Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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ser-para-o-fim

quarta-feira 13 de dezembro de 2023

Antes de se anular o problema da totalidade da presença [Dasein  ], devem buscar-se as respostas reclamadas por essas questões. A questão sobre a totalidade da presença [Dasein] que, do ponto de vista existenciário, emerge como a questão da possibilidade dela poder-ser-toda e, do ponto de vista existencial, como a questão da constituição de ser de “fim” e “totalidade”, abriga a tarefa de uma análise positiva dos fenômenos da existência até aqui postergados. No centro dessas considerações acha-se a caracterização ontológica do SER-PARA-O-FIM em sentido próprio da presença [Dasein] e a conquista de um conceito existencial da morte. As investigações referidas a essas questões articulam-se da seguinte maneira: a possibilidade de se experimentar a morte dos outros e de se apreender toda a presença [Dasein] (§47); o pendente, o fim e a totalidade (§48); a delimitação da análise existencial da morte frente a outras interpretações possíveis do fenômeno (§49); prelineamento da estrutura ontológico-existencial da morte (§50); o ser-para-a-morte e a cotidianidade da presença [Dasein] (§51); o SER-PARA-O-FIM cotidiano e o pleno   conceito existencial da morte (§52); o projeto existencial de um ser-para-a-morte em sentido próprio (§53). STMSC §46

Da mesma forma que a presença [Dasein], enquanto é, constantemente já é o seu ainda-não, ela também já é sempre o seu fim. O findar implicado na morte não significa o ser e estar-no-fim da presença [Dasein], mas CH: a morte como morrer o seu SER-PARA-O-FIM. A morte é um modo de ser que a presença [Dasein] assume no momento em que é. “Para morrer basta estar vivo”. STMSC §48

Enquanto SER-PARA-O-FIM, o findar reclama um esclarecimento ontológico haurido no modo de ser da presença [Dasein]. E, presumivelmente, apenas a partir da determinação existencial do findar é que se fará compreensível a possibilidade do caráter existencial de um modo de ser do ainda-não que se encontra “antes” do “fim”. O esclarecimento existencial do SER-PARA-O-FIM poderá fornecer a base suficiente para se delimitar o sentido possível em que se fala de uma totalidade da presença [Dasein], desde que essa totalidade seja constituída pela morte, entendida como “fim”. STMSC §48

A análise ontológica do SER-PARA-O-FIM, por outro lado, não concebe previamente nenhum posicionamento existenciário frente à morte. Caso se determine a morte como “fim” da presença [Dasein], isto é, do ser-no-mundo, ainda não se poderá decidir onticamente se, “depois da morte” um outro modo de ser, seja superior ou inferior, é ainda possível, se a presença [Dasein] “continua vivendo” ou ainda se ela é “imortal”, sobrevivendo a si mesma. Também nada se poderá decidir onticamente a respeito do “outro mundo” e de sua possibilidade e nem tampouco sobre “este mundo”, no sentido de se propor normas e regras “edificantes” de comportamento frente à morte. Interpretando-se o fenômeno meramente como algo que se instala na presença [Dasein] enquanto possibilidade ontológica de cada presença [Dasein] singular, a análise da morte permanecerá inteiramente “neste mundo”. A questão sobre o que há depois da morte apenas terá sentido, razão e segurança metodológica caso se conceba a morte em toda sua essência ontológica. Aqui não se poderá tampouco decidir se essa questão apresenta uma questão teórica possível. A interpretação ontológica da morte ligada a este mundo precede toda especulação ôntica referida ao outro mundo. STMSC §49

Por outro lado, a análise não pode ater-se a uma ideia da morte, cogitada ao acaso e arbitrariamente. Somente uma caracterização ontológica prévia do modo de ser em que o “fim” se instala na cotidianidade mediana da presença [Dasein] é que pode guiar esse arbítrio. Para isso, é necessário representar, integralmente, as estruturas da cotidianidade, antes expostas. Que, numa análise existencial da morte, ressoem possibilidades existenciárias do ser-para-a-morte, isso reside na essência de toda investigação ontológica. Quanto mais explicitamente a não vinculação existenciária acompanhar a determinação existencial do conceito, e isso em específico no tocante à morte, mais agudamente poder-se-á desvelar o caráter de possibilidade da presença [Dasein]. A problemática existencial almeja unicamente à apresentação da estrutura ontológica do SER-PARA-O-FIM da presença [Dasein]. STMSC §49

As considerações feitas a respeito do pendente, do fim e totalidade resultaram na necessidade de se interpretar o fenômeno da morte como SER-PARA-O-FIM, a partir da constituição fundamental da presença [Dasein]. Somente assim é que se pode esclarecer como, na própria presença [Dasein] e de acordo com sua estrutura ontológica, o SER-PARA-O-FIM possibilita o ser-todo da presença [Dasein]. Mostrou-se a cura como constituição fundamental da presença [Dasein]. O significado ontológico desse termo exprime-se na seguinte “definição”: já anteceder-a-si-mesma-em (um mundo) como ser-junto-aos entes (intramundanos) que vêm ao encontro. Com isso, explicitam-se os caracteres fundamentais do ser da presença [Dasein]: no anteceder-a-si-mesma, a existência, no já-ser-em…, a facticidade, no ser-junto-a, a decadência. Se, portanto, a morte pertence, num sentido privilegiado, ao ser da presença [Dasein], ela (e o SER-PARA-O-FIM) devem poder ser determinados por esses caracteres. STMSC §50

Recusou-se como inadequada a interpretação do ainda-não e com isso também do ainda-não mais extremo, isto é, do fim da presença [Dasein], no sentido do que está pendente. Isso porque essa interpretação implica um desvio ontológico da presença [Dasein] para o ser simplesmente dado. Existencialmente, estar-no-fim diz SER-PARA-O-FIM. O ainda-não mais extremo possui o caráter daquilo com que a presença [Dasein] se relaciona. Para a presença [Dasein], o fim é impendente. A morte não é algo simplesmente ainda-não dado e nem o último pendente reduzido ao mínimo, mas, muito ao contrário, algo impendente, iminente. STMSC §50

A morte é uma possibilidade ontológica que a própria presença [Dasein] sempre tem de assumir. Com a morte, a própria presença [Dasein] é impendente em seu poder-ser mais próprio. Nessa possibilidade, o que está em jogo para a presença [Dasein] é pura e simplesmente seu ser-no-mundo. Sua morte é a possibilidade de poder não mais ser presença [Dasein]. Se, enquanto essa possibilidade, a presença [Dasein] é, para si mesma, impendente, é porque depende plenamente de seu poder-ser mais próprio. Sendo impendente para si, nela se desfazem todas as remissões para outra presença [Dasein]. Essa possibilidade mais própria e irremissível é, ao mesmo tempo, a mais extrema. Enquanto poder-ser, a presença [Dasein] não é capaz de superar a possibilidade da morte. A morte é, em última instância, a possibilidade da impossibilidade pura e simples de presença [Dasein]. Desse modo, a morte desvela-se como a possibilidade mais própria, irremissível e insuperável. Como tal, ela é um impendente privilegiado. Essa possibilidade existencial funda-se em que a presença [Dasein] está, essencialmente, aberta para si mesma e isso no modo de anteceder-a-si-mesma. Esse momento estrutural da cura possui sua concreção mais originária no ser-para-a-morte. O SER-PARA-O-FIM torna-se, fenomenalmente, mais claro como ser-para essa possibilidade privilegiada da presença [Dasein]. STMSC §50

O SER-PARA-O-FIM não se origina primeiro de uma postura que, às vezes, acontece, mas pertence, de modo essencial, ao estar-lançado da presença [Dasein], que na disposição (do humor) se desvela dessa ou daquela maneira. O “saber” ou “não-saber” que, de fato, sempre vigora em cada presença [Dasein], a respeito do SER-PARA-O-FIM mais próprio, é apenas a expressão da possibilidade existenciária de se manter nesse modo de ser. Que, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, muitos de fato não sabem da morte, isso não pode ser aduzido como prova de que o ser-para-a-morte não pertença “de maneira geral” à presença [Dasein]. Isso apenas mostra que, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, a presença [Dasein] encobre para si mesma o ser-para-a-morte mais próprio em dele fugindo. É existindo que a presença [Dasein] morre de fato, embora, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, o faça no modo da decadência. Pois existir faticamente não é somente um poder-ser-lançado no mundo, genérico e indiferente, já sendo também um empenhar-se no “mundo” das ocupações. Nesse decadente ser-junto-a, anuncia-se a fuga da estranheza, isto significa, do ser-para-a-morte mais próprio. Existência, facticidade, decadência caracterizam o SER-PARA-O-FIM, constituindo, pois, o conceito existencial da morte. No tocante à sua possibilidade ontológica, o morrer funda-se na cura CH: mas a cura vige a partir da verdade do ser. STMSC §50

Pertencendo originária e essencialmente ao ser da presença [Dasein], o ser-para-a-morte deve também ser comprovado na cotidianidade embora numa primeira aproximação, de maneira imprópria. E caso o SER-PARA-O-FIM deva oferecer a possibilidade existencial para um ser-todo existenciário da presença [Dasein], ter-se-ia então aí a confirmação fenomenal da seguinte tese: cura designa, ontologicamente, a totalidade do todo estrutural da presença [Dasein]. A fim de legitimar fenomenalmente essa proposição não basta apenas um prelineamento do nexo entre ser-para-a-morte e cura. A proposição deve fazer- se visível, sobretudo na concreção mais imediata da presença [Dasein], a saber, em sua cotidianidade. STMSC §50

Tentação, tranquilização e alienação caracterizam, porém, o modo de ser da decadência. Decadente, o ser-para-a-morte cotidiano é uma insistente fuga dele mesmo. O SER-PARA-O-FIM possui o modo de um escape dele mesmo, que desvirtua, vela e compreende impropriamente. Que a própria presença [Dasein] sempre morre de fato, ou seja, que é num ser para o fim, esse fato fica velado porque transforma-se a morte num caso da morte dos outros, que ocorre todos os dias e que, de todo modo, nos assegura com mais evidência que “ainda se está vivo”. Com a fuga decadente da morte, porém, a cotidianidade da presença [Dasein] também atesta que o próprio impessoal, mesmo quando não está explicitamente “pensando na morte”, já está sempre se determinando como ser-para-a-morte. Também na cotidianidade mediana, o que está em jogo na presença [Dasein] é este poder-se mais próprio, irremissível e insuperável, conquanto seja apenas no modo da ocupação de uma indiferença imperturbável frente à possibilidade mais extrema de sua existência. STMSC §51

A exposição do ser-para-a-morte cotidiano também fornece uma indicação para se tentar assegurar o pleno conceito existencial do SER-PARA-O-FIM, mediante uma interpretação mais aprofundada do ser-para-a-morte na decadência, que aparece como escape de si e da morte. No isso de que se foge, já mostrado com suficiência fenomenal, deve ser possível projetar, fenomenologicamente, de que maneira a presença [Dasein], que tenta escapar, compreende ela mesma a sua morte. STMSC §51

Num prelineamento existencial, determinou-se o SER-PARA-O-FIM como o ser para o poder-ser mais próprio, irremissível e insuperável. O ser que existe para essa possibilidade coloca diante de si a pura e simples impossibilidade de existência. Além dessa caracterização aparentemente vazia do ser-para-a-morte, desvelou-se a concreção desse ser no modo da cotidianidade. Conforme a tendência essencial de decadência da cotidianidade, o ser-para-a-morte mostrou-se como escape encobridor da morte. Enquanto a investigação precedente passou do prelineamento formal   da estrutura ontológica da morte para a análise concreta do SER-PARA-O-FIM cotidiano, deve-se, agora, invertendo-se a direção, conquistar o pleno conceito existencial da morte mediante uma interpretação complementadora do SER-PARA-O-FIM cotidiano. STMSC §52

A presença [Dasein] cotidiana encobre, na maior parte das vezes, a possibilidade mais própria, irremissível e insuperável de seu ser. Essa tendência fática de encobrimento confirma a seguinte tese: como fática, a presença [Dasein] está na não-verdade. Em consequência, a certeza inerente ao encobrimento do ser-para-a-morte só pode ser um ter-por-verdadeiro inadequado, e não uma espécie de incerteza, no sentido de dúvida. A certeza inadequada mantém encoberto aquilo de que está certa. Se a compreensão “impessoal” da morte é a de um acontecimento que vem ao encontro dentro do mundo, então a certeza a ela relacionada não diz respeito ao SER-PARA-O-FIM. STMSC §52

Nessa determinação “crítica” da certeza da morte e de seu caráter impendente, revela-se numa primeira aproximação mais uma vez o seu desconhecimento a respeito do ser da presença [Dasein], característico da cotidianidade e do ser-para-a-morte que lhe pertence. A certeza “meramente” empírica da ocorrência do deixar de viver nada decide sobre a certeza da morte. Os casos de morte podem dar azo faticamente a que a presença [Dasein], de início, fique atenta para a morte. Permanecendo na certeza empírica, acima caracterizada, a presença [Dasein] não consegue, em absoluto, ter certeza da morte naquilo que ela “é”. Embora no impessoalmente público a presença [Dasein] aparentemente só “fale” dessa certeza “empírica” da morte, no fundo ela não se atém, nem exclusiva e nem primariamente, aos casos de morte recorrentes. Escapando de sua morte, o SER-PARA-O-FIM cotidiano tem outro tipo de certeza da morte daquele pretendido por uma reflexão puramente teórica. Esse “outro” esconde-se, na maior parte das vezes, na cotidianidade. Esta não ousa   aí fazer-se transparente. Com a disposição cotidiana caracterizada por um empenho “angustiado” nas ocupações e aparentemente sem angústia frente ao “fato” certo da morte, a cotidianidade admite uma certeza “superior” àquela meramente empírica. Sabe-se com certeza da morte e, no entanto, não se “está” propriamente certo dela. A cotidianidade decadente da presença [Dasein] conhece a certeza da morte mas escapa do estar-certo. Esse escape, no entanto, atesta fenomenalmente que a morte, aquilo de que se escapa, deve ser compreendida como a possibilidade mais própria, irremissível, insuperável, certa. STMSC §52

Pode a presença [Dasein] compreender também propriamente sua possibilidade mais própria, irremissível e insuperável, certa e, como tal, indeterminada, ou seja, pode ela se manter num ser-para-o-seu-fim em sentido próprio? Enquanto não se elaborar e determinar ontologicamente esse ser-para-a-morte em sentido próprio, a interpretação existencial do SER-PARA-O-FIM perpetuará uma falta essencial. STMSC §52

Fixou-se o conceito existencial da morte e, com ele, aquilo com que um SER-PARA-O-FIM em sentido próprio pode relacionar-se. Em seguida, caracterizou-se o ser-para-a-morte impróprio, delineando se, com isso, de modo proibitivo, como o ser-para-a-morte em sentido próprio não pode ser. Com essas referências positivas e proibitivas deve ser possível projetar a construção existencial de um ser-para-a-morte em sentido próprio. STMSC §53

Caracterizou-se a decisão como o projetar-se silencioso e pronto a angustiar-se para o ser e estar em dívida mais próprio. Este pertence ao ser da presença [Dasein] e significa o ser-fundamento nulo de um nada. A “dívida” inerente ao ser da presença [Dasein] não admite aumento e nem diminuição. Pois se acha antes de qualquer quantificação, caso esta possua de todo algum sentido. Essencialmente em dívida, a presença [Dasein] não pode de vez em quando estar em dívida e depois não mais. O querer-ter-consciência decide-se por esse ser e estar em dívida. No sentido próprio da decisão reside o projetar-se para esse ser e estar em dívida que a presença [Dasein] é enquanto é. O assumir existenciário dessa “dívida” na decisão só se realiza propriamente caso a decisão se torne, em sua abertura, tão transparente que compreenda o ser e estar em dívida como algo constante. Esse compreender, porém, só é possível porque a presença [Dasein] abre para si o poder-ser “até o fim”. Mas ser e estar-no-fim da presença [Dasein] diz, existencialmente, SER-PARA-O-FIM. A decisão só se torna propriamente aquilo que ela pode ser como SER-PARA-O-FIM que compreende, isto é, como antecipar da morte. A decisão não “possui” meramente um nexo com o antecipar no sentido de ser algo diferente dela. Ela abriga em si o ser-para-a-morte enquanto modalidade existenciariamente possível de sua própria propriedade. Cabe, pois, esclarecer, fenomenalmente, esse “nexo”. STMSC §62

A unidade dos momentos constitutivos da cura, existencialidade CH: existência: 1) para todo o ser da presença [Dasein]; 2) somente para o “compreender”, facticidade e decadência, possibilitou uma primeira delimitação ontológica da totalidade do todo estrutural da presença [Dasein]. A estrutura da cura chegou à seguinte fórmula existencial: anteceder-a-si-mesmo-em (um mundo) enquanto ser-junto-a (um ente intramundano que vem ao encontro). Embora articulada, a totalidade da estrutura da cura não resulta de um ajuntamento. Tivemos de avaliar esse resultado ontológico quanto à possibilidade de satisfazer as exigências de uma interpretação originária da presença [Dasein]. Da reflexão resultou que não se tematizou nem toda a presença [Dasein] e nem o seu poder-ser próprio. A tentativa de apreender fenomenalmente toda a presença [Dasein] pareceu fracassar justamente na estrutura da cura. O anteceder-a-si-mesmo apresentou-se como um ainda-não. Para uma consideração genuinamente existencial, o anteceder-a-si-mesmo desvelou-se como o que está pendente, mas no sentido de SER-PARA-O-FIM que, no fundo de seu ser, toda presença [Dasein] é. Também esclarecemos que, no apelo da consciência, a cura faz apelo à presença [Dasein] para o seu poder-ser mais próprio. Entendida originariamente, o compreender do apelo revelou-se como decisão antecipadora. Ele abriga em si um poder-ser todo da presença [Dasein] em sentido próprio. A estrutura da cura não fala contra um possível ser-todo mas é a condição de possibilidade desse poder-ser existenciário. No encaminhamento da análise, tornou-se claro que os fenômenos existenciais de morte, consciência e dívida estão ancorados no fenômeno da cura. A articulação da totalidade do todo estrutural é ainda mais rica e, por isso, torna também mais urgente a questão existencial da unidade dessa totalidade. STMSC §64

A cura é ser-para-a-morte. A decisão antecipadora foi determinada como ser próprio para a possibilidade característica da absoluta impossibilidade da presença [Dasein]. Nesse SER-PARA-O-FIM, a presença [Dasein] existe, total e propriamente, como o ente que pode ser “lançado na morte”. Ela não possui um fim em que ela simplesmente cessaria. Ela existe finitamente. Em sentido próprio, o porvir que temporaliza primariamente a temporalidade, que constitui o sentido da decisão antecipadora, desvela-se, portanto, como sendo em si mesmo finito. Mas “o tempo não continua” apesar de eu não mais estar presente? E muitas coisas não podem restar, ilimitadamente, no “futuro” e dele advir? STMSC §65

Embora não tenhamos visto até agora nenhuma possibilidade de um ponto de partida mais radical para a analítica existencial, levanta-se uma dúvida sobre o sentido ontológico da cotidianidade na discussão precedente: Será que, no que diz respeito ao seu ser-todo em sentido próprio, toda a presença [Dasein] foi de fato levada à posição prévia da analítica existencial? O questionamento referente à totalidade da presença [Dasein] pode até possuir uma precisão ontológica genuína. A própria questão pode, inclusive, ter encontrado a sua resposta no SER-PARA-O-FIM. A morte é, no entanto, apenas o “fim” da presença [Dasein] e, em sentido formal, apenas um dos fins que abrangem a totalidade da presença [Dasein]. O outro “fim” é o “começo”, o “nascimento”. Só o ente “entre” nascimento e morte torna presente o todo que se procura. Desta forma, ficou “unilateral” a orientação dada até aqui à analítica, apesar de tender para o ser-todo existente e de explicar, genuinamente, o ser-para-a-morte próprio e impróprio. A presença [Dasein] só se fez tema existindo, por assim dizer, “para frente”, deixando, com isso, “para trás” de si todo o ter sido. Não apenas se desconsiderou o ser para o começo mas, sobretudo, a ex-tensão da presença [Dasein] entre nascimento e morte. Na análise do ser-todo, passou-se por cima do “nexo da vida” em que a presença [Dasein], constantemente e de algum modo, se mantém. STMSC §72

Onde, porém, se funda esse nivelamento do tempo do mundo e encobrimento da temporalidade? No próprio ser da presença [Dasein] que, à guisa de preparação, interpretamos como cura. Lançada e decadente, a presença [Dasein] está, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, perdida nas ocupações. Nessa perdição anuncia-se, contudo, a fuga encobridora da presença [Dasein] de sua existência própria, já caracterizada como decisão antecipadora. Na fuga das ocupações reside a fuga da morte, ou seja, o desviar o olhar do fim do ser-no-mundo. Esse desviar o olhar de… é, em si mesmo, um modo de ser para o fim que, ekstaticamente, é porvir. Enquanto um desviar o olhar da finitude, a temporalidade imprópria da presença [Dasein] decadente e cotidiana deve desconhecer o porvir próprio e, assim, também a temporalidade em geral. É justamente quando o impessoal dirige a compreensão vulgar da presença [Dasein] que se consolida a “representação” da “infinitude” do tempo público, que se esquece de si. O impessoal nunca morre porque, sendo a morte sempre minha e apenas compreendida existenciariamente em sentido próprio na decisão antecipadora, o impessoal nunca pode morrer. Nunca morrendo e compreendendo equivocadamente o SER-PARA-O-FIM, o impessoal dá uma interpretação característica à fuga da morte. Até o fim, ele “sempre ainda tem tempo”. Aqui se anuncia um ter tempo, no sentido de poder-perder: “agora ainda isso, então isso, e só mais isso e então…” O que, aqui, se compreende não é a finitude do tempo. Ao contrário, a ocupação empenha-se em agarrar o máximo possível do tempo que ainda vem e “continua passando”. Publicamente, o tempo é algo que cada um sempre toma e pode tomar. A sequência nivelada dos agora permanece inteiramente desconhecida, no que respeita à sua proveniência da temporalidade da presença [Dasein] singular, na convivência cotidiana. Como isso poderia afetar “o tempo”, ao menos em seu curso, se já não existe um homem simplesmente dado “no tempo”? O tempo continua a passar da mesma forma que ele já “era” quando um homem “entrou para a vida”. Impessoalmente, apenas se conhece o tempo público que nivela e que pertence a todo mundo, isto é, a ninguém. STMSC §81

Mas mesmo nessa pura sequência de agora que passa em si, o tempo originário ainda se revela através de todo nivelamento e encobrimento. A interpretação vulgar determina o fluxo temporal   como a série irreversível de um após outro. Por que o tempo não se reverte? Em si mesmo e justamente quando se encara a sequência dos agora, não se pode perceber por que a sequência dos agora não poderia reaparecer na direção inversa. A irreversibilidade se funda no tempo público oriundo da temporalidade, cuja temporalização, sendo primordialmente porvir, “vai”, ekstaticamente, até seu fim, de tal maneira que ela já “é” SER-PARA-O-FIM. STMSC §81