Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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sentimento e paixão

quarta-feira 13 de dezembro de 2023

Gefühl   und Leidenschaft  

Não obstante, Nietzsche   precisa dizer então reiteradamente o que é a vontade. Ele diz, por exemplo: a vontade é um “afeto”, a vontade é uma “paixão”, a vontade é um “sentimento”, a vontade é um “comando”. A caracterização da vontade como “afeto” e como coisas do gênero não fala, porém, a partir do âmbito da alma e dos estados anímicos? Afeto, paixão, sentimento e comando não são algo a cada vez diverso? Isso que é aqui aduzido para o esclarecimento da essência da vontade não precisa estar ele mesmo antes suficientemente claro? Ora, mas o que é mais obscuro do que a essência do afeto, da paixão e da diferença entre os dois? Como é que a vontade pode ser tudo isso ao mesmo tempo? É difícil suplantar essas questões e reservas ante a interpretação nietzschiana da essência da vontade. E, no entanto, elas talvez não toquem o que é efetivamente decisivo. Nietzsche mesmo acentua: “O querer parece-me antes de tudo algo complicado, algo que só é unidade como palavra – e justamente em uma palavra se esconde o preconceito popular, que se assenhorou do cuidado sempre muito diminuto dos filósofos” (Para além do bem e do mal, VII, 28). Nietzsche fala aqui antes de tudo contra Schopenhauer  . De acordo com a opinião   schopenhaueriana, a vontade é a coisa mais simples e mais conhecida do mundo. [GA6MAC:30]


Em que medida a vontade de poder é a forma originária de afeto, ou seja, em que medida ela é aquilo que constitui absolutamente o ser do afeto? O que é um afeto? Nietzsche não dá quanto a isso nenhuma resposta clara e exata, assim como não responde à pergunta sobre o que é uma paixão e o que é um sentimento. A resposta dada por ele (“configurações” da vontade de poder) não nos leva imediatamente adiante, mas nos coloca diante de uma tarefa: procurar vislumbrar pela primeira vez a partir do que é conhecido como afeto, paixão e sentimento aquilo que caracteriza a essência da vontade de poder. Por meio daí resultam determinados caracteres que são apropriados para tornar mais clara e mais rica a delimitação do conceito essencial de vontade até aqui. Nós mesmos precisamos levar a cabo esse trabalho. No entanto, as perguntas (o que é afeto, paixão e sentimento?) permanecem sem solução. O próprio Nietzsche chega mesmo, frequentemente, a equipar essas três questões e segue, com isso, o modo habitual de representação ainda hoje vigente. Com essas três noções, que podem ser indiscriminadamente substituídas umas pelas outras, [35] circunscreve-se o assim chamado lado não racional da vida psíquica. Tal asserção pode ser suficiente para a representação habitual, mas não é certamente suficiente para um saber verdadeiro, nem tampouco para um saber que está empenhado em determinar o ser do ente. Todavia, isso não significa que o que temos de fazer é aprimorar as explicações “psicológicas” correntes acerca dos afetos, das paixões e do sentimento. Precisamos perceber, antes de mais nada, que não se trata aqui nem de psicologia em termos gerais, nem tampouco de uma psicologia alicerçada por meio da fisiologia e da biologia, mas, sim, de modos fundamentais sobre os quais repousa o ser-aí humano, de modos fundamentais como o homem confronta o “aí”, a abertura e o velamento do ente no interior do qual ele se encontra. [GA6MAC:34-35]
Ao invés de afeto e de paixão também se diz “sentimento”, quando não mesmo “sensação”. Ou, onde os afetos e as paixões são diferenciados, é comum tomá-los conjuntamente sob o conceito genérico de “sentimento”. Quando empregamos hoje o termo “sentimento” para designar uma paixão, então isso nos chega como um enfraquecimento. Pois achamos que uma paixão não é um sentimento. Se nos impedimos, em contrapartida, de denominar as paixões sentimentos, então isso ainda não demonstra que temos um conceito mais elevado da essência da paixão; pode ser apenas um sinal de que fazemos uso de um conceito demasiado baixo da essência do sentimento. Assim o é de fato. No entanto, poderia parecer que o que está em questão aqui é simplesmente a denominação e o emprego correto das palavras. Todavia, a coisa mesma está sendo questionada aqui; ou seja, o que procuramos saber é: 1. se o que foi indicado como a essência do afeto e como a essência da paixão apresenta uma conexão essencial originária entre si, e 2. se essa conexão originária entre ambos pode ser verdadeiramente concebida por meio de uma simples apreensão do que denominamos “sentimento”.

O próprio Nietzsche não se envergonha de tomar o querer simplesmente como sentimento: “Querer: um sentimento que compele, muito agradável! Ele é o epifenômeno de todo efluxo de força” (XIII, 159). Querer – um sentimento de prazer? “Prazer é apenas um sintoma do sentimento do poder alcançado, uma consciência da diferença – (- ele [o vivente] aspira ao prazer: mas o prazer entra em cena quando ele alcança isso a que aspira: o prazer acompanha, o prazer não mobiliza)” (688). De acordo com isso, a vontade é, então, apenas um “epifenômeno” do efluxo de força, um sentimento de prazer que acompanha? Como isso se coaduna com o que foi dito no todo sobre a essência da vontade, e, em particular, a partir da comparação com o afeto e com a paixão? Lá a vontade veio à tona como o que suporta e domina propriamente, como equivalente ao próprio assenhorear-se; agora ela precisa ser rebaixada ao nível de um sentimento de prazer que simplesmente acompanha algo diverso? [GA6MAC:39]