, funda-se no ser para (Um-zu) (referência). 2. A ação de mostrar do sinal, enquanto caráter instrumental do que se acha à mão, pertence a uma totalidade instrumental, a um conjunto referencial. 3. O sinal não está apenas à mão junto com outro instrumento, mas, em sua manualidade, o mundo circundante torna-se, cada vez, explicitamente acessível à circunvisão. O sinal está onticamente à mão e, enquanto é esse instrumento determinado, desempenha, ao mesmo tempo, a função de alguma coisa que indica a estrutura ontológica de manualidade, totalidade de referencial e mundanidade. Aí se enraíza o privilégio desse manual em meio ao mundo circundante, ocupado pela circunvisão. Se, portanto, a própria referência deve ser, do ponto de vista ontológico, fundamento do sinal, ela mesma não pode ser concebida como sinal. Como a própria referência constitui manualidade, ela não é a determinação ôntica de um manual. Em que sentido a referência é a “pressuposição” ontológica do manual e em que medida, na qualidade de fundamento ontológico, é também constitutivo da mundanidade em geral? STMSC: §17

Indicou-se a constituição instrumental do manual como referência. Como o mundo pode liberar em seu ser os entes dotados desse modo de ser? Por que esse ente é o que vem ao encontro em primeiro lugar? Consideramos a SERVENTIA, o dano, a possibilidade de emprego, etc como referências determinadas. O para quê (Wozu) de uma SERVENTIA e o em quê (Wofür) de uma possibilidade de emprego delineiam a concreção possível da referência. A “ação de mostrar” do sinal, o “martelar” do martelo não são, contudo, propriedades dos entes. Não são propriedades em sentido algum, caso esse termo deva designar a estrutura ontológica de uma determinação possível de coisas. Em todo caso, o manual é apropriado ou não apropriado e, nessas apropriações, suas “propriedades” acham-se, por assim dizer, articuladas, do mesmo modo que o ser simplesmente dado, na qualidade de modo possível de ser de um manual na manualidade. Como constituição do instrumento, a SERVENTIA (referência) também não é o ser apropriado de um ente, mas a condição ontológica da possibilidade para que possa ser determinado por apropriações. O que diria, pois, nesse caso, referência? O ser do manual tem a estrutura da referência. Isso significa: ele possui em si mesmo o caráter de estar referido a. O ente se descobre enquanto referido a uma coisa como o ente que ele mesmo é. O ente tem com o ser que ele é algo junto. O caráter ontológico do manual é a conjuntura. Na conjuntura se diz: algo se deixa e faz junto a. É essa remissão de “com… junto…” que se pretende indicar com o termo referência. STMSC: §18

Conjuntura [Bewandtnis  ] é o ser dos entes intramundanos em que cada um deles já, desde sempre, liberou-se. Junto com ele, enquanto ente, sempre se dá uma conjuntura. Dar uma conjuntura constitui a determinação ontológica do ser deste ente e não uma afirmação ôntica que sobre ele se possa fazer. Aquilo junto a que possui uma conjuntura é o para quê (Wozu) da SERVENTIA, o em quê (Wofür) da possibilidade de emprego. Com o para quê (Wozu) da SERVENTIA pode-se dar, novamente, uma conjuntura própria; por exemplo, junto com esse manual que chamamos, por isso mesmo, de martelo, age a conjuntura de pregar, junto com o pregar dá-se a proteção contra as intempéries; esta “é” em virtude do abrigo da presença [Dasein  ], ou seja, está em virtude de uma possibilidade de seu ser. A partir da totalidade conjuntural, sempre se delineia que conjuntura se dá com um manual. A totalidade conjuntural que constitui, por exemplo, o manual em sua manualidade numa oficina é “anterior” a cada instrumento singular, da mesma forma que a totalidade conjuntural de uma estância com todos os aparelhos e apetrechos. A própria totalidade conjuntural remonta, em última instância, a um para quê (Wozu) onde já não se dá nenhuma conjuntura, que em si mesmo já não é um ente segundo o modo de ser do manual dentro de um mundo, mas um ente cujo ser se determina como ser-no-mundo onde a própria mundanidade pertence à sua constituição de ser. Esse para quê (Wozu) primordial não é um ser para isso (Dazu  ), no sentido de um possível estar junto numa conjuntura. O “para quê” (Wozu) primordial é um ser em virtude de. “Em virtude de”, porém, sempre diz respeito ao ser da presença [Dasein], uma vez que, sendo, está essencialmente em jogo seu próprio ser. Nesse primeiro momento, não se deve aprofundar o contexto indicado que conduz da estrutura da conjuntura para o ser da presença [Dasein] enquanto função única e própria. Antes disso é preciso esclarecer, de modo mais amplo, o “deixar e fazer em conjunto”, a fim de apreendermos a determinação do fenômeno da mundanidade e, assim, podermos colocar seus respectivos problemas. STMSC: §18