Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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matemático

quarta-feira 13 de dezembro de 2023

O que é que acontece com o «MATEMÁTICO», dado que ele não deve ser compreendido a partir da matemática? Quando se trata de questões deste gênero, fazemos bem em deter-nos nas palavras. Na verdade, nem sempre a coisa se encontra aí onde está a palavra. Mas, no que diz respeito aos Gregos, dos quais a palavra deriva, devemos estabelecer, sem perigo, o pressuposto de que é o contrário que acontece. O «MATEMÁTICO», segundo a origem etimológica, resulta do grego ta mathemata  , o que se pode aprender e, ao mesmo tempo, em consequência, o que se pode ensinar; manthanein significa aprender. mathesis   significa lição e, na verdade, num duplo sentido: lição no sentido de «ir a uma lição e aprender» e lição como «aquilo que é ensinado». Ensinar e aprender são aqui tomados num sentido lato e, ao mesmo tempo, essencial, não no sentido restrito tardio, utilizado na escola e pelos doutos. Realçar isto não é ainda suficiente para conceber o sentido próprio do «MATEMÁTICO». Além disso, é necessário examinar em que contexto amplo os gregos inseriam o MATEMÁTICO e de que é que o distinguiam.

O que é, em sentido próprio, o «MATEMÁTICO», experimentamo-lo quando temos em atenção onde os Gregos o registavam e, no interior desse registo, em relação a que é que o delimitavam. Eles atribuíam ao MATEMÁTICO, ta mathemata, todas as seguintes determinações.

1) ta physika  , as coisas, na medida em que elas se abrem e se produzem por si mesmas; 2) ta poioumena, as coisas, na medida em que são produzidas pela mão do homem, pelo seu trabalho, e, deste modo, estão diante de nós; 3) ta chremata, as coisas, na medida em que estão a uso e se encontram permanentemente disponíveis; podendo ser, ou physika, pedras ou coisas semelhantes, ou poioumena, as que são expressamente produzidas; 4) ta pragmata  , as coisas, na medida em que são, em geral, aquelas com que estabelecemos um comércio, seja porque trabalhamos com elas, as utilizamos, as transformamos, ou, apenas, as observamos e investigamos — pragmata, relacionado com praxis  ; tomada aqui em sentido lato, não no sentido restrito de aplicação prática (cf. kresthai), nem no sentido de praxis como ação, entendida como ação moral  ; praxis é todo o fazer, exercitar e suportar, o que inclui também a poiesis  ; e, finalmente, 5) ta mathemata. De acordo com as quatro já mencionadas caracterizações que até agora percorremos, devemos também, a propósito de mathemata, dizer; as coisas, na medida em que…; a questão é: em que medida?

Em qualquer caso, observamos o seguinte: o MATEMÁTICO diz respeito às coisas, numa determinada perspectiva. Movemo-nos, com a questão acerca do MATEMÁTICO, no interior da nossa questão diretriz: «que é uma coisa?» Em que perspectiva se tomam as coisas, quando elas são vistas e abordadas matematicamente?

Estamos há muito habituados a pensar nos números, a propósito do MATEMÁTICO. O MATEMÁTICO e os números estão, manifestamente, em conexão. Permanece a questão de sabe se essa conexão reside no fato de o MATEMÁTICO ser qualquer coisa de numérico ou, pelo contrário, se o que diz respeito aos números é qualquer coisa de MATEMÁTICO. Passa-se o segundo caso. Mas, na medida em que os números estão, deste modo, em conexão com o MATEMÁTICO, deve perguntar-se por que motivo valem os números, justamente, como qualquer coisa de MATEMÁTICO. Que é o próprio MATEMÁTICO de modo a que uma coisa do gênero dos números deva ser concebida como o MATEMÁTICO e apresentada predominantemente como o MATEMÁTICO? mathesis significa aprender; mathemata, o que se pode aprender. De acordo com o que foi dito, as coisas são visadas com esta designação, na medida em que se podem aprender. [GA41  ]


A nossa expressão «o MATEMÁTICO» tem sempre dois sentidos: significa, em primeiro lugar, o que se pode aprender do modo já referido e somente desse modo; em segundo lugar, o modo do próprio aprender e do proceder. O MATEMÁTICO é aquilo que há de manifesto nas coisas, em que sempre nos movimentamos e de acordo com o qual as experimentamos como coisas e como coisas de tal gênero. O MATEMÁTICO é a posição-de-fundo em relação às coisas na qual as coisas se nos pro-põem, a partir do modo como já nos foram dadas, têm de ser dadas e devem ser dadas. O MATEMÁTICO é, portanto, o pressuposto fundamental do saber acerca das coisas.

Por isso, colocou Platão à entrada da sua Academia, a seguinte frase: «Ninguém pode ter aqui entrada, senão tiver compreendido o MATEMÁTICO.» Esta frase não significa tanto, nem em primeiro lugar, que uma pessoa deve estar formada numa disciplina chamada «geometria», mas que compreende que as condições-de-fundo para o poder-saber adequado e para o saber são o saber dos pressupostos fundamentais de todo o saber e da atitude suportada por um tal saber. Um saber que não estabelece o seu fundamento de acordo com a sua essência e que, ao fazê-lo, não se limita a si mesmo, não é um saber, mas apenas um opinar. O MATEMÁTICO, no sentido originário do aprender-a-conhecer aquilo que já se conhece, é o pressuposto fundamental do trabalho «acadêmico». Por isso, esta frase, posta à entrada da Academia, contém nada mais nada menos que uma rigorosa condição de trabalho e uma clara delimitação do trabalho. Ambos tiveram por consequência que nós, ainda hoje, dois mil anos mais tarde, não o realizamos totalmente, nem o conseguiremos fazer enquanto não nos tomarmos a sério.

Esta pequena reflexão acerca da essência do MATEMÁTICO foi provocada pela afirmação de que o traço fundamental da ciência moderna é o MATEMÁTICO. De acordo com o que foi dito, isto não pode significar que, nesta ciência, se trabalha com a matemática, mas que nela se pergunta de tal modo que, em consequência disso, a matemática em sentido restrito tem de se pôr em jogo.

Com isto, trata-se agora de indicar que e em que medida o traço fundamental do saber moderno é MATEMÁTICO em sentido rigoroso. Com uma tal perspectiva, procuramos seguir, nos seus traços dominantes, uma etapa essencial da ciência moderna. Ao fazê-lo, deve tornar-se compreensível em que é que consiste o MATEMÁTICO e como é que ele pode, dessa forma, desdobrar a sua essência, mas, também, como é que se consolida numa determinada direção. [GA41]