Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Ricoeur (1985:119-120) – existenziell e existenzial

sábado 16 de dezembro de 2023

Roberto Leal Ferreira

Digamos uma palavra sobre o problema em seu aspecto mais geral e mais formal  . Em princípio, o termo “existenciário” [existenziell  ] caracteriza a escolha concreta de uma maneira de ser-no-mundo, o compromisso ético garantido por personalidades excepcionais, por comunidades, eclesiais ou não, por culturas inteiras. O termo “existencial” [existenzial], em compensação, caracteriza toda análise que visa explicitar as estruturas que distinguem o ser-aí de todos os outros entes, e assim vincula a questão do sentido do ser do ente que somos à questão do sentido do ser enquanto tal, na medida em que, para o ser-aí, está em jogo o sentido de seu ser. Mas a distinção entre existenciário e existencial é obscurecida por sua interferência com a do autêntico e do inautêntico, ela própria imbricada na busca do originário (ursprunglich). Essa última sobreposição é inelutável, uma vez que o estado degradado ou decaído dos conceitos disponíveis para uma fenomenologia hermenêutica reflete o estado de esquecimento em que se encontra a questão do ser e requer o trabalho de linguagem mencionado mais acima. A conquista de conceitos primitivos, originários, é, assim, inseparável de uma luta contra a inautenticidade, ela própria praticamente identificada à cotidianidade. Ora, a pesquisa do autêntico não pode ser levada adiante sem um constante apelo ao testemunho do existenciário. Os comentadores não sublinharam suficientemente, a meu ver, esse nó de toda a fenomenologia hermenêutica de Ser e tempo  . Ela está sempre na necessidade de atestar existenciariamente seus conceitos existenciais.8 Por quê? Não é para responder a nenhuma objeção epistemológica vinda das ciências humanas — a despeito das palavras “critério”, “segurança”, “certeza”, “garantia”; a necessidade de atestação decorre da própria natureza dessa potencialidade de ser em que consiste a existência: esta, com efeito, é livre, quer para o autêntico, quer para o inautêntico, quer para algum modo indiferenciado. Ora, as análises da primeira seção constantemente se apoiaram na cotidianidade média e, portanto, estão [112] elas próprias confinadas nesse registro indistinto, ou até claramente inautêntico. É por isso que se impõe uma nova exigência: “A existência quer dizer uma potencialidade de ser — mas uma potencialidade que seja autêntica” 1233). Mas, como um ser inautêntico pode muito bem ser menos que integral (als unganzes  ), como o verifica a atitude de fuga diante da possibilidade da morte, é preciso admitir que “nossa análise existencial anterior do ser-aí não pode pretender a originariedade” (ibid.). Ou seja, sem a garantia da autenticidade, a análise carece também da segurança de originariedade.

Original

Disons un mot du problème dans son aspect le plus général et le plus formel. En principe, le terme « existentiel » caractérise le choix concret d’une manière d’être-au-monde, l’engagement éthique assuré par des personnalités exceptionnelles, par des communautés, ecclésiales ou non, par des cultures entières. Le terme « existential », en revanche, caractérise toute analyse visant à expliciter les structures qui distinguent l’être-là de tous les autres étants, et ainsi rattachent la question du sens de l’être de l’étant que nous sommes à la question de l’être en tant que tel, pour autant que pour l’être-là il y va du sens de son être. Mais la distinction entre existential et existentiel est obscurcie par son interférence avec celle de l’authentique et de l’inauthentique, elle-même imbriquée dans la recherche de l’originaire (ursprünglich  ). Ce dernier empiétement est inéluctable, dès lors que l’état dégradé et déchu des concepts disponibles pour une phénoménologie herméneutique reflète l’état d’oubli où se trouve la question de l’être, et requiert le travail de langage évoqué plus haut. La conquête de concepts primitifs, originaires, est ainsi inséparable d’une lutte contre l’inauthenticité, elle-même pratiquement identifiée à la quotidienneté. Or, la recherche de l’authentique ne peut être menée sans un constant appel au témoignage de l’existentiel. Les commentateurs n’ont pas assez souligné, me semble-t-il, ce nœud de toute la phénoménologie herméneutique de l’Être et le Temps. Celle-ci est sans cesse dans la nécessité d’attester existentiellement ses concepts existentiaux91. Pourquoi ? Ce n’est pas pour répondre à quelque objection épistémologique venue des sciences humaines — en dépit des mots « critère », « assurance », « certitude », « garantie » ; le besoin d’attestation résulte de la nature même de cette potentialité à être en quoi consiste l’existence : celle-ci, en effet, est libre, soit pour l’authentique, soit pour l’inauthentique, soit pour quelque mode indifférencié. Or les analyses de la première section ont constamment pris appui sur la quotidienneté moyenne et sont donc elles-mêmes confinées dans ce registre indistinct, voire franchement inauthentique. C’est pourquoi une nouvelle demande s’impose : « L’existence veut dire une potentialité à être — mais aussi une qui soit authentique » [233]. Mais, comme un être inauthentique peut fort bien être moins qu’intégral (als unganzes), ainsi que le vérifie l’attitude de fuite devant la possibilité de la mort, il faut avouer que « notre analyse existentiale antérieure de l’être-là ne peut prétendre à l’originarité » (ibid.). Autrement dit, sans la garantie de l’authenticité, l’analyse manque aussi de l’assurance d’originarité.


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