Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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analítica existencial

quarta-feira 13 de dezembro de 2023

existenziale Analytik  

A presença [Dasein  ] sempre se compreende a si mesma a partir de sua existência, de uma possibilidade própria de ser ou não ser ela mesma. Essas possibilidades a própria presença [Dasein] as escolheu, mergulhou nelas ou ali simplesmente cresceu. No modo de assumir-se ou perder-se, a existência só se decide a partir de cada presença [Dasein] em si mesma. A questão da existência só poderá ser esclarecida sempre pelo próprio existir. A compreensão de si mesma que assim se perfaz, nós a chamamos de compreensão existenciária . A questão da existência é um “assunto” ôntico da presença [Dasein]. Para isso não é necessária a transparência teórica da estrutura ontológica da existência. A questão acerca dessa estrutura pretende desdobrar e discutir o que constitui [NH: em todo caso, de modo algum uma filosofia existencial] a existência. Chamamos de existencialidade o conjunto dessas estruturas. A análise da existencialidade [48] não possui o caráter de uma compreensão existenciária e sim de uma compreensão existencial . Em sua possibilidade e necessidade, a tarefa de uma ANALÍTICA EXISTENCIAL da presença [Dasein] já se acha prelineada na constituição ôntica da presença [Dasein]. STMSCC: §4

É por isso que se deve procurar, na ANALÍTICA EXISTENCIAL da presença [Dasein], a ontologia fundamental de onde todas as demais podem originar-se. STMSCC: §4

A ANALÍTICA EXISTENCIAL, por sua vez, possui, em última instância, raízes existenciárias, isto é, ônticas. Só existe a possibilidade de uma abertura da existencialidade da existência, e com isso a possibilidade de se captar qualquer problemática ontológica suficientemente fundamentada, caso se assuma existenciariamente o próprio questionamento da investigação filosófica como uma possibilidade de ser da presença [Dasein], sempre existente. Assim esclarece-se também o primado ôntico da questão do ser. STMSCC: §4

Já se indicou, na introdução, que a ANALÍTICA EXISTENCIAL da presença [Dasein] mobiliza igualmente uma tarefa, cuja urgência não é menor que a da própria questão do ser, a saber, a liberação do à priori, que se deve fazer visível, a fim de possibilitar a discussão filosófica da questão “o que é o homem”. A ANALÍTICA EXISTENCIAL da presença [Dasein] está antes de toda psicologia, antropologia e, sobretudo, biologia. A delimitação frente a essas possíveis investigações da presença [Dasein] pode tornar ainda mais preciso o tema da analítica. E a necessidade da analítica deixa-se então comprovar de maneira ainda mais penetrante e profunda. STMSCC: §9

Depois de se ter delineado positivamente o tema de uma investigação, é sempre importante caracterizar negativamente seu propósito, embora discussões sobre o que não deve acontecer se tornem, muitas vezes, infrutíferas e estéreis. O que se deve mostrar é somente que os questionamentos e [NH: elas não visam em absoluto à presença [Dasein]] até hoje desenvolvidos a sobre a presença [Dasein] não alcançam o problema propriamente filosófico, apesar de todos os resultados objetivos alcançados. Enquanto apresentarem essa deficiência, não poderão pretender alcançar o que, no fundo, visam. As delimitações da ANALÍTICA EXISTENCIAL face à antropologia, psicologia e biologia referem-se somente à questão ontológica de princípio. “Do ponto de vista epistemológico”, essas investigações são necessariamente insuficientes simplesmente porque a estrutura de ciência destas disciplinas – o que nada tem a ver com a “cientificidade” daqueles que trabalham para o seu desenvolvimento – tornou-se [89] cada vez mais questionável. Por isso, são necessários novos impulsos, oriundos de uma problemática ontológica. STMSCC: §10

Orientando-se historicamente, o propósito da ANALÍTICA EXISTENCIAL pode ser esclarecido da seguinte maneira: Descartes  , a quem se atribui a descoberta do cogito   sum, como ponto de partida básico do questionamento filosófico moderno, só investiga o cogitare do ego   dentro de certos limites. Deixa totalmente indiscutido o sum, embora o sum seja proposto de maneira tão originária quanto o cogito. A analítica coloca a questão ontológica a respeito do ser do sum. Pois somente depois de se determinar o seu ser é que se pode apreender o modo de ser das cogitationes. STMSCC: §10

§11. A ANALÍTICA EXISTENCIAL e a interpretação da presença [Dasein] primitiva. As dificuldades para se obter um “conceito natural de mundo” STMSCC: §11

Por mais fácil que seja a delimitação formal   da problemática ontológica face às pesquisas ônticas, a execução e, sobretudo, o ponto de partida de uma ANALÍTICA EXISTENCIAL da presença [Dasein] não está desprovida de dificuldades. Em sua tarefa, inclui-se uma exigência, que de há muito inquieta a [NH: absolutamente! Pois o conceito de mundo não foi de modo algum concebido] filosofia, embora as tentativas de satisfazê-la sempre tenham fracassado: a saber, elaborar a ideia de um “conceito natural de mundo”. A abundância de conhecimentos [96] disponíveis das culturas e formas de presença [Dasein] mais diversas e mais distantes parece favorecer o desenvolvimento frutífero dessa tarefa. No entanto, isto é apenas uma aparência. No fundo, tal acúmulo de conhecimento leva apenas a se desconhecer o problema propriamente dito. A comparação sincrética de tudo com tudo e a redução de tudo a tipos ainda não garante de per si um conhecimento autêntico da essência. A possibilidade de se dominar a multiplicidade variada dos fenômenos num quadro de conjunto não assegura uma compreensão real do que é assim ordenado. O princípio autêntico de ordenamento tem seu próprio conteúdo que nunca poderá ser encontrado pelo ordenamento, já que este já o pressupõe. Assim, para o ordenamento das concepções de mundo, faz-se necessária uma ideia explícita de mundo em geral. E, no caso de “mundo” já ser em si mesmo um constitutivo da presença [Dasein], a elaboração conceitual do fenômeno do mundo requer uma visão penetrante das estruturas básicas da presença [Dasein]. STMSCC: §11

No contexto de uma ANALÍTICA EXISTENCIAL da presença [Dasein] fática, levanta-se a questão se este modo de doação do eu propicia uma abertura qualquer para a cotidianidade da presença [Dasein]. Será mesmo a priori   evidente que o acesso à presença [Dasein] deve ser proporcionado por uma reflexão simplesmente receptiva sobre o eu dos atos? E se este modo de “autodoação” da presença [Dasein] fosse, para a ANALÍTICA EXISTENCIAL, uma tentação fundada no ser da própria presença [Dasein]? Ao se referir diretamente a si mesma, talvez a presença [Dasein] sempre diga: eu sou, e o faz também em alto e bom tom quando ela “não” é esse ente. E se a constituição de ser sempre minha da presença [Dasein] fosse uma razão para ela, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, não ser ela mesma? E se, partindo do dado do eu, a ANALÍTICA EXISTENCIAL caísse, por assim dizer, nas tramas da própria presença [Dasein] e de sua auto-interpretação mais corriqueira? E se tivesse de resultar que o horizonte ontológico de toda determinação daquilo que é acessível numa simples doação ficasse, em princípio, indeterminado? [171] Do ponto de vista ôntico, sempre se pode dizer com razão que “eu” sou este ente. No entanto, a analítica ontológica que utiliza este tipo de afirmação deve fazê-lo com reservas de princípio. O “eu” só pode ser entendido no sentido de uma indicação formal não constringente de algo que, em cada contexto ontológico-fenomenal, pode talvez se revelar como o “seu contrário”. Nesse caso, o “não-eu” não diz, de forma alguma, um ente em sua essência desprovido de “eu”, mas indica um determinado modo de ser do próprio “eu” como, por exemplo, a perda de si mesmo [NH: ou justamente também ser autenticamente próprio em oposição à egoidade indigente]. STMSCC: §25

Será então que a resposta da ANALÍTICA EXISTENCIAL à pergunta quem não dispõe de nenhum fio condutor? De forma nenhuma. Na verdade, das indicações formais dadas (§9 e 12) a respeito da constituição de ser da presença [Dasein], a que funciona como fio condutor não é tanto aquela discutida até aqui, mas, sobretudo, a de que a “essência” da presença [Dasein] está fundada em sua existência. Para que possa [172] ser uma constituição essencial da presença [Dasein], o “eu” deve ser interpretado existencialmente. Desse modo, a pergunta sobre o quem só pode ser respondida na demonstração fenomenal de um determinado modo de ser da presença [Dasein]. Se a presença [Dasein] só é ela mesma existindo, a consistência desse ser-si-mesmo assim como a sua possível “inconsistência” exigem uma colocação ontológico-existencial da questão, enquanto único acesso adequado à sua problemática. STMSCC: §25

Em sua fase preparatória, a ANALÍTICA EXISTENCIAL da presença [Dasein] tem como tema orientador a constituição fundamental desse ente, o ser-no-mundo. A sua meta mais imediata consiste em relevar fenomenalmente a estrutura unitária e originária do ser da presença [Dasein] que determina ontologicamente suas possibilidades e modos “de ser”. Até agora, a caracterização fenomenal do ser-no-mundo voltou-se para o momento estrutural mundo, no intuito de responder à questão quem deste ente em sua cotidianidade. Contudo, já nas primeiras caracterizações das tarefas de preparação para uma análise fundamental da presença [Dasein], adiantou-se uma orientação sobre o ser-em como tal, que se demonstrou concretamente no modo de conhecer o mundo. STMSCC: §28

A disposição é um modo existencial básico em que a presença [Dasein] é o seu pre [das Da  ]. Ontologicamente, ela não apenas caracteriza a presença [Dasein] como também é de grande importância metodológica para a ANALÍTICA EXISTENCIAL, devido a sua capacidade de abertura. Esta possibilita, ademais, como toda interpretação ontológica, a se escutar, por assim dizer, o ser dos entes que antes já se abriram. Nesse sentido, deverá ater-se as possibilidades de abertura privilegiadas e mais abrangentes da presença [Dasein] para delas retirar a explicação desse ente. A interpretação fenomenológica deve oferecer para a própria presença [Dasein] a possibilidade de uma abertura originária e, ao mesmo tempo, da própria presença [Dasein] interpretar a si mesma. Ela apenas acompanha essa abertura para conceituar existencialmente o conteúdo fenomenal do que assim se abre. STMSCC: §29

O fenômeno da cópula mostra até que ponto esta problemática ontológica influi na interpretação do logos   e, inversamente, até que ponto o conceito de “juízo” repercute, numa reação curiosa, na problemática ontológica. Este “elo” revela, em primeiro lugar, que já de saída se pressupõe evidente a estrutura sintética, mantendo-a, então, numa função decisiva na interpretação do logos. Entretanto, caso as características formais de “relação” e “ligação” não possam contribuir em nada para o fenômeno da análise do conteúdo estrutural do logos, então o fenômeno da cópula, em última instância, nada tem a ver com elo e ligação. O “é” e sua interpretação, quer se exprima linguisticamente ou se indique nas desinências verbais, só entra no contexto dos problemas da ANALÍTICA EXISTENCIAL se os enunciados e a compreensão de ser forem em si mesmas possibilidades existenciais da própria presença [Dasein]. A elaboração da questão do ser (cf. parte I, seção III) vai encontrar-se, pois, novamente, dentro do logos com esse fenômeno ontológico característico. STMSCC: §33

Por enquanto, trata-se apenas de esclarecer, numa comprovação do caráter derivado do enunciado com referência ao compreender e à interpretação, que a “lógica” do logos se radica na ANALÍTICA EXISTENCIAL da presença [Dasein]. O conhecimento da interpretação do logos, embora insuficiente do ponto de vista ontológico, torna mais nítida a percepção da natureza não originária da base metodológica em que a antiga ontologia nasceu e cresceu. O logos é experimentado como algo simplesmente dado, é interpretado como [222] algo simplesmente dado, e o ente permanece em si mesmo indiferente e indiscriminado com relação a outras possibilidades de ser, a ponto de, com ele, o próprio ser se dissolver no sentido formal de alguma coisa, sem que se possa [NH: Husserl  ] estabelecer uma separação regional entre ambos. STMSCC: §33

Será possível apreender esse todo estrutural da cotidianidade da presença [Dasein] em sua totalidade? Será que o ser da presença [Dasein] se deixa explicitar numa unidade a ponto de, partindo-se dele, tornar compreensível a originariedade igualmente essencial das estruturas indicadas juntamente com as possibilidades de modificação existencial que lhe pertencem? No solo do ponto de partida da ANALÍTICA EXISTENCIAL existirá um caminho que alcance fenomenalmente esse ser? STMSCC: §39

A ANALÍTICA EXISTENCIAL da presença [Dasein] há de resguardar uma clareza de princípio sobre sua função ontológica fundamental. Por isso, a fim de cumprir a tarefa preliminar de explicitação do ser da presença [Dasein], ela deve buscar uma das possibilidades de abertura mais abrangentes e mais originárias dentro da própria presença [Dasein]. O modo de abertura em que a presença [Dasein] é colocada diante de si mesma deve ser tal que, nele, a presença [Dasein] se faça, de certo modo, acessível de maneira simplificada. Com o que nela se abre deve vir à luz, de forma elementar, a totalidade estrutural do ser que se procura. STMSCC: §39

Ainda mais raras do que o fato existenciário da angústia propriamente dita são as tentativas de interpretação desse fenômeno em sua constituição e função ontológico-existencial. As razões disso residem, em parte, no desprezo pela análise existencial da presença [Dasein] em geral e, em particular, na desconsideração do fenômeno da disposição. No entanto, que o fenômeno da angústia mostre-se raro, isso não é capaz de retirar a inclinação de assumir uma função metodológica de princípio para a ANALÍTICA EXISTENCIAL. Ao contrário, a raridade do fenômeno é um indício de que, em sua propriedade, a presença [Dasein] permanece encoberta para si mesma em vista da interpretação pública do impessoal e que, nessa disposição fundamental, abre-se para um sentido originário. STMSCC: §40

A interpretação ontológica da presença [Dasein] trouxe para o conceito existencial de cura a interpretação pré-ontológica que esse ente se deu como “cura”. A analítica da presença [Dasein], porém, não visa a uma fundamentação ontológica da antropologia. Ela tem por fim uma ontologia fundamental. Esta é que determinou, embora implicitamente, o curso das observações feitas até aqui, a escolha dos fenômenos e os limites de penetração da análise. No tocante à questão guia sobre o sentido de ser e sua elaboração, a investigação deve agora assegurar expressamente o que foi conquistado. Isso, contudo, não pode ser alcançado através de um resumo exterior do que se, discutiu. Ao contrário, com a ajuda do que se obteve, deve-se acirrar ao máximo a compreensão mais profunda do problema que, no início da ANALÍTICA EXISTENCIAL, foi apenas indicado em linhas gerais. STMSCC: §42

No cumprimento das tarefas preparatórias da ANALÍTICA EXISTENCIAL da presença [Dasein] surgiu a interpretação do compreender, do sentido [268] e da interpretação. A análise da abertura da presença [Dasein] mostrou, além disso, que, nessa abertura e de acordo com a sua constituição fundamental de ser-no-mundo, a presença [Dasein] desvela-se, de modo igualmente originário, no tocante ao mundo, ao ser-em e ao ser-si-mesmo. Na abertura fática do mundo descobre-se ainda também o ente intramundano. Isso significa: o ser desse ente já é sempre de certo modo conhecido, embora não concebido ontologicamente de maneira adequada. A compreensão pré-ontológica de ser abrange, de certo, todo ente que se abriu na presença [Dasein] de modo essencial, apesar da compreensão de ser em si mesma ainda não conseguir se articular no mesmo grau com os diferentes modos de ser. STMSCC: §43

Essas investigações, que precedem uma possível questão ontológica sobre a realidade, já foram desenvolvidas na ANALÍTICA EXISTENCIAL precedente. Nela, o conhecimento mostrou o modo derivado de acesso ao real. Em sua essência, o real só se torna acessível como ente intramundano. Todo acesso aos entes intramundanos funda-se, ontologicamente, na constituição fundamental da presença [Dasein], ou seja, no ser-no-mundo. Este, por sua vez, encontra a sua constituição de ser mais originária na cura (anteceder-a-si-mesma-no-ja-ser-em-um-mundo-como-ser-junto-a- entes-intramundanos). STMSCC: §43

Na investigação precedente, não se pode discutir amplamente a variedade de tentativas de solucionar o “problema da realidade”, formada pelas diferentes espécies de realismo e idealismo e de suas [275] mediações. Por mais que, em todas essas espécies, se possa encontrar um germe de questionamento autêntico, seria absurdo pretender solucionar o problema somando tudo o que é correto em cada um. Ao contrário, é preciso que se compreenda fundamentalmente que as diversas direções epistemológicas não são deficientes quanto à epistemologia, mas que, devido ao descaso da ANALÍTICA EXISTENCIAL da presença [Dasein], elas não podem absolutamente conquistar o solo para uma problemática segura de suas bases. Esse solo também não pode ser conquistado através de melhorias fenomenológicas posteriores dos conceitos de sujeito e consciência (Bewusstsein  ) [NH: salto para dentro da presença [Dasein]]. Pois, com isso, não se pode ainda garantir que a colocação da questão se faça adequadamente. STMSCC: §43

A discussão das pressuposições implícitas nas tentativas meramente “epistemológicas” de solucionar o problema da realidade [277] mostra que esse problema deve ser retomado como problema ontológico na ANALÍTICA EXISTENCIAL da presença [Dasein]. STMSCC: §43

Caso o “cogito sum” deva servir como ponto de partida da ANALÍTICA EXISTENCIAL da presença [Dasein], então é preciso não apenas revertê-lo mas reconfirmar, de modo ontológico-fenomenal, o seu conteúdo. O primeiro enunciado seria: “sum” no sentido de eu-sou-em-um-mundo. [280] Sendo assim, “eu sou” na possibilidade de ser para diferentes atitudes (cogitationes) enquanto modos de ser junto ao ente intramundano. Descartes diz ao invés: cogitationes são simplesmente dadas e, nelas, também um ego como res cogitam desmundanizada é simplesmente dado. STMSCC: §43

Que não se possa conceber o ente, dotado do modo de ser da presença [Dasein], a partir de realidade e substancialidade, isso exprimimos com a seguinte tese: a substância do homem é a existência. A interpretação da existencialidade como cura e a sua delimitação frente à realidade não significam, porém, o fim da ANALÍTICA EXISTENCIAL. Ao contrário, permitem apenas que os imbricamentos problemáticos com a questão do ser e seus possíveis modos, assim como o sentido de tais modificações, possam emergir de maneira ainda mais aguda: o ente como ente só é acessível se uma compreensão de ser se dá; a compreensão de ser como ente só é possível se o ente possui o modo de ser da presença [Dasein]. STMSCC: §43

4. A decadência pertence à constituição de ser da presença [Dasein]. Numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, a presença [Dasein] se perdeu em seu “mundo”. Enquanto projeto para as possibilidades de ser, o compreender aí já se inseriu. Empenhar-se no impessoal significa o predomínio da interpretação pública. O que se descobre e se abre instala-se nos modos de distorção e fechamento através da falação, da curiosidade e da ambiguidade. O ser para os entes não desaparece, desenraiza-se. O ente não se encobre por [292] completo, ele se descobre no momento em que se distorce; ele se mostra – mas segundo o modo da aparência. Ao mesmo tempo, o que já se tinha descoberto volta a afundar na distorção e no velamento. Em sua constituição de ser, a presença [Dasein] é e está na “não-verdade” porque é, em sua essência, decadente. Assim como a expressão “decadência”, o termo “não-verdade” é usado aqui em seu sentido ontológico. Na ANALÍTICA EXISTENCIAL, deve-se afastar de seu uso toda e qualquer “valoração” onticamente negativa. Fechamento e encobrimento pertencem à facticidade da presença [Dasein]. Do ponto de vista ontológico-existencial, o sentido completo da sentença: “a presença [Dasein] é e está na verdade” também inclui, de modo igualmente originário, que a “presença [Dasein] é e está na não-verdade”. Todavia, somente na medida em que a presença [Dasein] se abre é que ela também se fecha; e somente na medida em que, com a presença [Dasein], já sempre se descobriram os entes intramundanos é que eles, enquanto encontro possível dentro do mundo, já se velaram (encobriram) e distorceram. STMSCC: §44

Será que devemos considerar a caracterização ontológica da presença [Dasein] enquanto cura como uma interpretação originária desse ente? Sob que parâmetro se deve avaliar a ANALÍTICA EXISTENCIAL da presença [Dasein] no tocante à sua originariedade e não-originariedade? Mas o que significa originariedade de uma interpretação ontológica? STMSCC: §45

Graças à demonstração de um poder-ser-todo em sentido próprio da presença [Dasein], a ANALÍTICA EXISTENCIAL se assegura da constituição ontológica originária da presença [Dasein]. Por outro lado, esse poder-ser-todo em sentido próprio revela-se, ao mesmo tempo, como modo da cura. Com isso, assegura-se também, de modo suficiente, o solo fenomenal para uma interpretação originária do sentido ontológico da presença [Dasein]. STMSCC: §45

A interpretação existencial da morte precede toda biologia ou ontologia da vida. É ela que fundamenta qualquer investigação histórico-biográfica e psico-etnológica da morte. Uma “tipologia” do “morrer”, entendida como caracterização dos estados e dos modos em que se “vivência” esse deixar de viver, já pressupõe o conceito de morte. Ademais, uma psicologia do “morrer” acaba fornecendo mais soluções sobre a “vida” “dos que morrem” do que propriamente sobre o morrer. Isso apenas reflete que a presença [Dasein] não morre simplesmente ou até propriamente numa vivência do fato de deixar de viver. De igual modo, as apreensões acerca da morte junto aos primitivos e de seus comportamentos diante dela na magia e no culto esclarecem, primeiramente, a compreensão da presença [Dasein], cuja interpretação já reclama uma ANALÍTICA EXISTENCIAL e um conceito correspondente da morte. STMSCC: §49

Um método autêntico funda-se numa visão prévia adequada da constituição fundamental e do âmbito do “objeto” a se abrir. Uma reflexão autêntica sobre o método – que se deve distinguir de discussões técnicas vazias – esclarece, ao mesmo tempo, o modo de a ser desse ente [NH: separar método científico do procedimento do pensamento] tematizado. Apenas o esclarecimento das possibilidades, exigências e limitações metodológicas da ANALÍTICA EXISTENCIAL é que poderá assegurar a transparência necessária conforme o passo fundamental, qual seja, o desvelamento do sentido ontológico da cura. A interpretação do sentido ontológico da cura, no entanto, deve cumprir-se com base na atualização fenomenológica plena e insistente da constituição existencial da presença [Dasein] apresentada até aqui. STMSCC: §61

É comprovando-se que, no fundo, todas as estruturas fundamentais da presença [Dasein] até aqui expostas devem ser concebidas “temporalmente” e como modos da temporalização da temporalidade em sua possível totalidade, unidade e desdobramento, que se pode assegurar o fenômeno originário da temporalidade. Com a liberação da temporalidade, emerge para a ANALÍTICA EXISTENCIAL a tarefa de retomar a análise já realizada da presença [Dasein] no sentido de uma interpretação das estruturas essenciais em sua temporalidade. As linhas-mestras das análises assim exigidas são traçadas pela própria temporalidade. O presente capítulo obedece à seguinte divisão: o poder-ser todo, em sentido existenciário e próprio, da presença [Dasein] enquanto decisão antecipadora (§62); a situação hermenêutica adquirida para uma interpretação do sentido ontológico da cura e o caráter metodológico da ANALÍTICA EXISTENCIAL (§63); cura e si-mesmo (§64); a temporalidade como sentido ontológico da cura (§65); a temporalidade da presença [Dasein] e as tarefas daí decorrentes de uma retomada mais originária da análise existencial (§66). STMSCC: §61

§63. A situação hermenêutica adquirida para uma interpretação do sentido ontológico da cura e o caráter metodológico da ANALÍTICA EXISTENCIAL STMSCC: §63

O modo de ser da presença [Dasein] exige, portanto, de uma interpretação ontológica, isto é, daquela que se pôs como meta a originariedade da demonstração fenomenal, que essa interpretação conquiste o ser desse ente contra sua tendência própria de encobrimento. É por isso que, para as pretensões de auto-suficiência e evidência tranquila inerentes à interpretação cotidiana, a análise existencial guarda sempre um caráter de violência. Esse caráter distingue, de maneira especial, a ontologia da presença [Dasein], embora seja próprio de toda interpretação, visto que o compreender que nela se constrói tem a estrutura de projeto. Mas para tanto não se dá sempre uma orientação e regras próprias? De onde os projetos ontológicos devem retirar a evidência da adequação fenomenal a seus “achados”? A interpretação ontológica projeta o ente preliminarmente dado em seu próprio ser, de modo a chegar ao conceito de sua estrutura. Onde o caminho encontra as indicações para direcionar o projeto de maneira a alcançar o ser? E se, em seu modo de ser, até o ente temático velar o seu próprio ser para a ANALÍTICA EXISTENCIAL? A resposta a essas questões deve limitar-se, inicialmente, ao esclarecimento, por elas exigido, da analítica da presença [Dasein]. STMSCC: §63

Sem dúvida, já na análise da estrutura do compreender mostrou-se que a deficiência constatada na expressão inadequada de “círculo” pertence à essência e à especificidade do próprio compreender. No entanto, a investigação deve retomar agora, explicitamente, o “argumento do círculo”, no tocante ao esclarecimento da situação hermenêutica da problemática ontológico-fundamental. A “objeção do círculo”, levantada contra a interpretação existencial, quer dizer: a ideia de existência e a ideia de ser são “pressupostas” e “segundo elas” interpreta-se a presença [Dasein] para então se conquistar a ideia de ser. Mas o que significa “pressupor”? Será que com a ideia de existência se estabelece, de início, uma sentença a partir da qual se deduz, mediante regras formais de consequência, outras sentenças sobre o ser da presença [Dasein]? Ou será que esse pré-supor possui o caráter de um projeto que compreende? Nesse caso, a interpretação formada no compreender daria a palavra ao que se deve interpretar para que ele mesmo decida como este ente fornece a constituição de ser, em virtude da qual se abriu no projeto de maneira formalmente indicativa? Será que no que concerne a seu ser, algum ente pode vir à palavra de outra maneira? Na comprovação de alguma coisa, a ANALÍTICA EXISTENCIAL jamais pode “evitar” um “círculo” porque ela não faz, de modo algum, comprovações segundo [398] as regras da “lógica de consequência”. Para pretensamente satisfazer o máximo rigor de uma investigação científica e evitar o “círculo”, a compreensibilidade coloca de lado nada menos do que a estrutura fundamental da cura. Originariamente constituída pela cura, a presença [Dasein] já sempre antecede-a-si-mesma. Sendo, ela sempre já se projetou para determinadas possibilidades de sua existência, projetando também, de forma pré-ontológica nesses projetos existenciários, a existência e o ser. Pode-se então recusar esse projetar-se essencial da presença [Dasein] à pesquisa que, sendo, como toda pesquisa, um modo de ser da abertura da presença [Dasein], quer elaborar e conceituar a compreensão de ser constitutiva da existência? STMSCC: §63

A primeira tarefa consiste em tornar visível a impropriedade da presença [Dasein] em sua temporalidade específica, através da análise temporal   do poder-ser todo em sentido próprio da presença [Dasein] e de uma caracterização geral da temporalidade da cura. Numa primeira aproximação, a temporalidade mostra-se na decisão antecipadora. Ela é o modo próprio da abertura que, na maior parte das vezes, se mantém na impropriedade da auto-interpretação decadente do impessoal. Caracterizar a temporalidade da abertura em geral leva à compreensão temporal do ser-no-mundo mais imediato das ocupações e, com isso, da indiferença mediana da presença [Dasein], aqui tomada como primeiro ponto de partida da ANALÍTICA EXISTENCIAL. Chamamos de cotidianidade o modo de ser mediano da presença [Dasein] no qual, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, ela se mantém. Mediante a retomada da análise anterior, a cotidianidade deve desvelar o seu sentido temporal para, com isso, deixar vir à [416] luz a problemática abrigada na temporalidade e fazer desaparecer por completo a aparente “evidência” das análises preparatórias. A temporalidade deve, na verdade, confirmar-se em todas as estruturas essenciais da constituição fundamental da presença [Dasein]. Isto, porém, não leva a uma repetição esquemática e exterior das análises realizadas em sua sequência. O curso da análise temporal toma agora uma outra direção, tornando ainda mais claro o contexto das considerações anteriores e superando a casualidade e a aparente arbitrariedade. Além dessas necessidades metodológicas, motivos inerentes ao próprio fenômeno impõem uma outra articulação da análise a ser retomada. STMSCC: §66

Do ponto de vista da ANALÍTICA EXISTENCIAL, é preciso questionar as condições temporais de possibilidade da espacialidade que possui o caráter de presença [Dasein]. Esta funda, por sua vez, a descoberta do espaço intramundano. Antes disso, porém, deve-se recordar a maneira em que a presença [Dasein] é espacial. A presença [Dasein] só pode ser espacial como cura, no sentido de um existir fático e decadente. Ou numa formulação negativa: mesmo numa primeira aproximação, a presença [Dasein] nunca é e está simplesmente dada no espaço. Ela não preenche um pedaço de espaço como uma coisa real ou um instrumento, no sentido de que os seus limites com o espaço circundante fossem apenas uma determinação espacial do espaço. A presença [Dasein] toma em sentido literal – espaço. Ela não é, em absoluto, apenas simplesmente dada no pedaço de espaço que um corpo físico preenche. Existindo, ela já sempre arrumou para si um espaço. Ela determina, cada vez, seu próprio lugar de tal forma que, a partir da arrumação do espaço, ela volta para o “lugar” que ocupou. Para se dizer que a presença [Dasein] é e está simplesmente dada numa posição do espaço é preciso, antes, apreender ontologicamente de forma inadequada [457] este ente. A diferença entre a “espacialidade” de uma coisa extensa e a espacialidade da presença [Dasein] não reside em que esta sabe do espaço; pois o tomar espaço é tão pouco idêntico a uma “representação” do espacial que é este que pressupõe aquela. A espacialidade da presença [Dasein] tampouco não deve ser interpretada como imperfeição que pesa sobre a existência devido à fatal “ligação do espírito a um corpo”. Ao contrário, somente porque a presença [Dasein] é “espiritual” e somente por isso é que ela pode, de algum modo, ser espacial. Já para uma coisa corpórea e extensa isto permanece, em sua essência, impossível. STMSCC: §70

Aquilo que, na interpretação fática da presença [Dasein], é onticamente tão conhecido que nem sequer lhe damos atenção abriga, ontologicamente, muitos enigmas. É apenas aparentemente que o horizonte “natural”, tomado como primeiro ponto de partida da ANALÍTICA EXISTENCIAL da presença [Dasein], é evidente. STMSCC: §71

Todos os esforços da ANALÍTICA EXISTENCIAL visam à única meta de encontrar uma possibilidade de se responder à questão do sentido de ser em geral. Elaborar essa questão exige que se delimite a compreensão de ser, isto é, o fenômeno em que o próprio ser se torna acessível. Ela pertence, no entanto, à constituição de ser da presença [Dasein]. Somente após uma interpretação suficiente e originária deste ente é que se poderá conceber a compreensão de ser inserida em sua constituição de ser e, nessa base, colocar a questão sobre o ser nela compreendido e sobre as “pressuposições” desse compreender. STMSCC: §72

Embora não tenhamos visto até agora nenhuma possibilidade de um ponto de partida mais radical para a ANALÍTICA EXISTENCIAL, levanta-se [463] uma dúvida sobre o sentido ontológico da cotidianidade na discussão precedente: Será que, no que diz respeito ao seu ser-todo em sentido próprio, toda a presença [Dasein] foi de fato levada à posição prévia da ANALÍTICA EXISTENCIAL? O questionamento referente à totalidade da presença [Dasein] pode até possuir uma precisão ontológica genuína. A própria questão pode, inclusive, ter encontrado a sua resposta no ser-para-o-fim. A morte é, no entanto, apenas o “fim” da presença [Dasein] e, em sentido formal, apenas um dos fins que abrangem a totalidade da presença [Dasein]. O outro “fim” é o “começo”, o “nascimento”. Só o ente “entre” nascimento e morte torna presente o todo que se procura. Desta forma, ficou “unilateral” a orientação dada até aqui à analítica, apesar de tender para o ser-todo existente e de explicar, genuinamente, o ser-para-a-morte próprio e impróprio. A presença [Dasein] só se fez tema existindo, por assim dizer, “para frente”, deixando, com isso, “para trás” de si todo o ter sido. Não apenas se desconsiderou o ser para o começo mas, sobretudo, a ex-tensão da presença [Dasein] entre nascimento e morte. Na análise do ser-todo, passou-se por cima do “nexo da vida” em que a presença [Dasein], constantemente e de algum modo, se mantém. STMSCC: §72

A interpretação realizada do poder-ser todo em sentido próprio da presença [Dasein] e a análise da cura, como temporalidade, proporcionam o fio condutor para a construção existencial da historicidade. O projeto existencial da historicidade da presença [Dasein] só chega a desvelar o que já está velado na temporalização da temporalidade. Correspondendo ao enraizamento da historicidade na cura, a presença [Dasein] sempre existe como algo historicamente próprio ou impróprio. O horizonte mais imediato, representado pela cotidianidade [467] na ANALÍTICA EXISTENCIAL da presença [Dasein], elucida-se, agora, como historicidade imprópria da presença [Dasein]. STMSCC: §72

Chamamos de historicidade própria da presença [Dasein] o que foi até aqui caracterizado como historicidade, de acordo com o acontecer próprio da decisão antecipadora. A partir dos fenômenos de transmissão e retomada, enraizados no porvir, tornou-se claro por que o acontecer da história em sentido próprio tem seu peso no vigor de ter sido. Todavia permanece ainda mais enigmático o modo em que esse acontecer, entendido como destino, deve constituir todo o “nexo” do nascimento até a morte da presença [Dasein]. Que esclarecimento propicia o remeter à decisão? O decisivo não será sempre apenas uma “vivência” singular na sequência de todo o contexto da vida? Será que o “nexo” do acontecer em sentido próprio consiste de uma sequência ininterrupta de decisões? Por que a questão sobre a constituição do “nexo da vida” até hoje não encontrou uma resposta satisfatória? Será que, na pressa de chegar a uma resposta, a investigação não deixou de examinar, preliminarmente, a legitimidade da questão? Do percurso seguido na ANALÍTICA EXISTENCIAL ficou bastante claro que a ontologia da presença [Dasein] sempre cai vítima das seduções da compreensão vulgar de ser. Metodologicamente, esse perigo só pode ser enfrentado procurando-se a origem da questão tão “evidente” da constituição do nexo da presença [Dasein] e determinando-se o horizonte ontológico em que ela se move. STMSCC: §74

Não é por acaso que Yorck chama o ente não histórico de ôntico simplesmente. Isto apenas reflete o predomínio ininterrupto da ontologia tradicional que, provindo do antigo questionamento do ser, mantém a problemática ontológica numa estreiteza de princípio. O problema da diferença entre o ôntico e o histórico só pode ser elaborado como problema de pesquisa caso se tenha assegurado preliminarmente o fio condutor, através do esclarecimento de uma ontologia fundamental que questiona o sentido de ser em geral. Dessa forma se esclarece em que sentido a ANALÍTICA EXISTENCIAL e temporal preparatória da presença [Dasein] se decidiu por cultivar o espírito do Conde Yorck para servir à obra de Dilthey  . [497] STMSCC: §77

Para se comprovar que e como a temporalidade constitui o ser da presença [Dasein], mostrou-se o seguinte: enquanto constituição ontológica da existência, a historicidade é, “no fundo”, temporalidade. A interpretação do caráter temporal da história se fez, contudo, sem considerar o “fato” de que todo acontecer decorre “no tempo”. Ao longo da análise existencial e temporal da historicidade, não se deu a palavra à compreensão cotidiana da presença [Dasein] que, de fato, só conhece a história como acontecer “intratemporal”. Se a ANALÍTICA EXISTENCIAL deve tornar ontologicamente transparente a presença [Dasein], justamente em sua facticidade, então deve-se devolver expressamente o direito à interpretação “ôntico-temporal” e fatual da história. O tempo “em que” os entes intramundanos vêm ao encontro deve, ainda mais necessariamente, receber uma análise fundamental, porque, além da história, também os processos naturais se determinam “pelo tempo”. Todavia, mais elementar do que a constatação de que o “fator tempo” vem à tona nas ciências da história e da natureza é que, bem antes de qualquer pesquisa temática, a presença [Dasein] já “conta com o tempo” e por ele se orienta. Aqui, novamente, permanece decisivo o “contar” “com o seu tempo”, inerente à presença [Dasein], que antecede todo uso de instrumentos de medição, adequados à determinação temporal. Este contar antecede o uso, possibilitando a utilização de relógios. STMSCC: §78

Só é possível responder às questões se e como se atribui ao tempo um “ser”, por que e em que sentido chamamos o tempo de “ente”, caso se mostre como, na totalidade de sua temporalização, a própria temporalidade possibilita uma compreensão de ser e um dizer os entes. O capítulo articula-se da seguinte maneira: a temporalidade da presença [Dasein] e a ocupação do tempo (§79); o tempo ocupado e a intratemporalidade (§80); a intratemporalidade e a gênese do conceito vulgar de tempo (§81); a distinção do nexo ontológico-existencial entre temporalidade, presença [Dasein] e tempo do mundo por oposição à concepção hegeliana da relação entre tempo e espírito (§82); a ANALÍTICA EXISTENCIAL e temporal da presença [Dasein] e a questão da ontologia fundamental sobre o sentido de ser em geral (§83). STMSCC: §78

Não se poderá discutir aqui se a interpretação hegeliana de tempo e espírito e de seu nexo é legítima e se ela se baseia em fundamentos ontologicamente originários. Mas que a “construção” dialético-formal do nexo entre tempo e espírito pode ser simplesmente ousada revela um parentesco originário entre ambos. A “construção” hegeliana recebeu seu impulso do esforço e da luta por conceber a “concreção” do espírito. É o que anuncia a seguinte frase do capítulo final da Fenomenologia do espírito: “O tempo se manifesta, pois, como o destino e a necessidade do espírito, que em si não se completou – a necessidade de enriquecer a parte que a autoconsciência tem na consciência, o imediato do em-si – a forma em que a substância está na consciência – de pôr-se em movimento ou, ao invés, de o em-si, tomado como o interior, realizar e revelar o que é interior – ou seja, de reivindicar a certeza de si mesmo”. A ANALÍTICA EXISTENCIAL da presença [Dasein] se coloca, ao contrário, dentro da “concreção” da própria existência lançada de fato para, então, desvelar a temporalidade como a sua possibilitação originária. O “espírito” não cai primeiro no tempo, mas ele existe como temporalização originária da temporalidade. Esta temporaliza o tempo do mundo, em cujo horizonte a “história”, entendida como acontecer intratemporal, pode se “manifestar”. O “espírito” não cai no tempo, mas a existência de fato “cai” da temporalidade própria e originária na decadente. Esse “cair”, no entanto, tem a sua possibilidade existencial num modo de temporalização pertencente à temporalidade. [533] STMSCC: §82

§83. A ANALÍTICA EXISTENCIAL e temporal da presença [Dasein] e a questão de uma ontologia fundamental sobre o sentido de ser em geral STMSCC: §83

A tarefa das considerações até aqui realizadas consistia em interpretar, de maneira ontológica e existencial, a totalidade originária, a partir de seu fundamento, da presença [Dasein] fática nas possibilidades de sua existência própria e imprópria. A temporalidade revelou-se como esse fundamento e, portanto, como o sentido ontológico da cura. Desse modo, antes da liberação da temporalidade, o que a ANALÍTICA EXISTENCIAL preparatória da presença [Dasein] aprontou foi reconduzido à estrutura originária da totalidade do ser da presença [Dasein], isto é, à temporalidade. As estruturas, anteriormente apenas “demonstradas”, só recebem a sua “fundamentação” a partir das possibilidades analisadas de temporalização do tempo originário. A elaboração da constituição ontológica da presença [Dasein] é, porém, apenas um caminho. A meta é elaborar a questão de ser em geral. A analítica temática da existência necessita, por sua vez, da luz que emana da ideia de ser em geral, antes esclarecida. Isso adquire validade, sobretudo no caso de se manter como parâmetro orientador de toda investigação filosófica a proposição anunciada na introdução: a filosofia é uma ontologia fenomenológica e universal que parte da hermenêutica da presença [Dasein], a qual, enquanto analítica da existência, amarra o fio de todo questionamento filosófico no lugar de onde ele brota e para a onde retorna [NH:não se trata, portanto, de filosofia existencial]. Sem dúvida, esta tese não tem o valor de um dogma, mas de uma formulação do problema fundamental ainda “velado”, a saber: Pode-se fundamentar ontologicamente a ontologia ou será que ela também necessita de um fundamento ôntico? E que ente deve assumir a função fundamentadora? STMSCC: §83