Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Sloterdijk (E1:242-243) – inteligência, escrita, leitura

quinta-feira 29 de abril de 2021

O individualismo cerebral desconheceria o fato de que um cérebro só desperta para uma certa capacidade funcional em interação com um segundo e, mais ainda, com um conjunto maior de cérebros — de uma capacidade funcional completa ninguém ousa   falar. Cérebros são meios para aquilo que outros cérebros fazem e fizeram. A inteligência recebe apenas de outra inteligência os estímulos decisivos para a sua atividade específica. Assim como a linguagem e a emoção, a inteligência não é um sujeito, mas um meio ou círculo de ressonância. A inteligência pré-alfabética, ao contrário da inteligência alfabética capaz de distanciamento, aponta para um denso clima de participação, porque, estando totalmente imersa na comunicação de proximidade, necessita para desenvolver-se da experiência de uma comunidade presente de cérebros e de nervos. Na era da leitura, essa comunidade se transformará na quase telepática república de eruditos, que tem, não por acaso, seus “espíritos do tempo”: é graças à escrita que os espíritos do tempo anterior podem, ademais, retornar às atenções atuais. A escrita, além disso, é o que torna possível que indivíduos se retirem da sociedade para se completarem a si mesmos com as vozes dos autores: quem pode ler também pode ser só. Apenas a alfabetização permite a anacorese: o livro e o deserto estão ligados. Mas, mesmo na clausura mais solitária, não existem pensamentos próprios em última instância. É precisamente pela retirada no espaço social vazio que a noção de Deus como primeiro leitor de pensamentos se tornou tão poderosa: ao retirar-me para o deserto, forço Deus a dirigir a atenção para mim. É exatamente para o deus dos eremitas que se transferiram os restos da função participativa íntima nos grupos primitivos: é ele que garante [242] que o asceta, no deserto, não está jamais sem seu grande parceiro, que o envolve, observa, espreita e atravessa com o olhar. [SLOTERDIJK  , Peter. Esferas I. Bolhas. Tr. José Oscar de Almeida Marques. Rio de Janeiro: Estação Liberdade, 2016, p. 242-243]


Ver online : ESFERAS I. BOLHAS.